Cuiabá (MT) – A Polícia Civil do Mato Grosso ainda não tem pistas sobre os suspeitos do assassinato do líder indígena da etnia Kanela do Araguaia, Elizeu Santos Cardoso, que foi encontrado morto com marcas de faca na manhã do dia 3 de fevereiro. O corpo estava em um terreno próximo ao ginásio de esportes do município de Confresa, a 1.167 quilômetros de Cuiabá, no Mato Grosso. Câmeras de segurança flagraram o momento em que um homem desceu de um veículo e deu golpes no pescoço da liderança. Mais dois homens foram vistos na área do crime. 

Elizeu Cardoso, de 44 anos, vivia na aldeia Nova Pukanu. Segundo os familiares, ele era deficiente auditivo. Um dia antes de sua morte, em 2 de fevereiro, foi até Confresa para visitar uma tia, que mora no município. Ele aguardava iniciar um novo trabalho em uma fazenda próxima da cidade. A família suspeita de crime premeditado por causa dos conflitos da não demarcação das terras, mas a Polícia Civil discorda. O delegado Matheus Soares, que dirige as investigações, afirmou  que em casos de homicídio é comum que familiares criem diversas versões sobre o ocorrido. 

“Questão de homicídio é assim mesmo. Toda hora aparece uma teoria nova, principalmente da família, que fica naquele disse-me-disse. Acha uma coisa, outra hora acha outra e a gente tem que filtrar bastante o que é verdade e o que não é”, afirmou Soares. 

Segundo Cláudio Kanela, secretário da Associação da Comunidade Indígena Kanela do Araguaia (Acikan), os registros de ameaça são comuns na região e o clima de animosidade com o povo Kanela aumentou nos últimos anos. Ele contou que, no dia do crime, Elizeu estava vestido com uma camisa com desenhos indígenas e com o nome da aldeia Nova Pukanu. 

Cláudio também afirma que parentes foram até o bar onde ocorreu uma confusão e que o segurança do local afirmou que Elizeu não participou da briga. Estas informações levam a comunidade a suspeitar que o crime tenha sido premeditado. 

“O Elizeu nunca foi ameaçado diretamente, mas o povo Kanela sim e ele estava com a camisa dos Kanela e com o nome da aldeia”, afirmou Cláudio. 

A morte do líder ocorreu 15 dias depois da agência Amazônia Real publicar reportagem na qual o povo Kanela denunciou invasão da aldeia Porto Velho, em Luciara (a 1.061 km de Cuiabá). 

Há anos o povo Kanela convive com invasores, mas a situação se radicalizou a partir de novembro do ano passado, quando o número de pessoas armadas e as ameaças aumentaram principalmente na aldeia Porto Alegre do Norte. Segundo Cláudio, a maioria dos invasores da área reivindicada são de Confresa, onde atuam como comerciantes. 

Elizeu Cardoso era conhecido como uma das lideranças mais ativas da comunidade indígena. Nas redes sociais, o povo Kanela do Araguaia se despediu chamando-o de “guerreiro”. Ele sempre acompanhava ações de desintrusão (retirada) e de tentativas de diálogo com grileiros que ocupam o território reivindicado. 

“Nós não sabemos quais foram as razões do homicídio. O que sabemos é que ele era muito ativo na comunidade, sempre estava junto e sempre lutou conosco”, contou Cláudio Kanela. “Por enquanto, nós não temos ainda informação, mas não descartamos que o assassinato pode ter ocorrido como uma represália ao povo Kanela”, completou. 

O que diz a polícia

Elizeu Santos Cardoso, do povo Kanela do Araguaia, aldeia Nova Pukanu, município de Luciara (MT ) que foi assassinado
(Foto: @kanela_araguaia)

A investigação sobre a morte de Elizeu Cardoso é comandada pelo delegado Mateus Soares. Os policiais foram acionados na manhã de quinta-feira (3) para apurar o caso. Imagens da câmera de segurança analisadas pelos policiais indicam que o assassino estava em um carro quando atacou o líder indígena. Outras duas pessoas participaram do crime. 

O delegado acredita  que a morte não ocorreu por questões que envolvem conflitos de terra. Apesar da preocupação e das suspeitas dos familiares, Soares argumenta que o homicídio foi “casual” 

“Na nossa investigação não tem nada a ver com isso [disputa de território], foi um homicídio casual, foi uma briga em um bar”, afirmou. “Tudo começou no bar e a partir dali os envolvidos foram e executaram ele. Por tudo que eu tenho até agora, não apareceu nada relacionado a isso”.

Família pede investigação

Reprodução das redes sociais da família

Merlane Cardoso, sobrinha de Elizeu, diz que o povo Kanela vive diversas represálias e ameaças na região do Araguaia em Mato Grosso. É comum, segundo ela, que indígenas encontrem pessoas armadas no território e escutem ameaças de todo tipo. 

A sobrinha da vítima reclama que Elizeu foi considerado “andarilho” quando o Boletim de Ocorrência foi registrado. Merlane também estranha que Elizeu tenha sido assassinado de madrugada, às 3h, mas o corpo só foi encontrado pela manhã, às 8h. 

“O que nos falaram é que ele entrou no meio de uma briga no bar que não tinha ligação com ele, mas o que é curioso para a gente é porque só ele foi vitimado. Se a briga não era dele, por que correram atrás dele e o assassinaram? Isso é o que deixa a gente muito intrigado e gostaríamos de ter um respaldo das investigações”, disse Merlane Cardoso. 


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Reportagem Noticiosa Sobre a matéria

Lázaro Thor

 Lázaro Thor Borges

Lázaro Thor Borges é jornalista formado pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Trabalha como repórter investigativo em Cuiabá (MT). Possui contribuições para a Folha de São Paulo, Revista Piauí, The Intercept e outros veículos. Escreve sobre questões socioambientais na Amazônia Legal e no Cerrado.

Fonte: https://amazoniareal.com.br/povo-kanela-suspeita-de-crime-premeditado-para-morte-de-lider-delegado-afirma-que-e-disse-me-disse/

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