Philip M. Fearnside, Lucas Ferrante, Aurora M. Yanai e Marcos Antonio Isaac Júnior
Outra ameaça à região Trans-Purus é o grande projeto de petróleo e gás “Bacia Sedimentar do Solimões”, que prevê uma rede de poços espalhados em uma vasta área abrangendo aproximadamente um terço do Estado do Amazonas (Figura 11) [1]. Mesmo que a construção de estradas não faça parte do plano anunciado [2-5], por razões econômicas as empresas petrolíferas poderão pressionar o governo para aumentar o acesso terrestre nessa área. Estradas para esse fim provavelmente ramificariam da planejada rodovia AM-366, assim conectando a área dos poços à BR-319 e ao terminal de gás existente em Coari [6-8].

O sistema de licenciamento ambiental do Brasil está sendo rapidamente desmantelado por meio de mudanças administrativas e a aceleração de leis e emendas constitucionais que removeriam quaisquer impedimentos à BR-319 e outras rodovias, incluindo impedimentos por terras indígenas [9, 10]. Essas vias de acesso (ou infraestruturas) facilitariam a abertura do vasto bloco florestal no oeste do Amazonas. A área a ser aberta pela AM-366 e estradas associadas é extremamente vulnerável, pois grande parte é terra pública sem destinação (“terras devolutas”) que são mais atraentes para invasão por sem-terras e grileiros [11].
Este bloco de floresta é o que atualmente segura a situação ambiental no país, pois esta é a área da qual os serviços ambientais da Amazônia mais dependem. Esses serviços incluem a manutenção da biodiversidade, o armazenamento de carbono que evita o aquecimento global e a ciclagem d’água que fornece chuvas não só para a Amazônia, mas também para São Paulo e outras partes das regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste do País.
NOTAS
[1] Fearnside, P.M. 2020. Os riscos do projeto de gás e petróleo “Área Sedimentar do Solimões”. Amazônia Real, 12 de março de 2020.
[2] Consórcio PIATAM/COPPETEC & EPE. 2019. Estudo Ambiental de Área Sedimentar na Bacia Terrestre do Solimões: EAAS Preliminar Relatório Técnico destinado à Consulta Pública. Consórcio PIATAM/COPPETEC, Manaus, AM & Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Rio de Janeiro, RJ. 497 p.
[3] EPE (Empresa de Pesquisa Energética). 2020. Estudo ambiental estratégico de petróleo e gás natural como ferramenta de mitigação de conflitos na Amazônia. Mongabay, 09 de abril de 2020.
[4] Vieira, H. 2020. Hermani Vieira disse. Amazônia Real, 04 de abril de 2020.
[5] Vieira, H. 2020. Hermani Vieira disse. Amazônia Real, 07 de abril de 2020.
[6] Fearnside, P.M. 2020. Petróleo e gás no Solimões: Resposta a Hermani Vieira da EPE. Amazônia Real, 04 de abril de 2020.
[7] Fearnside, P.M. 2020. Resposta à tréplica da EPE sobre petróleo e gás. Amazônia Real, 15 de abril de 2020.
[8] Fearnside, P.M. 2020. O perigo dos planos do Brasil para gás e petróleo na Amazônia: Resposta à EPE. Mongabay, 09 de abril de 2020.
[9] Fearnside, P.M. 2019. Desmonte da legislação ambiental brasileira. p. 317-381. In: J.S. Weiss (ed.) Movimentos Socioambientais: Lutas – Avanços – Conquistas – Retrocessos – Esperanças. Xapuri Socioambiental, Formosa, Goiás. 442 pp.
[10] Ferrante, L. & P.M. Fearnside. 2019. O novo presidente do Brasil e “ruralistas” ameaçam o meio ambiente, povos tradicionais da Amazônia e o clima global. Amazônia Real, 30 de julho de 2019.
[11] Fearnside, P.M. & P.M.L.A. Graça. 2009. BR-319: A rodovia Manaus-Porto Velho e o impacto potencial de conectar o arco de desmatamento à Amazônia central. Novos Cadernos NAEA 12(1): 19-50.
A foto que abre este artigo mostra sonda-terra do gasoduto Coari-Manaus em Urucu (AM). (Foto: Divulgação Petrobras-2005)
Leia os outros artigos da série:
Região Trans-Purus, a última floresta intacta: 1 – Por que é importante?
Região Trans-Purus, a última floresta intacta: 2 – A ameaça do Ramal de Tapauá
Região Trans-Purus, a última floresta intacta: 3 – A ameaça da rodovia AM-366
Região Trans-Purus, a última floresta intacta: 4 – A ameaça da rodovia BR-230
Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 600 publicações científicas e mais de 500 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis aqui.
Lucas Ferrante é doutorando em Biologia (Ecologia) no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Tem pesquisado agentes do desmatamento, buscando políticas públicas para mitigar conflitos de terra gerados pelo desmatamento, invasão de áreas protegidas e comunidades tradicionais, principalmente sobre Terras indígenas e Unidades de Conservação na Amazônia (lucasferrante@hotmail.com).
Aurora Miho Yanai é pós-doutoranda no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) trabalhando com modelagem de desmatamento na região Trans-Purus. Ela tem mestrado e doutorado pelo Inpa em ciências de florestas tropicais e tem experiência na análise e modelagem de desmatamento no sul do Amazonas.
Marcos Antonio Isaac Júnior é pós-doutorando no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) trabalhando com modelagem de desmatamento na região Trans-Purus. Ele tem mestrado e doutorado em engenharia florestal pela Universidade Federal de Lavras e tem experiência em modelagem e redes neurais.
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