Boa Vista (RR) – Liderança indígena, profissional dedicado, pai querido, mas, acima de tudo, um pioneiro na luta pelo amplo acesso à Educação. É assim que o professor Fausto da Silva Mandulão, da etnia Macuxi, será lembrado. Vítima do novo coronavírus, ele morreu no início de junho em razão de complicações provocadas pela Covid-19. Foi mais um entre os seis docentes indígenas mortos pela doença no estado, segundo a Organização dos Professores Indígenas de Roraima (Opirr), que vê com apreensão o crescente número de casos entre os profissionais.
“Comunidade, uma notícia muito triste para nós. O meu cunhado Fausto faleceu”, anunciou uma voz trêmula em um áudio compartilhado via WhatsApp no dia 3 de junho. A mensagem era dirigida à comunidade Tabalascada, no interior de Roraima, onde o professor vivia, mas acabou se espalhando nas redes sociais, porque o professor era muito conhecido. Tinha 58 anos, 41 dedicados à Educação Indígena. Deixou a mulher, também professora, cinco filhos e 11 netos.
“Meu pai sempre buscava o reconhecimento e a valorização da educação indígena. Ele queria que todo mundo tivesse acesso a uma educação de qualidade. Esse era o maior sonho dele”, afirma por telefone à Amazônia Real a dentista Juliana Mandulão, filha da liderança. “Ele queria que todos os indígenas tivessem a oportunidade de estudar, com reconhecimento e respeito à cultura, e transmitiu isso na nossa criação, sempre nos estimulando e ajudando. Hoje eu tenho uma irmã médica, outra nutricionista, um analista de sistemas e um agrônomo”, complementa.
Segundo Juliana Mandulão, o pai, que era diabético, permaneceu desde o início da pandemia confinado na comunidade. Mas recebia amigos e familiares em casa e acabou contraindo o vírus. Passou 24 dias internado no Hospital Geral de Roraima e foi enterrado no Cemitério Campo da Saudade, ambos em Boa Vista.
“Na comunidade, tudo é coletivo, e a casa do meu pai estava sempre aberta. Ele gostava muito de sinuca, de pescar, de ir para a roça”, disse Juliana. “Ele fez o que Deus permitiu que fizesse e, diante da realidade da doença, ele estava com um quadro muito agravado. Foi uma luta muito difícil, muito dolorosa e o sofrimento dele era nosso também”, comenta.
O Conselho Indígena de Roraima (CIR) homenageou Fausto Mandulão. A organização relembrou a trajetória do líder, que foi estudante da escola do Surumu, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, entre os anos de 1970 e 1980, e tinha apenas 17 anos quando começou a lutar em prol da educação. Em 2005, ele ingressou na graduação de Licenciatura Intercultural com habilitação em Ciências Sociais no Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena da Universidade Federal de Roraima (UFRR).
Também segundo o CIR, como liderança indígena e professor, Fausto Mandulão colaborou para a criação do Núcleo de Educação Indígena da Secretaria de Educação de Roraima, foi um dos fundadores da Opirr, representou a Comissão de Professores Indígenas do Amazonas (Copiam) e também atuou como conselheiro da educação.
Atualmente, ele era orientador educacional da escola estadual indígena Professor Ednilson Lima Cavalcante, na comunidade Tabalascada, que fica na Terra Indígena Tabalascada, no município do Cantá, onde moram 810 indígenas das etnias Wapichana e Macuxi.
“Falar de Fausto Mandulão é falar de um ícone da educação escolar indígena, de luta, de dedicação. Um grande profissional. Dedicou a vida dele à educação indígena, participando de várias frentes”, disse Gleide de Almeida, chefe da Divisão de Ensino Indígena da Secretaria Estadual de Educação de Roraima (SEED)
Professores indígenas vítimas da Covid-19

De acordo a atual coordenadora da Opirr, professora Edith da Silva Andrade, da etnia Macuxi, a morte do professor Mandulão, que estava afastado do trabalho em razão da pandemia, é um alerta para o crescente número de casos da doença entre os profissionais da Educação Indígena.
Além dele, segundo ela, outros cinco docentes indígenas morreram vítimas da doença no estado – dois também afastados das atividades. Mas vários outros têm relatado sintomas e casos suspeitos de covid-19 em pelo menos oito comunidades indígenas do estado. A própria coordenadora também disse que se contaminou.
“Nós estamos bastante preocupados e orientando aos professores que fiquem nas suas comunidades, não saiam de casa e se mantenham atentos aos sintomas da doença”, afirmou Edith, da Opirr. “Eu mesma me infectei, mas tive sintomas leves. Por isso, estou me cuidando e alertando a todos para ficarem atentos. A doença é grave”.
Desde abril, as escolas estaduais de Roraima adotam o ensino não-presencial. No caso das escolas indígenas, a metodologia consiste na distribuição de apostas didáticas a cada 15 dias, mas segundo Edith Andrade, algumas escolas como na região dos índios Waiwai, no Sul do Estado, e na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, ao Norte, não possuem nem máquinas de xérox para a confecção do material.
“São problemas que a Secretaria de Educação ainda não resolveu, mas estamos cobrando”, afirmou Edith acrescentando que são 1,7 mil professores indígenas seletivados e 400 concursados, a maioria recebendo salários que vão de R$ 1,8 mil a, no máximo, R$ 4 mil.
Até o dia 8 de junho, a Secretaria Especial de Saúde Indígena, do Ministério da Saúde, informou que foram 86 casos e seis mortes registrados pelo Distrito Especial Sanitário Indígena (Dsei Leste), que atende os povos Macuxi, Wapichana, Taurepang e Ingarikó. A população abrangida pelo Dsei-Leste é de 51.797 pessoas que vivem em 342 aldeias.
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