Por Renato Athias


Nestas semanas, tenho acompanhado de perto a situação dos povos indígenas no Brasil com relação ao enfrentamento à Covid-1; não está fácil. É uma situação por demais desafiadora, porque é muito nova para todos nós, e a região do Rio Negro merece uma atenção privilegiada por ser uma região multiétnica, com grande movimentação de pessoas subindo e descendo os rios para o único centro urbano e sede municipal, que é São Gabriel da Cachoeira. São imensas fronteiras para controlar.

Nestes dias, a Associação Saúde Sem Limites (SSL), da qual faço parte, realizou vídeos-conferências com representantes da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) e outras instituições presentes nas ações em São Gabriel da Cachoeira justamente para buscar saber quais seriam as demandas mais urgentes, para articular apoiadores. Pois, todos nós, estamos realmente preocupados.

Os dados estatísticos, vocês podem achar nos boletins oficiais. Marivelton Baré, presidente da Foirn, lança todos os dias um boletim onde ele consolida os dados para uma ampla divulgação nas redes sociais. E, a notícia principal é que, desde quinta-feira passada, que a estrutura médica de São Gabriel da Cachoeira não suportará responder positivamente se começar aumentar a contaminação, da forma como estão subindo os casos de Covid-19 confirmados na sede do município.

Até o presente momento, os representantes indígenas fizeram um bom trabalho, articulando com as instituições federais para que nessa região do Rio Negro, a sociedade civil tivesse o apoio formal e oficial para garantir as barreiras sanitárias necessárias. Nesse sentido, as demandas dos povos indígenas foram todas atendidas pelo Ministério Público Federal, que legitima uma ampla adesão das instituições municipais oficiais às barreiras sanitárias, pois, inclusive, os grandes focos de aglomeração, em São Gabriel da Cachoeira são, de fato, as instituições bancárias, a qual nós tememos, pois estes focos são importante lugares de contaminação.

Até agora, não sabemos exatamente o que Exército Brasileiro está fazendo. Certamente está com um pé atrás, como grande parte do Governo de Jair Bolsonaro, que não acredita que o isolamento físico seja, de fato, a medida correta, como uma das estratégias importantes para o combate à Covid-19.

O contingente militar é, na realidade, um dos focos importantes e não temos informações concretas sobre o que está sendo feito com relação à tropa estacionada naquele município. Na região, o discurso geral é de apoiar as iniciativas da população mas, na prática, não se consegue visualizar exatamente onde está sendo esse apoio, nem com a tropa e, nem com relação aos Pelotões de Fronteiras existentes em toda a área. Na realidade, na semana passada o Exército apoiou a solicitação da Foirn de fechar as entradas e saída na Ilha das Flores (Rio Negro) e no Rio Curicuriary. E, essa ação, acredito, foi muito bom para todos.

Porém, boletim publicado por Marivelton, Presidente da Foirn, nas redes sociais, no último dia 18 de maio, informava o seguinte: “só na cidade de São Gabriel da Cachoeira existem 366 casos confirmados; 12 óbitos confirmados; 511 em monitoramento; 30 recuperados; 16 internados (11 em São Gabriel da Cachoeira e 5 transferidos para Manaus). São Gabriel da Cachoeira vem sendo fortemente atingida pela Covid-19. Em 26 de abril foram confirmados os dois primeiros casos. E hoje já são 366 casos. O Lockdown foi prorrogado”.

As equipes do Distrito Sanitário Especial Indígena do Rio Negro (DSEI) estão, na realidade, limitadas ao entorno de São Gabriel da Cachoeira, uma vez que não estão viajando para as áreas indígenas. Se caso subirem para visitas aos povoados, estas deveriam ser testadas antes da viagem.

E, aí vem outra questão: não sabemos exatamente a quantidade de testes que existem no DSEI Rio Negro para toda a região. Segundo as informações recentemente recebidas, havia apenas 150 testes e o DSEI estaria recebendo nesses dias mais 70 testes, o que achamos realmente muito pouco para o enfrentamento da situação atual.

Talvez realmente um trabalho importante é fazer com que o transporte fluvial para as aldeias, tanto para o Alto Rio Negro e Uaupés e o Baixo Rio Negro, possa ser de fato interrompido, como os representantes indígenas têm solicitado. Até o presente momento, as estratégias tomadas pelo Comitê de Enfrentamento estão bem pensadas. As demandas urgentes são todas para manter uma estrutura precária no único hospital existente em São Gabriel da Cachoeira mais ou menos nessa ordem: oxigênio, respiradores hospitalares, testes da Covid-19, recursos humanos para trabalho, radiofonias para pronta instalação nas áreas remotas, apoio para as ações de informação. A iniciativa da Foirn de captar recurso colocada na internet tem sido um lugar importante para receber doações de particulares. Visitem e apoiem essa iniciativa da Foirn.

Mas, eu gostaria de colocar a seguinte questão: quais as lições que a Nova Zelândia tem a ensinar para a região do Rio Negro? Um país multiétnico, uma ilha de 268.000 quilômetros quadrados; portanto, com dificuldades imensas de controlar as fronteiras, com uma população ao redor de 5 milhões de pessoas. Pois bem, desde a entrada da Covid-19 na Nova Zelândia, em fevereiro passado, os dados oficiais de hoje nos informam que o total de casos de contaminação foi de 1.503 pessoas, com um total de mortes de 21 pessoas apenas; e os casos recuperados foram de 1.442. Hoje não existe, pasmem, nenhum caso ativo da Covid-19 no país.

Esses dados nos fazem pensar em quais prioridades devemos rever em nossas listas para conter a contaminação de pessoas na região do Rio Negro. O que o governo de Nova Zelândia fez para obter esse sucesso?

Pelo que eu entendi, naquele país, a epidemia não foi “politizada” pelos governantes, partidos ou setores da sociedade. Todos unidos contra o mesmo objetivo. Aconteceu investimento maciço em campanhas educativas e formativas, em todos os níveis, em todas as línguas, e em todos os setores da sociedade.

Então, vendo esse caso específico, aposto que as demandas de ajuda financeira para a região do Rio Negro deveriam reforçar o que os povos indígenas já começaram a fazer e que precisa de apoio para que essa campanha possa ser cada vez mais interiorizada para todos os povoados, aldeias e sítios.

Portanto, a lista de prioridades deveria ser invertida. Os recursos arrecadados deveriam ser investidos em: 1) Ampliar as campanhas de educação, formação e sensibilização sobre a epidemia com medidas para conter o contágio em todas as principais línguas, e usando todos os veículos de comunicação disponível; 2) Apostar em fechar todas as fronteiras como com um controle rígido da movimentação de pessoas; 3) Ampliar os recursos para as radiofonias e a cobertura de WI-FI (via satélite) nas principais áreas do município de maior concentração; 4) Material hospitalar necessário para atendimento. Essa é a lição da Nova Zelândia.

A imagem que ilustra este artigo mostra o sepultamento do indígena Felisberto Cordeiro, vítima da Covid-19 em São Gabriel da Cachoeira (Foto: Paulo Desana/Dabakuri/Amazônia Real/09/05/2020)

Renato Athias é doutor em Antropologia do Departamento de Antropologia e Museologia, Professor do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

 

 

Fonte: https://amazoniareal.com.br/quais-as-licoes-nova-zelandia-sobre-o-combate-contra-a-covid-19-para-a-regiao-do-rio-negro/

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