Por Kátia Brasil e Izabel Santos, da Amazônia Real
Manaus (AM) – “Estou mais ou menos sem oxigênio”. A frase é do indígena Denivaldo Souza Cruz, do povo Desana, funcionário da Fundação Nacional do Índio (Funai), relatando a falta oxigênio desde ontem (8 de abril) nos respiradores do Hospital de Guarnição do Exército, em São Gabriel da Cachoeira, no norte do Amazonas. Ele é uma das sete pessoas que estão internadas no hospital em tratamento de Covid-19.
Sem saber, Denivaldo Cruz conseguiu mobilizar o Comitê da Prefeitura de São Gabriel, o Ministério Público do Amazonas e o Governo do Amazonas para solucionar a crise no hospital ainda neste sábado (9).
Denivaldo mandou seu relato pelo aplicativo de mensagens Whatsapp e rapidamente a notícia se espalhou pelo município, que tem 45 mil habitantes, sendo a maioria indígenas pertencentes a 23 etnias. Antes, ele escreveu em seu perfil no Facebook a situação de sua própria saúde: “Parentes amigos ontem (7) e hoje (8) as coisas pioraram um pouco. O médico tá preocupado porque eu não consigo estabilizar minha respiração. Estou desde ontem no oxigênio e o cançasso [sic] é muito grande. Por enquanto é isso agora nos testa oração [sic]”, disse.
Como já publicado pela Amazônia Real, o Hospital de Guarnição do Exército não tem Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e conta apenas com sete respiradores para atender uma alta demanda de casos da pandemia do novo coronavírus.
O primeiro caso da doença de Covid-19 foi registrado no dia 24 de abril em um indígena do povo Baniwa. Até essa sexta-feira (8), portanto em 16 dias, a Prefeitura de São Gabriel registrou 54 casos confirmados da doença e quatro mortes, sendo que três dos óbitos são de pessoas indígenas. Cerca de 186 pessoas estão sendo monitoradas com sintomas da doença. Neste sábado (9), o decreto municipal de bloqueio total, o lockdown, de circulação de pessoas nas ruas passou a valer em São Gabriel da Cachoeira. O decreto, que vai vigorar até o dia 19 de maio, foi assinado pelo prefeito em exercício Pascoal Gomes Alcântara, porque o prefeito da cidade, Clóvis Saldanha (PT), o Curubão, está afastado desde o último dia 2, após ter testado positivo para o novo coronavírus.
Com a notícia da falta de oxigênio nos cilindros do Hospital de Guarnição do Exército de São Gabriel, que fica a 850 quilômetros de distância de Manaus, o Ministério Público do Amazonas e o Comitê da Prefeitura para o Enfrentamento da pandemia se mobilizaram e conseguiram dez cilindros de oxigênio com empresas da cidade, mas a situação continua dramática.
Neste sábado, o MP em Manaus comunicou a situação ao Governo do Amazonas, que tomou providências para reabastecer o hospital. O Exército ainda não se pronunciou sobre a falta de oxigênio na unidade.
Em entrevista à reportagem, o secretário executivo adjunto da Secretaria de Saúde do Amazonas (Susam), Cássio Roberto do Espírito Santo, que atua na Atenção Especializada do Interior, disse que foi enviado na tarde deste sábado (9), de Manaus, cilindros de oxigênio para o município. “Estão sendo levados 30 nesse momento, tem 75 cilindros vazios lá, que vão ser trazidos para a capital e reenchidos e levados para lá em aviões da FAB”, revelou por telefone o secretário. Ele destacou à Amazônia Real que “amanhã (10), um outro voo vai levar mais 50 cilindros para lá”.
“Rezem por mim”
Funcionário da Funai, Denivaldo Souza Cruz está doente desde o dia 13 de março. Ele disse que primeiro foi testado positivo para malária. No mês seguinte passou a sentir sintomas de Covid-19. “Estou em casa, ontem (27 de abril) me deu uma forte febre e muita dor de cabeça. Tomei chá e tossi muito à noite. Hoje (28) sem febre, mas com dor de garganta e peito”, contou ele no Facebook.
Ainda no dia 28 de abril, Denivaldo relatou que foi ao Hospital Geral do Exército. “Estou no hospital. Acabei de bater o RX, rezem por mim”.
Segundo a Prefeitura São Gabriel da Cachoeira, o primeiro teste em Denivaldo Cruz deu negativo para coronavírus. Ele chegou a comemorar o resultado nas redes sociais. “Amigos parentes bom dia. Ontem (28 de abril) acabei indo ao hospital para tirar dúvidas, graças a Deus deu negativo, agradeço a todos que rezaram e torceram por mim”.
Mas ao fazer o exame de contraprova testou positivo para Covid-19. No dia 4 de maio, o funcionário da Funai disse que seu quadro de saúde estava piorando. “Estou internado desde ontem (3 de maio) na ala de isolamento, tava bem mau ontem hoje um pouco melhor respirando bem e tomando cloroquina. Conto de novo com as orações”, afirmou Denivaldo Cruz.
No início da noite de hoje, ele informou, também pela rede social, que os cilindros com oxigênio chegaram ao hospital.
Sem previsão de novo hospital
(Foto: Paulo Desana/Dabakuri/Amazônia Real/09/05/2020)
De acordo com o secretário executivo adjunto de Atenção Especializada do Interior (SEA Interior) da Susam, Cássio do Espírito Santo, o interior do estado do Amazonas possui mais de 1,5 mil leitos clínicos disponíveis e tem baixa ocupação. “Isso não justifica eu colocar hospital de campanha nos municípios”. “São Gabriel da Cachoeira é um município diferenciado por causa da população indígena e porque tem um hospital militar, poucos municípios têm a estrutura que São Gabriel da Cachoeira tem com seis respiradores”, diz.
O secretário afirma que os pacientes continuarão a ser transportados através de UTI para Manaus. “Os pacientes, enquanto estiverem estabilizados, ficarão no município. Se agravarem, serão trazidos para Manaus. O complexo regulador da secretaria avalia diariamente a situação dos pacientes de acordo com as informações colocadas no sistema pelos hospitais do interior. Essas situações são avaliadas de acordo com a gravidade em uma lista de prioridades e então [se necessário] é traçado um plano de remoção”, afirmou Cássio do Espírito Santo.
Veja o quadro com a situação da pandemia no interior
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