Por Cícero Pedrosa Neto

O processo que analisa os assassinatos de Bruno Pereira e Dom Phillips, voltou à fase de instrução para ouvir novas testemunhas de defesa e informantes, após defesa alegar nulidade. Advogado contratado pela família de Dom, vê o movimento como “normal”. Em decisão unânime, na tarde da última terça-feira (16), o Tribunal Regional Federal (TRF1), decidiu acatar o pedido da defesa dos réus, que alegava indeferimento de testemunhas pelo juiz Fabiano Verli (Fotos: Daniel Marenco/O Globo e reprodução Twitter)


Belém (PA) – O advogado Rafael Fagundes, contratado pela família do jornalista inglês Dom Phillips para atuar na assistência de acusação junto ao Ministério Público Federal (MPF), encarou com tranquilidade a anulação de parte do processo que julga os crimes hediondos cometidos contra Dom e o indigenista Bruno Pereira, mortos em uma emboscada em junho do ano passado, no rio Itacoaí, nos limites da Terra Indígena Vale do Javari, localizada no estado do Amazonas, na tríplice fronteira do Brasil com o Peru e Colômbia. Em entrevista à Amazônia Real, o advogado classificou o movimento da defesa como um “quebra-molas”, um obstáculo pequeno, que não traz “nenhuma grande consequência a longo prazo ao processo”. 

“A defesa tem todo o direito de reunir suas provas e o tribunal decidiu que os testemunhos dos pescadores eram importantes. Mas não considerou o mesmo para Sérgio Moro e Bolsonaro, coisa que não tinha nenhum cabimento”, pontuou Fagundes, frisando que as testemunhas de acusação não precisarão ser ouvidas novamente e que não há mais testemunhas de acusação pendentes de depoimento nesta fase do processo.

A 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) decidiu anular os depoimentos de Amarildo da Costa Oliveira, o “Pelado”; Jefferson da Silva, o “Pelado da Dinha” e Oseney da Costa Oliveira, o “Dos Santos”, réus por  duplo-homicídio qualificado, ocultação de cadáver e associação criminosa para pesca ilegal no Vale do Javari. A decisão foi proferida no final da tarde da última terça-feira (16), durante o julgamento de um “habeas corpus” (HC) apresentado pelos advogados dos réus, que reclamavam a escuta de outras testemunhas de defesa arroladas no processo, mas que teriam sido indeferidas pelo juiz Fabiano Verli, da Vara Única da Subseção Judiciária de Tabatinga (AM), implicando em nulidade processual. Os réus serão mais uma vez interrogados, após a oitiva das novas testemunhas e informantes. 

O pedido da defesa consiste na escuta de ribeirinhos e familiares dos réus, que vivem na região onde os crimes aconteceram. Além deles, os advogados solicitaram os depoimentos do ex-presidente da República Jair Messias Bolsonaro; o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, o ex-presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Marcelo Augusto Xavier da Silva; e o ex-presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Eduardo Fortunato, os quais continuarão fora do processo, seguindo o entendimento inicial do juiz, que foi acatado pelo Colegiado. De acordo com os juízes, os agentes públicos em questão não possuem qualquer relação com o caso.

No entanto, a anulação dos depoimentos, apenas trouxe de volta o caso à fase de instrução, não implicando na liberdade dos réus ou em novas oitivas das testemunhas de acusação, cujos depoimentos já foram dados à justiça entre os meses de maio e junho. “Pelado” e ‘Pelado da Dinha” são réus confessos, assumindo terem assassinado Bruno e Dom, esquartejado e queimado os corpos, escondendo-os na floresta que margeia o rio Itacoaí. 

Ambos, porém, nos depoimentos que deram no dia 8 deste mês, afirmaram que “Dos Santos”, irmão de “Pelado”, não teria participação nos crimes. Eles também disseram ter agido “em legítima defesa”, versão que frontalmente contraria tanto os depoimentos iniciais dados pelos réus à Polícia Federal, quanto às provas periciais reunidas pelo MPF.

“A versão apresentada pelos réus durante os interrogatórios não é compatível com as provas técnicas da perícia […] destacamos que há investigações ainda em curso tramitando sob sigilo para identificar possíveis mandantes do crime”, afirmou o MPF um dia após o fim das oitivas os réus.

À reportagem, Américo Leal, um dos  advogados que atuam na defesa dos réus, informou que cerca de vinte pessoas deverão ser ouvidas na nova fase de instrução do caso. Insistindo nos testemunhos de Moro e Bolsonaro, o advogado alegou que “essas pessoas foram alijadas pelo juiz”. “Parece que o juiz não quis ter trabalho e indeferiu o depoimento delas”, acusou Leal.

Vale Lembrar que no início de 2023, a Polícia Federal acusou formalmente Ruben da Silva Villar, mais conhecido como “Colômbia”, de ser o mandante dos crimes. “Colômbia”, que foi preso pela primeira vez após apresentar documentos falsos à PF, chegou a obter liberdade condicional, mas voltou à prisão após descumprir as medidas cautelares da justiça das quais dependiam sua liberdade. Ele, porém, não faz parte do processo que demandou as audiências de instrução que começaram no dia 20 de março e terminaram no dia 8 deste mês. Segundo os advogados que atuam no caso, ele também não será ouvido nesta nova fase de instrução do caso. A confirmação da participação de “Colômbia” nos crimes foi dada pelo delegado da PF, Eduardo Fontes, em coletiva de imprensa realizada no dia 23 de janeiro deste ano, em Manaus. 

Até agora, 12 pessoas foram denunciadas pelo MPF pelos crimes de duplo homicídio qualificado, ocultação de cadáver e associação criminosa para a pesca ilegal. Amarildo, Oseney e Jeffereson, pelos assassinatos de Bruno e Dom; por associação criminosa, Otávio da Costa de Oliveira (“Caboco”), Eliclei Costa de Oliveira (o “Sirinha”), Manoel Raimundo Corrêa (o “Deo”), Francisco Lima Correia (o “Chico Tude”), Paulo Ribeiro dos Santos, Amarílio de Freitas Oliveira (filho de “Pelado”) e Jânio Freitas de Souza. Destes, apenas Amarílio e Jânio seguem presos. Os demais, por decisão do juiz Verli, estão em liberdade provisória com imposição de medidas cautelares.

Amazônia Real procurou o Ministério Público Federal para saber a posição do órgão diante da decisão da 4ª Turma do TRF1, mas não houve resposta.

Defesa alega suspeição do juiz

  • Comunidade São Rafael, Atalaia do Norte, na região do Vale do Javari, Amazonas (Foto: Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real)
  • Colômbia_Vale do JavariRubens Villar Coelho, o “Colômbia” (Foto: Divulgação/Redes sociais)
  • Jânio Freitas de Souza, acusado por associação criminosa (Foto: Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real)
  • Manoel Vitor Sabino da Costa, o “Churrasco”, acusado de associação criminosa (Foto: Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real)
  • Comunidade São Rafael, última parada de Bruno Pereira e Dom Phillips, antes de sofrerem a emboscada que os vitimou. (Foto: Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real)
  • Rio Itacoaí, Vale do Javari, Amazonas. (Foto: Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real)
  • Rio Itacoaí, Vale do Javari, Amazonas. (Foto: Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real)
  • Indígena da Equipe de Vigilância da Univaja (EVU), no Rio Itacoaí (Foto: Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real)
  • Rio Itacoaí no Vale do Javari (Foto: Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real)

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Amazônia Real, em reportagem publicada antes da decisão do Colegiado do TRF1, já havia reportado que a defesa alegava “nulidade processual”, justamente pelos motivos já relatados e que foram acatados pela justiça, considerando o direito à ampla defesa dos réus. A afirmação foi feita à reportagem dias antes por Américo Leal, advogado paraense conhecido por atuar na defesa de acusados por crimes hediondos na Amazônia, como no caso dos emasculados de Altamira e no assassinato da missionária Dorothy Stang, em Anapu – ambos ocorridos no Pará. 

Dessa vez, Leal afirmou à reportagem que a defesa alega suspeição do juiz Fabiano Verli, sustentando a imparcialidade do magistrado. “Quando o juiz quer prejudicar uma das partes, cabe a esta parte que se sente prejudicada arguir a suspeição dele. E, nesta arguição, tem que expor os fatos pelos quais alega a suspeição do juiz. Nós já fizemos isso verbalmente, agora vamos colocar no papel”, adiantou o advogado. Neste caso, caberá ao juiz Verli acatar a acusação e redistribuir o processo ou defender sua permanência, decisão que, mais uma vez, caberá ao Colegiado do TRF1.

A reportagem não conseguiu contatar o juiz Fabiano Verli.

Fonte: https://amazoniareal.com.br/decisao-do-trf1-e-normal/

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