João Assy é médico infectologista e trabalha no combate à pandemia do coronavírus no Hospital Municipal de Santarém, no oeste do Pará. Por conta da emergência, ele está dando suporte na Unidade de Pronto Atendimento (UPA)  e no hospital de campanha do município. O médico diz que o hospital está recebendo pacientes de Belém que partem da capital de avião. A viagem dura pouco mais de uma hora.

“Recebemos casos que vieram de UTI aérea (da capital). Teve gente saindo de Belém e vindo pra cá, pois aqui ainda está um degrau anterior do que lá. A UTI do Hospital Regional já está lotada. Aqui não está saturada como está em Belém, mas não temos uma rede de hospitais particulares. O que segura mesmo é o SUS”, disse João Assy.

O governo do Pará informou que também enviou pacientes da cidade de Oriximiná para o Hospital Regional do Baixo Amazonas (HRBA), em Santarém.

Com 118 casos confirmados de Covid-19 e dez mortes, Santarém não está entre os dez municípios que estão sob o lockdown, o bloqueio total de circulação da população nas ruas e nos serviços essenciais, conforme decretou o governador Helder Barbalho (MDB) no dia 5 de maio. São eles, Belém, Ananindeua, Marituba, Benevides, Castanhal, Santa Bárbara do Pará e Santa Izabel do Pará, além dos municípios de Vigia e Santo Antônio do Tauá, ambos no nordeste do estado, e Breves, na Ilha do Marajó.

O lockdown no Pará tem duas fases: a primeira, como uma medida “educativa” até o domingo (10). Depois desse dia haverá multas para pessoas que descumprirem a decisão até o dia 17 de maio: as sanções são multas de R$ 150 para pessoas físicas e R$ 50 mil para pessoas jurídicas, no caso de estabelecimentos desobedientes às regras. O objetivo do decreto é alcançar a meta de 70% do isolamento social, isto é, de pessoas em confinamento dentro de casa.

O bloqueio total da circulação de pessoas nas ruas e de serviços essenciais é uma recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde.

Para o médico João Assy, o lockdown foi tardio no Pará. “Estamos brigando para ter uma restrição maior no comércio já há algum tempo. Não temos aqui essa cultura de compra online”, diz o médico em referência as aglomerações da população em Santarém.

Entrega de medicação contra Covid 19 na Policlínica em Belém
(Foto de Marcelo Seabra/Agência Pará/29-04-2020)

O primeiro registro de uma pessoa contaminada pelo novo coronavírus no Pará aconteceu no dia 18 de março. De lá para cá o nível de contaminação no estado vem crescendo de maneira vertiginosa. De acordo com os dados fornecidos pela Equipe de Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Saúde do Estado do Pará até esta quinta-feira (7) foram notificados 5.935 casos confirmados de Covid-19 e 488 mortes.

Em entrevista à Rádio Bandeirantes, Helder Barbalho afirmou que o Pará tem tomado medidas em prol do isolamento social desde o dia 16 de março, mas que “a média de isolamento no estado do Pará ficou entre 45 e 50%”. Por isso, segundo ele, decidiu estabelecer “uma restrição bastante ampla, na capital e em mais nove cidades do nosso estado, para que com isso, consigamos conter o avanço da Covid-19 e, acima de tudo, possamos salvar a vida da nossa população”.

Ainda na entrevista, Helder explica o critério utilizado para a seleção dos municípios onde passa a vigorar o lockdown: “nas dez cidades que estão com 50% acima da média do estado [do Pará]”, afirma Barbalho. Veja aqui o que está permitido, o que está proibido e a lista de serviços essenciais.

O médico João Assy relata que a região de Santarém “está em franca aceleração dos casos. Estamos acostumados a ver, em uma semana, um ou dois casos de pneumonia viral que leva a internação. Já no início de abril estávamos vendo dois casos por dia aqui. O Hospital Regional separou toda uma área para esses casos. Agora já estamos em dez, quinze casos por dia de pneumonia viral que precisa internar”.

O infectologista questiona ainda a pouca aderência da curva oficial de contágio com relação ao que está de fato acontecendo:  “os casos confirmados aqui são os casos coletados até semana passada. São casos de pessoas que se contaminaram há um mês atrás, e apresentaram sintomas há duas ou três semanas. Estamos sempre olhando um mês atrás”, disse Assy.

Os municípios paraenses com maior número de casos de coronavírus são Belém (3.074 casos), Ananindeua (608 casos), Castanhal (172 casos), Santarém (118), Parauapebas (117 casos), Breves (132 casos) e Bragança (93 casos). Conforme o governo, 87,19% dos leitos de UTI´s adulto da rede estadual estão disponíveis para o tratamento de Covid-19, o que representa um colapso no sistema de saúde.

O governo levou sete médicos cubanos de Santarém para atender pacientes da Covid-19, em Belém (Foto: Agência Pará)

O infectologista João Assy considera que Santarém vive uma “situação de pré-caos. Estamos estimando, como equipe de infectologia, que muito em breve entraremos no mesmo cenário de Manaus e Belém”, afirma. Para ele, outras cidades da região do oeste paraense, como Juruti e Óbidos, com ainda poucos casos “estão como nós estávamos há um mês atrás”.

O médico relata uma dinâmica conhecida na região, de pequenos comerciantes de comunidades distantes que vêm à cidade comprar mantimentos. Como o porto continua em funcionamento, pode estar havendo uma dispersão do vírus para o interior. “O porto continua como se não tivesse nada”, afirma Assy.

Para ele, o problema se coloca de maneira complexa na região. “A preocupação nossa é a distribuição de itens básicos. A interrupção de atividades não-essenciais talvez não tenha aqui um impacto como em outros centros. Aqui a maior parte das atividades são essenciais. Como organizar que a distribuição de alimentos de itens básicos, mercados que distribuem para outras regiões, como fazer isso de forma a diminuir o contato entre pessoas? É sobre isso que deveriam estar se debruçando. E sem dúvidas nenhuma fechar qualquer atividade que não seja essencial”, disse Assy.

Com a diminuição da atividade econômica na região, em grande parte dependente do turismo, como o caso de Alter do Chão, o médico teme que outras doenças possam surgir. “Está tendo também o impacto da atividade do turismo. Há uma preocupação com desnutrição”, afirma o infectologista João Assy.

Em Belém, moradores relatam incertezas

Pessoas aguardam atendimento no Hospital de Campanha de Belém
(Foto: Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real)

Amanda Rodrigues Pereira está acompanhando desde 14 de abril a situação de pneumonia viral da sua mãe Maria de Lourdes Camarinha Rodrigues, 61 anos. Ela aguarda há 24 dias o resultado dos exames da mãe, coletados pela Secretaria Municipal de Saúde de Belém. O segundo exame foi feito no dia 27 de abril no Hospital Beneficente Portuguesa “mas até agora nenhum dos resultados saíram”, relata Amanda.

Amanda conta sobre o primeiro atendimento de sua mãe: “foi no hospital do coração, eles confinaram minha mãe numa sala isolada com várias pessoas doentes sem nem terem um diagnóstico fechado, tiraram celular, comunicação tudo dela, não tiveram humanidade para tratar os pacientes, ela não conseguiu ficar lá.  Foram dois dias de terror e desespero. Voltou pra casa assinando um termo de responsabilidade”.

Após dois dias em casa, dona Maria de Lourdes voltou a sentir falta de ar e se encaminhou para o Hospital Beneficente Portuguesa. “Lá, fomos tratados com mais humanidade”, relata Amanda.

Apesar do bom tratamento no atendimento deste hospital, Amanda relata uma situação fora do controle: “não tinha leito em hospital nenhum em Belém. Sei porque o plano estava fazendo pesquisa de leito em todos os hospitais particulares e não tinha”. Ficamos dois dias dormindo na emergência até que conseguiram um leito dentro da própria Beneficente Portuguesa”. Ela conta ainda que viu “a emergência fechar pois não tinha mais como atender ninguém de tão lotada”. Após quinze dias de internação, dona Lourdes recebeu alta, e já está em casa.

“Não havia oxigênio e máscara”

Angelo Madson Tupinambá (Foto de João Paulo Guimarães)

Angelo Madson Tupinambá é radialista e comunicador social. Seu relato é marcado por incertezas, falta de testes, falta de atendimento e atraso no sepultamento de seu sogro, Ivens Rodrigues da Costa. “A nossa tragédia particular, familiar, relacionada a pandemia da Covid-19 começa quando meu sogro apresenta os primeiros sinais”, conta ele.

“Por ele não ter tido febre e outros sintomas associados, ele não acreditava que estava contaminado. No dia 18 de abril ele apresentou um quadro de Síndrome Respiratória Aguda Grave. Nessa mesma noite, um sábado, eu o levei para Unidade de Pronto Atendimento, no bairro da Sacramenta. E foi verificado que ele precisava de oxigênio com urgência. Foi dado uma injeção e, na sequência, ele foi liberado, pois não havia oxigênio, ou se havia oxigênio, não havia as máscaras. Pois todas as máscaras haviam sido utilizadas”, relata Angelo.

Para o radialista, “esse foi um momento delicado, pois foi nesse período que o sistema público de saúde entrou em colapso. Foi também quando o sistema funerário de Belém colapsou. Logo na sequência, o sistema privado de saúde entrou em colapso”.

Seu sogro faleceu na madrugada do dia 19 de abril, “ao que tudo indica, teve um infarto em decorrência dessa síndrome respiratória aguda grave. Muito provavelmente por Covid-19”. Ao se encaminhar para fazer o Boletim de Ocorrência, Angelo foi “informado que naquele domingo eles fariam as remoções no sábado. E muito provavelmente faleceu no domingo, será removido apenas na segunda feira”.

Angelo conseguiu, através de postagens em redes sociais, chamar atenção para o caso, e o corpo de seu sogro foi removido ainda no domingo, embora 12 horas depois do falecimento.

Angelo Madson socorreu seu sogro como pôde. Com massagem cardíaca e tentando desenrolar a língua dele. Não obteve sucesso. Por ter tido contato direto com o sogro, e receoso de contaminar seus filhos e esposa, mudaram-se para a sede de sua rádio. “Aí então começa a saga da minha família. Nós tivemos que sair de casa, abandonar o imóvel. Foi o momento em que nós nos mudamos aqui para a sede da radioweb Idade Mídia Comunicação para Cidadania”.

Ao apresentar sintomas, Angelo não soube o que fazer. “No sábado, quando perdi o olfato, fiquei muito nervoso, e no domingo, consegui ajuda de algumas pessoas com azitromicina. Comecei a fazer o uso deste medicamento. Tudo para evitar ir à policlínica, ir ao hospital de campanha, porque se eu tinha dúvida – se eu estava doente ou não – se eu fosse para esse lugar, eu ia ficar contaminado com certeza”, relata o radialista.

Angelo reflete: “na verdade, a gente está lutando para ver se a gente é examinado”.

O seu quadro dava sinais de agravamento. “Essa semana tive muita dificuldade, muita crise de ansiedade. Nesta segunda feira, tive um surto de síndrome do pânico. Sentimento de morte é real. É físico. As mãos ficam suadas, o peito aperta, falta a respiração”.

No dia 28 de abril ele e sua família finalmente ele e sua família conseguiram fazer o teste para Covid-19, em domicílio. “E qual foi a surpresa nossa? O meu teste deu negativo para o vírus, todos, inclusive a contraprova. E o da minha esposa deu positivo, mas deu positivo para anticorpos. Como se ela já tivesse passado por todo ciclo e tivesse sido assintomática. Justo ela, que ficou o tempo todo com as crianças, para poder cuidar dela, e eu isolado. No final, ela que tinha, e eu não”. Ele se questiona: “então eu não sei como, depois de tudo que passei com meu sogro, depois de ter passado quase quinze dias, com esposa e filhos contaminados, e eu não me contaminei?”.

Para Angelo, o caso de seu sogro, e o seu mesmo, “é um exemplo ilustrativo da situação da saúde pública e da saúde privada mesmo. Não apenas em Belém, mas em todo estado do Pará. Visto que, se na capital onde existem os maiores recursos, o sistema não dá conta. No interior, a situação é mais dramática”.

“Essa é uma doença que está começando. Todo dia mudam os protocolos. E a gente vive numa incerteza muito grande. Eu só sei que nada sei”, conclui o radialista.

A reportagem enviou perguntas à Secretaria de Saúde do Estado do Pará (SESPA) sobre o atendimento prestado à população, mas a assessoria de imprensa não respondeu até o fechamento desta matéria.

População aguarda a entrega de medicação contra Covid 19 em Policlínica
(Foto de Marcelo Seabra Agência Pará)

 

 

 

Fonte: https://amazoniareal.com.br/pacientes-com-covid-19-de-belem-sao-tratados-em-santarem-diz-medico/

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