No Estado que elegeu a única representante indígena no Congresso, Joênia Wapichana (Rede), os dois principais candidatos ao Executivo desconversam sobre a mineração em seus planos de governo, mas não deixam de defender a atividade. Na foto, Antônio Denarium, governador e candidato à reeleição em Roraima (Foto: Reprodução/Redes sociais)

Altamira (PA) – Roraima foi o único Estado brasileiro que, em 2018, elegeu uma parlamentar indígena para o Congresso: Joênia Wapichana, da Rede, deputada federal que tenta ser reeleita. Mas na disputa para o governo estadual não há espaço para partidos progressistas que defendem as minorias.  O empresário Antonio Oliverio Garcia de Almeida (PP) tenta derrotar Teresa Surita (MDB) para conquistar um segundo mandato, enquanto os três candidatos do PSOL (Fábio Almeida), PDT (Juraci Escurinho) e PV (Rudson Leite) correm o risco de ter menos votos do que aqueles que pretendem anular ou votar branco. Em Roraima, onde está localizada a maior Terra Indígena do País (Yanomami), há forte presença de migrantes e onde Bolsonaro tem domínio eleitoral, com quase 60% dos votos, conforme pesquisas eleitorais.

Talvez seja difícil associar o nome ao atual líder das pesquisas de intenção de voto. O candidato à reeleição ao Executivo estadual prefere ser chamado de Antonio Denarium, palavra latina da qual se deriva “dinheiro”. O governador declarou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) um patrimônio de 21,5 milhões de reais em bens, a maioria deles de propriedades rurais. Estreou em 2011, eleito pelo PSL, partido de Jair Bolsonaro, que deve derrotar Luiz Inácio Lula da Silva no Estado. Surfou na onda da antipolítica, propagada pelo discurso de que empresários bem sucedidos devem gerir o Tesouro público com resultados favoráveis à sociedade.

Uma das iniciativas de Antonio Denarium em sua gestão foi a tentativa de proibir órgãos ambientais e a Polícia Militar de destruírem maquinários apreendidos durante fiscalização de crimes ambientais, principalmente em garimpos ilegais. Em 5 de julho, o governador  sancionou a Lei Estadual 1.701/2022, avaliada como inconstitucional pelo Ministério Público Federal (MPF), especialmente pela tentativa de esvaziar instrumentos de fiscalização ambiental previstos em legislação federal. Os indígenas protestaram e informaram que iriam questionar na justiça a decisão.

No mesmo dia em que a legislação foi sancionada pelo governador, o MPF encaminhou documento ao procurador-geral da República, Augusto Aras, com pedido de medida cautelar para a sua suspensão, em que cita a “tragédia humanitária em curso na Terra Indígena Yanomami em decorrência do garimpo criminoso“, além de enfatizar a difusão de armas e drogas nas comunidades tradicionais e aliciamento de jovens indígenas para suas ações criminosas.

Logo que recebeu o documento, Augusto Aras reforçou o pedido de medida cautelar e ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 7204) no Supremo Tribunal Federal (STF), distribuída ao ministro Roberto Barroso. A mesma lei foi objeto da ADI 7200, ajuizada pelo partido Rede Sustentabilidade e segue em tramitação. 

Embora seja um defensor intransigente da atividade garimpeira, Denarium não se atém à mineração nas dez páginas de seu plano de governo para a disputa de outubro. Mas demonstra estar alinhado a uma orquestração nacional. O próprio MPF ressalta a “multiplicação de leis estaduais inconstitucionais” que seguem a mesma linha e têm surgido para “atravancar a atividade fiscalizatória” na Amazônia. Essas iniciativas de governadores conservadores estão em sintonia com o desmonte de órgãos ambientais promovido por Bolsonaro, que incentiva a destruição do bioma e citou essa mesma ação de defesa dos invasores em entrevista ao Jornal Nacional

Pró-garimpo em terras indígenas

  • Grande área de garimpo com dezenas de barracões vistos na região do rio Uraricoera, na Terra Indigena Yanomami. (Foto: Bruno Kelly/Amazonia Real)
  • Grande área de garimpo conhecida como Tatuzão, na região do rio Uraricoera, na Terra Indigena Yanomami (Foto: Bruno Kelly/Amazonia Real)
  • A legislação brasileira proíbe a exploração mineral em áreas indígenas, mas inquéritos da PF investigando apenas o garimpo nos Yanomami somam mais de 5 mil páginas (Foto: Bruno kelly/Amazônia Real)Garimpo ilegal de ouro nos limites da TI Yanomami, em Roraima (Foto: Bruno kelly/Amazônia Real)
  • Garimpo ilegal de ouro na região do Homoxi, nos limites da Terra Indigena Yanomami, em Roraima (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)
  • Grande área de garimpo com dezenas de barracões vistos na região do rio Uraricoera, na Terra Indigena Yanomami, em Roraima (Foto: Bruno Kelly/Amazonia Real)
  • Grande área de garimpo com dezenas de barracões vistos na região do rio Uraricoera, na Terra Indigena Yanomami, em Roraima (Foto: Bruno Kelly/Amazonia Real)
  • Desmatamento ilegal na Terra Indígena Pirititi, Roraima (Foto: Felipe Werneck/Ibama/2018)
  • Violência policial contra a Comunidade Indígena Pium, Região de Tabaio, em Monte Alegre, Roraima (Foto: Reprodução/CIR)
  • Desmatamento ilegal na Terra Indígena Pirititi, Roraima (Foto: Felipe Werneck/Ibama/2018)
  • PM de Roraima faz operação ilegal dentro da Reserva Raposa Serra do Sol e atira em indígenas (Foto: Reprodução/CIR)

A adversária de Denarium na disputa eleitoral, Teresa Surita, ex-prefeita de Boa Vista, capital de Roraima, chega a citar rapidamente o tema da mineração em seu plano de governo. Sem dar detalhes, afirma que pretende criar a “Codesaima da Mineração” para pesquisa e fomento do setor. A sigla se refere à já existente  Companhia de Desenvolvimento de Roraima. A falta de propostas relacionadas ao tema chama a atenção especialmente pelo Estado ser rico em extensas jazidas de ouro, cassiterita e nióbio, quase todas em terras indígenas, que ocupam 46,21% de seu  território. 

Tanto Teresa quanto Denarium são aliados de Bolsonaro e disputam entre si pelo apoio do presidente, com promessas feitas por correligionários em favor dos dois candidatos.

A ex-prefeita de Boa Vista foi casada com o ex-senador e ex-governador Romero Jucá, que é citado no relatório final da Comissão Nacional da Verdade (2014), que apurou as mais graves violações aos direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988 no Brasil. “O caso mais flagrante de apoio do poder público à invasão garimpeira se deu na gestão de Jucá à frente da Funai”, diz o texto. Na época, a Funai abandonou a região e equipes de saúde foram retiradas da TI em plena epidemia de malária e gripe provocada pelo garimpo. Jucá também concorre nestas eleições, tentando uma vaga no Senado Federal pelo MDB.

Teresa Surita conhece o tema. Em 1992, ela foi relatora da comissão especial da Câmara dos Deputados encarregada de elaborar o novo Estatuto do Índio. A proposta não foi bem recebida. Na época, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) a rebateu com várias críticas:

“Em relação à mineração em terra indígena, constata-se que o substitutivo da deputada é uma cópia de outro projeto de lei de sua autoria (CPL 738/91) que não prevê o percentual mínimo de participação das comunidades indígenas no resultado da lavra. E que concede às companhias mineradoras e ao DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral) prerrogativas do Congresso Nacional”, diz o texto do Cimi. A matéria de autoria de Teresa Surita tinha como proposta estabelecer normas para pesquisa e lavra de riquezas minerais em terras indígenas. 

Na Câmara dos Deputados, a deputada Joênia Wapichana luta contra a correnteza. É a única representante de partido progressista entre oito parlamentares que representam a bancada de Roraima. Entre os três senadores, todos são conservadores. E na Assembleia Legislativa, entre 24 parlamentares, há um deputado do PT e uma deputada do PV. Esse balanço significa um “passar com a boiada” por questões ambientais e pelos direitos dos povos tradicionais. Mas não significa que os políticos não estejam interessados nesse eleitorado.

Com as campanhas eleitorais, chegam os candidatos e suas bandeiras nos territórios indígenas. “Vão para as comunidades sem licença. A gente não tem controle”, relata  Edinho Macuxi, da coordenação do Conselho Indígena de Roraima (CIR). “Cabos eleitorais de candidatos a senador, governador, deputado, tudo entra sem autorização. Pessoas que nunca tiveram compromisso com a sociedade, nesta época aparecem. A população está bem atrelada aos currais eleitorais da velha política do assistencialismo e acaba elegendo os candidatos de sempre, que beneficiam a própria família. Esse é o nosso grande desafio nesta conjuntura”, desabafa.

Candidatos indígenas

  • Joênia Wapichana (Rede), Deputada Federal indígena e candidata à reeleição por Roraima (Foto: Reprodução/Redes sociais)
  • Bartô Macuxi (Psol), candidato indígena ao senado por Roraima (Foto: Reprodução/Redes sociais)
  • Professora Edite Almeida (Rede), indígena e candidata a deputada estadual, em Roraima (Foto: Reprodução/Redes sociais)
  • Aldenir Wapichana (Rede), candidato indígena a deputado estadual, em Roraima (Foto: Reprodução/Redes sociais)

Roraima tem quatro nomes selecionados pelo movimento indígena para concorrer nas eleições: Joênia Wapichana (Rede) para a reeleição na Câmara dos Deputados, Bartô Makuxi (Psol) para o Senado e duas candidaturas para a Assembleia Legislativa, também pela Rede, Aldenir Wapichana e Professora Edite (Makuxi). “Mas tem muitas outras candidaturas (que não passaram pelo crivo das organizações), não sabemos o número”, diz Edinho Macuxi. “A gente está trabalhando o despertar da consciência da nossa população.” 

Francisco Wapixana não foi indicado, mas é apoiado pelo movimento indígena, e disputa as eleições em Roraima como candidato a vice-governador pelo Psol, na chapa liderada por Fábio Almeida. Ele se identifica como agricultor da Terra Indígena (TI) São Marcos e seu histórico se baseia na defesa da educação e da saúde. Ele é contra os garimpos. “Isso é um emprego rápido. Ajuda, mas não ajuda ninguém, e ainda destrói a natureza, a nossa água, acaba com tudo. Sofrem as famílias, que esperam o recurso que os maridos mandam, e quando não voltam é perda de seus maridos, de seus filhos. Tem como buscar emprego e salário digno para essas pessoas na cidade, não precisa ir pro mato perder suas vidas”, respondeu Francisco em entrevista durante campanha eleitoral à imprensa local em Boa Vista. 

A omissão do governo federal levou muitos povos a criarem brigadas de monitoramento para proteção territorial contra intrusos. Durante a pandemia da Covid-19, os indígenas também montaram barreiras sanitárias para controle da entrada nas comunidades, numa tentativa de evitar a contaminação. Muitas delas foram destruídas por invasores. No caso de Roraima, pela Política Militar; como ocorreu na TI Raposa Serra do Sol. Também no período de quarentena, policiais militares atiraram bombas de gás lacrimogêneo e usaram balas de borracha e spray de pimenta na TI Pium em um caso irregular de reintegração de posse. Dezenas de agressões são relatadas constantemente no Estado.

As informações são do relatório de violência contra indígenas lançado em agosto pelo Cimi, com dados do ano passado. O documento informa que Roraima é o terceiro Estado onde foram assassinados mais indígenas no ano passado, com 32 casos, segundo dados coletados no Sistema de Informações sobre Mortalidade e Secretarias de Saúde. Esse é o segundo Estado no ranking de mortes de crianças indígenas entre 0 e 5 anos, 149 morreram em 2021. É também o terceiro com maior ocorrência de suicídios entre povos originários, com 13 casos no mesmo ano.

Promessas e mais promessas

Teresa Surita (MDB), candidata ao governo de Roraima (Foto:Reprodução/Redes Sociais)

Em termos de saúde e educação, os candidatos se fartam de lançar promessas em seus planos. Nos de Antonio Denarium e no de Teresa Surita, há projetos para construção de escolas e até concurso público para a contratação de professores e tecnologias apropriadas à educação. Denarium, por sua vez, não perde tempo ao prometer ampliar o número de escolas militarizadas em todo o Estado, com distribuição de uniformes gratuitos, bem aos moldes dos anseios do bolsonarismo. Outra proposta é criar hospital de trauma para vítimas de acidentes, centro de hemodiálise e conclusão de um centro de radioterapia. 

Teresa Surita afirma que pretende fazer uma gestão com participação popular e parceria com o setor privado. Ela também aposta na maior militarização das escolas e oferecer educação em tempo integral, com melhorias na alimentação, recuperação e construção de novas, além de investir na universidade estadual em inovação em pesquisa, especialmente na área de agricultura, tecnologia e floresta. Na área de saúde, afirma que vai melhorar o atendimento, instalações e equipamentos, além de construção de unidades regionais. Os dois candidatos foram procurados pela Amazônia Real, mas não atenderam aos pedidos de entrevistas.

Segundo informações do Tribunal Regional Eleitoral, Roraima tem 366.240 eleitores aptos a votar, 10,48% a mais do que em 2018, com 51,33% de mulheres. Destes, 22.642 eleitores votam em 98 seções em áreas indígenas. O TRE não tem levantamento sobre o cadastro de indígenas, mas indica que na página do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), os 612 candidatos pelo Estado preencheram o item cor/raça. 

Roraima tem 652,7 mil habitantes (IBGE), com cerca de 50 mil indígenas. Na população, cerca de 411 mil pessoas passam por diferentes níveis de insegurança alimentar. Ou seja, 63% dos habitantes do Estado têm dificuldades em obter todas as refeições em quantidade e qualidade para uma boa alimentação, segundo dados do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar, da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan). Os dados foram divulgados em setembro, com pesquisa realizada entre novembro de 2021 e abril de 2022. 

Essa realidade se torna ainda mais cruel frente ao superávit comercial de 25,9 milhões de dólares em agosto, segundo artigo técnico de setembro, da Secretaria de Planejamento e Orçamento do Governo de Roraima, com base no Portal Comex Stat do Ministério da Economia, que mostra um aumento de 9,7% em relação ao mesmo período de de 2021. As exportações registraram 27,5 milhões de dólares, o que significou 20,1% a mais do que o registrado em julho. O principal destino foi a Venezuela, que comprou 95,7% do valor total exportado, principalmente em açúcares, enchidos de carne, preparações alimentícias, margarina e óleo de soja.

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Fonte: https://amazoniareal.com.br/eleicao-em-roraima/

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