Manaus (AM) – O ministro da saúde, general Eduardo Pazuello, frustrou as expectativas de autoridades locais de que a vacinação contra o novo coronavírus no Brasil pudesse começar por Manaus, onde participou nesta segunda-feira (11) do lançamento do Plano Estratégico de Enfrentamento à Covid-19 no Amazonas. O estado é o primeiro do país a vivenciar, pela segunda vez em dez meses, o colapso no sistema de saúde com falta de leitos de UTI e até oxigênio nos hospitais devido à pandemia.
Pazuello afirmou que “todos os estados receberão as doses da vacina ao mesmo tempo”, mas deu datas evasivas sobre o início da pandemia ao dizer que “pode começar a vacinar a população entre 20 de janeiro e 10 de fevereiro, ou no começo de março”.
“Todos os estados receberão simultaneamente as vacinas, no mesmo dia. A vacina vai começar no dia D, na hora H, no Brasil. No primeiro dia que a autorização for feita, a partir do terceiro ou quarto dia estará nos estados e municípios para iniciar a vacinação. A prioridade já está dada, é o Brasil todo. Vamos fazer como exemplo para o mundo. Os grupos prioritários já estão distribuídos”, afirmou o ministro da Saúde, em Manaus.
Durante um discurso de cerca de uma hora, o general Eduardo Pazuello disse que Manaus é uma cidade conservadora “e firme nas suas posições” e reforçou a ideia de tratamento precoce da Covid-19. A referência do ministro à “firmeza” de Manaus é em relação aos 50,3% de votos válidos obtidos pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na eleição de 2018, na capital amazonense. Dos 62 municípios do estado, ele perdeu em 59. Hoje, Bolsonaro conta, pela primeira vez, com o apoio de aliados como o governador Wilson Lima (PSC) e o prefeito da capital David Almeida (Avante).
Ele também recomendou o tratamento da doença com medicamentos sem eficácia comprovada cientificamente. “Ouvi do David [prefeito de Manaus David Almeida] falar aqui sobre tratamento precoce. Senhores, senhoras, não existe outra saída. Avisei ao Wilson [Lima], ontem que hoje eu seria um pouco mais incisivo em algumas palavras”, disse.
“Nós não estamos mais discutindo se esse ou aquele profissional concorda. Os conselhos federais e regionais de saúde já se posicionaram. Os conselhos são a favor do tratamento precoce, do diagnóstico clínico. Eu conversei pessoalmente, por vídeo, com todos eles”, completou o ministro.
O tratamento precoce defendido por Pazuello e pelo prefeito de Manaus é a medicação ivermectina e azitromicina. Ao assumir a gestão do município no dia 1º de janeiro, David Almeida declarou que iria distribuir o “Kit Covid” de graça à população, com complexos vitamínicos e ivermectina como forma de “imunizá-la”, tornando-a mais resistente ao vírus. Não há comprovação científica sobre o uso da ivermectina para combater a Covid-19. O remédio é reconhecido por ser eficaz contra piolhos e o outro é um antibiótico.
No evento com Pazuello, David voltou a defender a distribuição dos medicamentos. “Nós precisamos tratar a doença, na concepção da minha equipe técnica, composta por médicos e cientistas, exatamente aquilo que preconiza o Ministério da Saúde: cuidar no início”, disse o prefeito, assegurando que todas as Unidades Básica de Saúde (UBS) estão abastecidas com 52 medicamentos, dos quais “22 voltados para a Covid-19”, entre eles, a ivermectina.
Após a fala do prefeito, Pazuello destacou que “existem a liberdade e a necessidade do tratamento individualizado” e que “cada paciente e cada médico tem um nível de grau de conhecimento e de cuidado, que podem mudar o medicamento e a prescrição, normal”.
“É obrigação do médico ver dessa forma. Mas o que o tratamento tem que ser é imediato, que os medicamentos têm que ser disponibilizados de imediato, aqueles que o médico prescrever e que o paciente precisa se medicar e ser acompanhado pelos médicos, não existem dúvidas”, disse o ministro general, sem citar, no entanto, os nomes das medicações.
Pazuello também afirmou que os profissionais de saúde devem agir de acordo com os conselhos federais do governo de Jair Bolsonaro. “É nossa responsabilidade fazer com que os conselhos sejam firmes com a classe médica para cumprir com o diagnóstico clínico. O diagnóstico, ele é do médico, não é do exame. Ele não é do teste. Não aceitem isso. O diagnóstico é do profissional médico. O tratamento é do profissional médico. E a orientação é precoce. E essa orientação é de todos os conselhos de medicina”, acrescentou. “A medicação, ela pode e deve começar antes desses exames complementares. Caso o exame, lá na frente, por alguma razão dê negativo, reduz a medicação e tá [sic] ótimo. Não vai matar ninguém, mas salvará no caso da Covid”.
O uso da cloroquina e da ivermectina não é recomendado e é até desaconselhado pela Associação Brasileira de Infectologia (ABI), mesmo assim, os remédios são amplamente receitados por médicos no Amazonas a pacientes com Covid-19. Em julho de 2020, uma comitiva do governo Bolsonaro levou mais de 60 mil comprimidos de cloroquina para indígenas de Roraima, entre eles, os Yanomami, em ato muito criticado por lideranças indígenas.
Em dezembro passado, o médico Euler Ribeiro, reitor da Fundação Universidade Aberta da Terceira Idade do Amazonas (FUnATI/AM), causou polêmica ao recomendar o uso preventivo da medicação durante um dos jornais de maior audiência da Rede Amazônica, afiliada da Rede Globo, no Amazonas. Até o momento, a emissora não se retratou e nem corrigiu a informação dada pelo profissional médico.
Sindicato concorda com ministro
Procurado para comentar o tratamento precoce citado pelo ministro da Saúde, o presidente do Sindicato dos Médicos do Amazonas (Simeam), Mário Vianna, disse concordar com a medida e que ela pode ajudar o Amazonas a minimizar o caos que está a saúde do estado. “A proposta de tratamento precoce é do Sindicato dos Médicos. Conheço diversas pessoas, e tenho também casos na família, que tiveram essa doença, e tiveram êxito no tratamento”, garante o médico.
“O Ministério da Saúde trabalha baseado na recomendação de mais de 150 trabalhos científicos sobre o sucesso desses tratamentos”, acrescenta Viana. Com veemência, Vianna defende que a associação de ivermectina, cloroquina, antibióticos e corticóides pode sim ajudar a salvar vidas no Amazonas. “Acredito muito que esses protocolos podem ajudar a mudar esse cenário de guerra, esse cenário dantesco, que o estado está vivendo”, disse Viana.
O Amazonas tem 216.112 casos confirmados de coronavírus e taxas de ocupação de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e clínicos que chegam a 100% na rede privada de saúde e quase 94% na pública. Por toda Manaus, pacientes que procuram ajuda em UBSs, hospitais da rede estadual e da rede privada, têm dificuldade no atendimento e a internação é praticamente impossível.
O reflexo mais cruel dessa situação caótica é o crescente número de enterros, que alcançou o maior número desde o início da pandemia, em março, até este domingo (10 de janeiro), com 5.756 mortes.
No domingo (9), segundo a Prefeitura de Manaus, foram registrados 62 sepultamentos por Covid-19 na capital.
Durante o lançamento do Plano Estratégico de Enfrentamento à Covid-19, o general Eduardo Pazuello não fez menção aos mortos no Amazonas e as 362 pessoas doentes que estão na fila de espera por um leito nos hospitais de Manaus. “A nossa saúde em Manaus já começa com 75% de ocupação [de leitos nos hospitais], qual é a novidade?”, disse Pazuello durante o seu discurso. Veja aqui.
FAB vai transportar oxigênio
Neste domingo (10), o próprio governador Wilson Lima usou as redes sociais para expor o risco de desabastecimento de oxigênio que corre o Amazonas. O transporte está sendo feito por aviões da Força Aérea Brasileira (FAB)”, diz nota divulgado pelo governo.
O volume de oxigênio contratado pelo Amazonas durante a pandemia subiu 382,9%, saltando de 176 mil para 850 mil metros cúbicos por mês, segundo a Secretaria de Saúde do Amazonas (SES-AM). Entre sexta e domingo, foram trazidos 350 cilindros de oxigênio de Belém (PA).
Em comunicado nas redes sociais, Lima disse que as empresas que fornecem oxigênio para o estado informaram que não têm mais condições de fornecer oxigênio na quantidade que o estado está precisando. “Estamos entrando em uma situação dramática. Se nada for feito, ficaremos sem o produto nos próximos dias”, disse em vídeo divulgado no seu perfil e no do governo. No mesmo vídeo, ele disse que já estava em curso uma operação de emergência para trazer cilindros de oxigênio de outros estados, como Pará e São Paulo”.
Na primeira onda da pandemia, em abril, também faltou oxigênio nos hospitais de Manaus e nas ambulâncias do Samu, que socorriam pacientes em casa e ficavam paradas nas portas dos principais hospitais da cidade aguardando vaga em algum leito.
Situação parecida aconteceu na cidade de São Gabriel da Cachoeira, no Hospital de Guarnição do Exército, quando um paciente que estava em tratamento no local pediu ajuda nas redes sociais para não morrer sem o produto. A atitude causou a reação do Ministério Público Federal, que obrigou o Estado a providenciar de maneira emergencial o reabastecimento do município.
No evento desta segunda-feira, o general Eduardo Pazuello admitiu que Manaus vive uma crise na saúde, com falta de oxigênio, para a abertura de UTIs e contratação de pessoal.
A Secretaria de Estado de Saúde (SES-AM) informou à reportagem por meio de nota, que o abastecimento de oxigênio líquido das unidades de Saúde do Estado é fornecido por meio da empresa White Martins, com quem o Governo do Amazonas mantém contrato para a prestação do serviço. “Após sinalização da empresa quanto a dificuldade no fornecimento do item, em virtude do aumento do consumo por conta do número de internações nas unidades do Estado, o Governo do Amazonas, por meio da Defesa Civil do Amazonas, criou uma força tarefa, com apoio das Forças Armadas, para antecipar o transporte de cargas de oxigênio da empresa White Martins, programadas para abastecer o Estado.
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