• A parte leste da floresta amazônica brasileira é fortemente desmatada e degradada, mas a parte oeste da região, com aproximadamente 740,000 km2, está quase totalmente intacta devido à falta de acesso rodoviário.

• O imenso bloco de floresta a oeste da notória rodovia BR-319 (Manaus-Porto Velho) é essencial para manter a biodiversidade da região, seus povos indígenas, seus enormes estoques de carbono e seu papel na reciclagem da água que fornece chuvas a lugares como São Paulo.

• As estradas planejadas que se ramificaram a partir da rodovia BR-319, especialmente a AM-366, abririam a parte norte deste vasto bloco de floresta à entrada de desmatadores. Agora, uma nova ameaça está avançando rapidamente: um projeto de petróleo e gás que implantaria milhares de poços espalhados pelas partes central e sul desse bloco florestal.

* Embora não faça parte do plano oficial, é provável que futuras estradas ligariam as áreas de perfuração à AM-366, dando aos desmatadores acesso a toda a área

O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) preliminar do gigantesco projeto de exploração de gás e petróleo “Área Sedimentar do Solimões” [1] se encontra aberto para comentários públicos até 19 de março (disponível aqui). O projeto visa milhares de perfurações em uma série “blocos” espalhados em uma área que engloba aproximadamente um terço do Estado do Amazonas (Figura 1). Evidentemente, há diversos riscos.

Figura 1. Mapa de blocos de exploração ([1], p. 56). As áreas em roxo têm poços atualmente em produção. As linhas finas verdes representam os locais para futuras perfurações.

Um risco é de derramamentos de petróleo, um tipo de evento que tem ocorrido com certa frequência nas áreas amazônicas de Peru e Equador, onde a exploração está ocorrendo em escala maior do que a atual situação na Amazônia brasileira. Os riscos de derramamentos são inerentes a essas operações [2], e os impactos sobre a biodiversidade são graves [3].

Outro risco é para povos indígenas isolados na área. Os primeiros blocos colocados a disposição para as empresas excluíram os que poderiam ter indígenas isoladas, o que desagradou as empresas [4]. As áreas ocupadas por povos indígenas não contatados tem sido alvo de uma onda de pressão mineral no primeiro ano do governo Bolsonaro [5].

Para os povos indígenas já contatados e com as suas terras reconhecidas, o Projeto de Lei 191/2020, enviado ao Congresso Nacional pelo presidente Bolsonaro em 05 de fevereiro de 2020 [6], abriria terras indígenas em geral para exploração de gás e petróleo. Conhecido como o “PL da devastação” [7], os povos nem teria direito de vetar a exploração de gás e petróleo. A aprovação desta ou outra lei semelhante pode levar a expansão ainda mais do projeto “Área Sedimentar do Solimões”.

O direito de consulta dos povos indígenas já está sendo desrespeitado rotineiramente, a rodovia BR-319 (Manaus-Porto Velho) sendo um caso relevante [8].

Outro custo social decorre dos impactos sobre os habitantes tradicionais não indígenas das áreas em questão, tais como ribeirinhos. O histórico não é promissor [11].

A afirmação de que não vão ser construídas estradas é uma das mais importantes no EIA preliminar, mas recebe apenas duas linhas de texto, escondidas na página 88 do documento, afirmando que vai “realizar o transporte de pessoas e materiais apenas por vias aéreas e fluvial, sem a abertura de novas estradas”.

A ideia de que grupos de poços seriam considerados como se fossem plataformas petrolíferas no mar, com transportes por helicóptero, é atraente por minimizar os impactos e como meio de ganhar aprovação das licenças ambientais. É bem conhecido que estradas amazônicas são os grandes motores de desmatamento, trazendo invasões de atores e processos que escapam do controle do governo [12, 13].

No entanto, embora manter operações petrolíferas sem estradas pode ser sustentado financeiramente quando se trata de poucos locais, na medida em que se expande para centenas de locais, a viabilidade financeira de estradas aumentaria dramaticamente, assim como a atração de lançar mão nessa opção de transporte mais barata.

O elefante na sala é a questão é como garantir que o Ministério das Minas e Energia não vai simplesmente mudar de plano em uma data futura no andar do projeto quando as estradas se tornam mais atraentes financeiramente. Não há indicação no documento de algo que eliminaria a possibilidade de uma mudança futura de política, permitindo estradas.

Um dos perigos da rodovia BR-319 é o plano associado de construir estradas a partir dessa rodovia abrindo esse bloco de floresta, principalmente a AM-366 que cruzaria o rio Purus em Tapauá e seguiria para Coarí, Tefé e Juruá (Figura 2) [14]. Seria provável que estradas até as áreas de exploração de petróleo e gás sairiam a partir da AM-366.

Figura 2. Estradas planejadas que se ramificaram da rodovia BR-319, incluindo a estrada AM-366. (Fonte: [15]).

A importância de manter intacto o grande bloco de floresta ao oeste do rio Purus é difícil de exagerar. Devido ao rápido desmatamento e degradação da parte leste a Amazônia, metade das espécies de árvores na Amazônia brasileira como um todo é projetada a se tornar ameaçada de extinção até 2050, pelos critérios a União Internacional pela Conservação da Natureza (IUCN). Esta projeção presume que a floresta a oeste do rio Purus continua intacta, pois é baseada em uma simulação de desmatamento (Figura 3) que não considera as estradas planejadas que abririam esta área à entrada de desmatadores [16].

Figura 3. Simulação do desmatamento até 2050 por Britaldo Soares-Filho e colegas, publicado na revista Nature em 2006 [17]. A vasta área verde na parte oeste da região permanece intacta na simulação porque as estradas planejadas que abririam essa área não estavam incluídas no modelo. O projeto de petróleo e gás agora adiciona um risco adicional.

O bloco de floresta a oeste do rio Purus contem um enorme estoque de carbono [18], a proteção de que é essencial para evitar um grande impulso ao aquecimento global. Este bloco de floresta também é crítico para manter a reciclagem de água que abatesse os “rios voadores”, que são os ventos que carregam água da Amazônia e mantém as chuvas em regiões como São Paulo [19].

A cidade de São Paulo já ficou quase sem água durante as grandes secas [20], e a perda da água transportada da Amazônia pelos “rios voadores” tornaria uma catástrofe lá muito mais provável.

*Este artigo foi atualizado em 12/03/2020.

Notas

[1] Consórcio PIATAM/COPPETEC & EPE. 2019. Estudo Ambiental de Área Sedimentar na Bacia Terrestre do Solimões: EAAS Preliminar Relatório Técnico destinado à Consulta Pública. Consórcio PIATAM/COPPETEC, Manaus, AM & Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Rio de Janeiro, RJ. 497 p.

[2] Fearnside, P.M. 2020. Oil and gas project threatens Brazil’s last great block of Amazon forest. Mongabay, 09 de março de 2020.

[3] Fearnside, P.M. 2019. O derramamento de petróleo no Nordeste: Um alerta para o Pré-Sal e para Amazônia. Amazônia Real, 28 de outubro de 2019.

[4] Azevedo-Santos, V.M., J.R. Garcia-Ayala, P.M. Fearnside, F.A. Esteves, F.M. Pelicice, W.F. Laurance, R.C. Benine. 2016. Amazon aquatic biodiversity imperiled by oil spills. Biodiversity and Conservation 25(13): 2831–2834.

[5] Vargas, I.M. 2020. Produtor de petróleo quer bloco do AM em edital de exploração. Folha de São Paulo, 27 de fevereiro de 2020, p. A21.

[6] Angelo, M. 2020. Barrage of mining requests targets Brazil’s isolated indigenous peoples. Mongabay, 26 de fevereiro de 2020.

[7] ISA (Instituto Socioambiental). 2020. Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações – UNHRC. Relatório: Ameaças e violação de direitos humanos no Brasil: Povos indígenas isolados. ISA, Brasília, DF. 30 p.

[8] Congresso Nacional, 2020. PL 191/2020. Câmara dos Deputados, Brasília, DF, Brazil.

[9] ISA (Instituto Socioambiental). 2020. PL da devastação dá cheque em branco ao governo. ISA, 17 de fevereiro de 2020.

[10] Ferrante, L.; M. Gomes & P.M. Fearnside. 2020. Amazonian indigenous peoples are threatened by Brazil’s Highway BR-319Land Use Policy

[11] Leroy, J.L. & J. Malerba (eds.). 2005. Petrobras: ¿Integración o explotación?. Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE), Rio de Janeiro. RJ. 140 p.

[12] Fearnside, P.M. 2015. Highway construction as a force in destruction of the Amazon forest. p. 414-424 In: R. van der Ree, D.J. Smith & C. Grilo (eds.) Handbook of Road Ecology. John Wiley & Sons, Oxford, Reino Unido. 552 p.

[13] Fearnside, P.M. 2017. Deforestation of the Brazilian Amazon. In: H. Shugart (ed.) Oxford Research Encyclopedia of Environmental Science. Oxford University Press, New York, E.U.A.

[14] Fearnside, P.M. 2018. BR-319 e a destruição da floresta amazônica. Amazônia Real, 19 de outubro de 2018.

[15] Fearnside, P.M. & P.M.L.A. Graça. 2009. BR-319: A rodovia Manaus-Porto Velho e o impacto potencial de conectar o arco de desmatamento à Amazônia central. Novos Cadernos NAEA 12(1): 19-50.

[16] Gomes, V.H.F., I.C.G. Vieira, R.P. Salomão & H. ter Steege. 2019. Amazonian tree species threatened by deforestation and climate changeNature Climate Change 9: 547–553.

[17] Soares-Filho, B.S., D.C. Nepstad, L.M. Curran, G.C. Cerqueira, R.A. Garcia, C.A. Ramos, E. Voll, A. McDonald, P. Lefebvre & P. Schlesinger. 2006. Modelling conservation in the Amazon BasinNature 440(23): 520-523.

[18] NogueiraE.M., A.M. Yanai, F.O.R. Fonseca & P.M. Fearnside. 2015. Carbon stock loss from deforestation through 2013 in Brazilian Amazonia. Global Change Biology 21: 1271–1292.

[19] Fearnside, P.M. 2015. Rios voadores e a água de São Paulo [Amazônia Real Série completa].

[20]  Gerberg, J. 2015. A Megacity Without Water: São Paulo’s Drought. Time, 13 de outubro de 2015.

*Este texto foi publicado originalmente no site Mongabay em 09 de março de 2020

*A fotografia que abre este artigo é da obra do Gasoduto Coari/Manaus em 2007, no Amazonas (Foto: Alberto César Araújo)

 

 

Fonte: https://amazoniareal.com.br/os-riscos-do-projeto-de-gas-e-petroleo-na-area-sedimentar-do-solimoes/

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