Lucas Ferrante e Philip Martin Fearnside
Em 26 de fevereiro foi publicada na prestigiosa revista Science a versão em Inglês do seguinte texto sobre as implicações da chegada ao poder do Centrão nas duas casas do Congresso Nacional (disponível aqui ). Leia a seguir a versão em português.
Em 1º de fevereiro, a coalizão de partidos políticos “Centrão”, apoiada pelo presidente Jair Bolsonaro, ganhou o controle das duas casas do Congresso Nacional do Brasil [1]. Bolsonaro tem histórico de políticas ambientais destrutivas [2], mas alguns dos projetos de lei pendentes que ele defende foram bloqueados pelo ex-presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia [3]. Arthur Lira agora assumiu sua posição, e a legislatura agora provavelmente irá aprovar os projetos que Maia vinha bloqueando. Essa mudança de poder tem implicações nefastas para o meio ambiente do Brasil e os povos indígenas.
Pouco depois da posse dos novos presidentes das duas casas do Congresso, Bolsonaro enviou-lhes uma lista de 35 projetos de lei que deseja aprovar, mas que Maia havia indicado que bloquearia [4]. Muitos desses projetos de lei ameaçam o meio ambiente. Entre eles está um notório projeto de lei que permitiria a mineração em Terras Indígenas e em Unidades de Conservação (PL 191/2020). Também foram incluídos projetos de lei para reduzir os requisitos de licenciamento ambiental (PL 3729/2004), oferecer concessões florestais públicas à iniciativa privada (PL 5518/2020), recompensar grileiros promovendo a legalização de reivindicações ilegais de terras (PL 2633/2020), e modificar acordos de partilha para promover a extração de petróleo e gás (PL 3178/2019). Outros projetos desta lista provavelmente exacerbarão os conflitos de terra na Amazônia e os ataques aos povos indígenas e outros povos tradicionais. Por exemplo, PLC 119/2015 alteraria a implementação dos direitos constitucionais dos povos indígenas. PL 6438/2019 e PL 3723/2019 enfraqueceriam ainda mais as leis de controle de armas. O PL 6125/2019 efetivamente daria aos agentes da lei uma “licença para matar” ao barrar acusações de ilicitude por uso excessivo da força.
Espera-se que esses projetos sejam submetidos à votação este ano [5], momento em que provavelmente serão aprovados. Caso se tornarem lei, irão exacerbar os efeitos das exportações de madeira, minerais, carne, soja, gás natural, petróleo e biocombustíveis sobre o desmatamento na Amazônia e a associada perda de biodiversidade e violação dos direitos indígenas. Os grandes importadores de produtos da Amazônia brasileira, como a China e os Estados Unidos [6], não podem fechar os olhos ao impacto de seu comércio com o Brasil. O presidente Bolsonaro e seus apoiadores no Congresso Nacional não dão muito peso às preocupações de cientistas e ambientalistas, mas são muito sensíveis às decisões internacionais que afetam as exportações do Brasil. Os parceiros globais devem considerar suas políticas comerciais de acordo.[7]
Notas
[1] Schreiber, M. 2021. Arthur Lira eleito presidente da Câmara: como líder do Centrão se tornou aliado fundamental de Bolsonaro. BBC News Brasil .
[2] Ferrante, L. & P.M. Fearnside. 2019. Brazil’s new president and “ruralists” threaten Amazonia’s environment, traditional peoples and the global climate. Environ. Conserv . 46:261-263 .
[3] Vital, A. 2019. Maia diz a Raoni que não vai pautar projeto sobre mineração em terras indígenas. Câmara dos Deputados .
[4] Agostini, R. 2021 Bolsonaro entrega a Pacheco e Lira lista com 35 projetos prioritários. CNN .
[5] Menegassi, D. 2021. Mineração em Terras Indígenas, regularização fundiária e mais, entenda as prioridades de Bolsonaro para 2021. ((o)) Eco
[6] Trading Economics. 2021. Brazil Exports by Country. https://tradingeconomics.com/brazil/exports-by-country
[7] Este texto é uma tradução de: Ferrante, L. & P.M. Fearnside. 2021. Brazil’s political upset threatens Amazonia. Science 371: 898-899 .
A imagem que ilustra este artigo mostra indígena em frente ao Congresso Nacional durante o ATL de 2019 (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
Lucas Ferrante é Doutorando em Biologia (Ecologia) no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Tem pesquisado agentes do desmatamento, buscando políticas públicas para mitigar conflitos de terra gerados pelo desmatamento, invasão de áreas protegidas e comunidades tradicionais, principalmente sobre Terras indígenas e Unidades de Conservação na Amazônia.
Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 700 publicações científicas e mais de 500 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis aqui e aqui .
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