Por Ismael Machado
A imagem acima mostra um ato dos povos ancestrais durante a COP 28 em Dubai, em 2023 (Foto: Mídia Ninja).
BELÉM (PA) – A realização da COP30 em Belém do Pará, em 2025, como muito já se escreveu e se dialogou e projetou a respeito, representa um marco histórico e simbólico. É a primeira vez que a Conferência do Clima da ONU será realizada na Amazônia, epicentro global das discussões climáticas. É também um gesto político importante: dar visibilidade à região que concentra tanto biodiversidade quanto desigualdade, potência e vulnerabilidade. Mas o que pode realmente ser conquistado nesse encontro? O que esperar, de forma realista, da presença de cientistas, jornalistas engajados e da Cúpula dos Povos?
A resposta mais honesta talvez seja: muito em termos de mobilização simbólica e de redes de articulação, pouco em termos de mudança estrutural imediata. A COP, como espaço diplomático oficial, é marcada por negociações técnicas, interesses econômicos conflitantes e o peso decisivo das grandes potências. Historicamente, os compromissos firmados são lentos, muitas vezes não vinculantes, e frequentemente esvaziados por disputas internas nos países-membros. Mesmo com o Brasil assumindo um papel mais propositivo no cenário internacional e com a pauta climática ganhando força, há limites objetivos impostos por lobbies do agronegócio, mineração, petróleo e pelas contradições internas do próprio governo. E tendo a nefasta sombra de Donald Trump a acompanhar tudo, o otimismo desce ainda mais pelo ralo.
Nesse contexto, os cientistas têm o papel fundamental de consolidar evidências, reforçar alertas e propor soluções. Mas já não é falta de dados que impede a ação. O negacionismo climático até pode ter perdido força (o que é discutível), mas a inação segue forte. O desafio é político, não técnico. Os jornalistas engajados (termo complicado, eu sei) — especialmente os da Amazônia — poderão ampliar vozes silenciadas, denunciar retrocessos e dar protagonismo a sujeitos locais, mas enfrentarão, como sempre, as barreiras da grande mídia comercial, das narrativas oficiais e da invisibilidade sistemática das populações tradicionais. Se a grande mídia tradicional tem sido financiada por agentes corresponsáveis pelos danos ambientais que vivenciamos, como esperar um posicionamento realmente crítico? E se essa mesma mídia defende interesses que se coadunam com valores neoliberais, como acreditar na força mobilizadora dessa cobertura? São questões que se impõem.
A Cúpula dos Povos, por sua vez, é onde pulsa o coração da crítica e da esperança. Espaço de movimentos sociais, indígenas, quilombolas, ribeirinhos, jovens, artistas e ativistas de todo o mundo, ela será fundamental para pautar a justiça climática não como discurso genérico, mas como enfrentamento das desigualdades estruturais. Sua força reside na construção de alianças, na mobilização popular, na disputa de narrativas. Mas seu alcance prático dependerá de sua capacidade de furar bolhas, pressionar decisões e manter a mobilização após os holofotes. Terá concretude para isso?
Portanto, o que se pode esperar da COP30, com realismo, é um momento de grande visibilidade, disputas simbólicas importantes e possíveis avanços pontuais em temas estratégicos — como financiamento climático, proteção de defensores ambientais e novas áreas de conservação. Mas os avanços decisivos, estruturais e duradouros, continuarão dependendo de um processo longo, conflitual e cotidiano de luta política, social e cultural. A COP30 pode ser um catalisador, mas não será uma virada por si só. O amanhã será construído no dia seguinte. E nos muitos dias seguintes.
Comentários