Belém (PA) – Sob a acusação de terem sequestrado e mantido três caçadores em cárcere privado, os Parakanã explicam o que pode ter acontecido: “Os caçadores entraram nas nossas terras e se perderam. Nós não sabemos para onde eles foram, onde eles entraram”. À Amazônia Real, Tarana Parakanã garante que seu povo não só é inocente, como ainda tentou ajudar os familiares dos invasores que entraram em suas terras para caçar e não foram mais vistos desde o último domingo (24).

Os caçadores Cosmo Ribeiro de Sousa, José Luís da Silva Teixeira e Willian Santos Câmara invadiram a Terra Indígena Parakanã, embora a caça e a entrada de pessoas estranhas aos grupos indígenas sejam proibidas pela Lei 6.001/73. A TI é composta por 24 aldeias e está localizada próxima do município de Novo Repartimento, no sudeste paraense, e a cerca de 170 quilômetros de Marabá, às margens da Rodovia Transamazônica (BR-230). 

Após o desaparecimento dos três caçadores, que vivem em propriedades rurais nas imediações da TI Parakanã (autodenominados Awaeté), os familiares e a população local passaram a acusar, presencialmente e pelas redes sociais, os indígenas pelo desaparecimento. A Amazônia Real teve acesso a um áudio anônimo em que um homem promete invadir a aldeia e assassinar os indígenas: “(…) Vamos entrar na aldeia e começar a matar índio, começar daqui da frente, não tá bom não”.

Desde segunda-feira (25), a estrada que dá acesso ao território dos Parakanã foi bloqueada. O clima segue tenso e Tarana, estudante do curso de Letras do Instituto Federal do Pará (IFPA), teve de abandonar o local.

William dos Santos, José Luís e Cosmo Ribeiro de Sousa “Manel” (Foto: reprodução redes sociais)

“Os familiares dos homens que se perderam entraram aqui agredindo um estudante e a gente ficou sem saber o que tínhamos feito pra ele. Não tinha ninguém para explicar o que estava acontecendo”, informou Tarana na madrugada de quarta-feira (27). Segundo relato dos Parakanã, os próprios familiares encontraram as motos e outros pertences dos caçadores dentro das matas da TI, a cerca de 200 metros da beira da BR-230.

A agressão relatada pelo indígena ocorreu na segunda-feira (25), quando um grupo de pessoas surpreendeu, de forma violenta, os alunos dos Cursos de Agroecologia e Magistério Indígena do Campus Rural de Marabá do IFPA, por volta de 13h15. 

Aos gritos, os invasores proferiram ameaças aos indígenas no Posto Taxakoakwera, onde as aulas ocorrem, acusando-os mais uma vez de serem os responsáveis pelo desaparecimento dos caçadores ilegais. Logo em seguida, o grupo bloqueou a estrada. Os indígenas afirmam que entre os intrusos havia pessoas armadas.

“O branco está invadindo nossas terras e ameaçando o meu povo de morte […] a situação está muito complicada para nós. Pedimos às autoridades, Polícia Federal, o chefe Maior, para fazerem alguma coisa para ajudar o meu povo”, suplicou, em vídeo, Xeteria Parakanã, cacique da aldeia Parano’wa

Ajuda aos familiares

Reunião em que os indígenas receberam os pais dos caçadores ilegais que se perderam na TI
(Reprodução redes sociais)

Em uma nota conjunta, assinada por professores e pela coordenação do Curso de Magistério Indígena (IFPA/CRMB), os técnicos confirmam que os indígenas receberam os familiares dos homens desaparecidos, os quais teriam solicitado ajuda dos Awaeté nas buscas por seus filhos, o que teria sido atendido pelos indígenas.

“Duas mães e um pai dos caçadores solicitaram uma reunião com os caciques o que foi prontamente atendido, e num gesto de solidariedade aos familiares foram convidados a entrar e a explicar o acontecido com calma aos Awaeté, que até então pouco compreendiam da situação de fato”, diz a nota.

Tudo parecia encaminhar para um bom entendimento, quando, segundo relato dos técnicos do IFPA, um sargento da Polícia Militar de Novo Repartimento invadiu a reunião. “Tal sargento, parou a reunião, afirmando que teria recebido informações de um desaparecimento, seguido de ‘cárcere privado’.” 

Segundo uma nota dos técnicos do IFPA, um professor teria se manifestado, explicando a situação ao sargento e dizendo que a informação de cárcere privado não era verdadeira. “O senhor ou seu informante não estariam equivocados? Aqui até o momento não houve ‘cárcere privado’.”

Investigações em curso

Polícia Militar do Pará foi mediar o conflito (Foto: Reprodução redes sociais)

Questionada pela reportagem da Amazônia Real, a Polícia Federal informou que já está acompanhando o caso e que um efetivo foi destacado para a região “para realização de trabalhos de Polícia Judiciária da União [e para] prestar o apoio necessário na localidade, bem como minimizar a possibilidade de ocorrência de conflito”. A PF informou ainda que já foram realizados levantamentos preliminares para a colheita de informações e que está em contato com a Fundação Nacional do Índio (Funai), Ministério Público Federal (MPF) e com a Eletronorte – que mantém um projeto na localidade.

Por conta do recente contato, ocorrido há menos de quatro décadas, os Awaeté não dominam plenamente a língua portuguesa. O território, com a extensão de cerca de 352 mil hectares, foi homologado em 1991, conforme Decreto 248/91. A população atual é de cerca 1.354 indígenas. Por conta da construção da Hidrelétrica de Tucuruí, que impactou os modos de vida dos Parakanãs, a Eletronorte e a Funai criaram o projeto de assistência denominado de “Programa Parakanã”, administrado atualmente por um servidor federal designado pela Funai.

Já o MPF informa, em nota, que acompanha as buscas pelo desaparecimento dos três homens e que elas estão sendo feitas pelo Corpo de Bombeiros de Novo Repartimento com a ajuda dos indígenas. De acordo com o órgão, “a situação se acalmou após mediação da Funai”, fato que não foi confirmado até o momento pela reportagem.

Até o fechamento desta reportagem, a Amazônia Real não conseguiu estabelecer contato com a Funai, nem com os familiares dos três caçadores.

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Reportagem Noticiosa Sobre a matéria

Cicero Pedrosa

 Cicero Pedrosa Neto

Cícero Pedrosa Neto é fotojornalista e colaborador da agência Amazônia Real desde 2018. Sociólogo de formação e mestrando em antropologia pela Universidade Federal do Pará, pesquisa desastres da mineração na Amazônia x populações tradicionais. Em 2019 foi um dos jornalistas premiados com o 41º Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humano na categoria multimídia com a série “Sem Direitos: o rosto da exclusão social no Brasil”, um trabalho em parceria das mídias digitais independentes #Colabora, Ponte Jornalismo e Amazônia Real. (pedrosaneto@amazoniareal.com.br)

Fonte: https://amazoniareal.com.br/parakana-ameacados/

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