Dois candidatos bolsonaristas disputam o governo do Estado que até o próprio presidente Bolsonaro desconhece que pertence à região Norte. Na foto, Wanderlei Barbosa, governador e candidato à reeleição no Tocantins (Foto: Reprodução/Redes sociais)
Tocantins, também conhecido como o “norte esquecido do Estado de Goiás”, chega à eleição de 2 de outubro com dois candidatos bolsonaristas que disputam a liderança de quem ignora mais a Amazônia. Em seus planos de governo, a defesa do meio ambiente não está presente, apesar do avanço do desmatamento. No território tocantinense, 90% do bioma é de cerrado e 10% do bioma amazônico. Com Maranhão, Piauí e Bahia, integra o Matopiba, Estados em que 61% do cerrado brasileiro foi suprimido entre 2020 e 2021. Foram cerca de 5.300 quilômetros quadrados de devastação ambiental.
A disputa da eleição no Tocantins se dá entre Wanderlei Barbosa (Republicanos), atual governador, e Ronaldo Dimas (PL). O atual chefe do Executivo Estadual é um conhecido defensor de Bolsonaro, mas não foi escolhido para ser o candidato oficial do presidente na eleição no Tocantins. É natural do Estado, serviu à Aeronáutica, foi professor e iniciou carreira política como vereador, em Porto Nacional. Na capital Palmas, foi eleito vereador e também atuou duas vezes como deputado estadual, até se tornar vice-governador e assumir o Executivo após renúncia de Mauro Carlesse, acusado de corrupção. Já o candidato oficialmente apoiado pelo presidente é Dimas, que nasceu em Frutal (MG), tem 61 anos e é engenheiro civil e empresário. Na vida política começou como deputado federal, em 2003, já foi prefeito de Araguaína em 2012, sendo reeleito em 2016.
Procurados pela Amazônia Real, os dois candidatos tiveram comportamentos diferentes. O governador, líder nas pesquisas, preferiu silenciar. Em entrevista a um veículo de comunicação do Tocantins, Wanderlei Barbosa disse ser a favor do agronegócio e que Bolsonaro fez muitas políticas boas. “A política de fortalecer a economia do Tocantins através do agronegócio é excelente”, exemplificou. Já Ronaldo Dimas concedeu uma entrevista em que expôs suas propostas para a área ambiental.
Dimas afirmou que, se eleito, pretende melhorar o uso do Cadastro Ambiental Rural (CAR) para combater o desmatamento irregular ou ilegal, assim como vai recuperar o passivo florestal em propriedades privadas (onde se concentra o desmatamento). “Vamos melhorar a questão da fiscalização e na recuperação de áreas degradadas.” Esse discurso destoa do de Bolsonaro, que não só afirma ser contrário ao rigor das fiscalizações, como trabalhou para desmantelar os órgãos ambientais, como Ibama e ICMbio.
“Vamos também apoiar quem está fazendo o certo, criaremos as boas práticas para quem está conduzindo, quem está se licenciando, ou seja, desburocratizar o sistema de licenciamentos ambientais”, acrescentou Dimas. Segundo o candidato do PL, o Tocantins, sob seu governo, vai investir não só na produção do campo, mas em sistemas de imagem satélite. “Maior investimento para gerar dados, informações e monitorar toda sua execução.”
Na visão de Dimas, é possível proteger o meio ambiente, preservar e conservar a biodiversidade e, ao mesmo tempo, apoiar o sistema produtivo para o desenvolvimento socioeconômico. “O desafio está em estruturar políticas públicas fundamentadas em responsabilidades integradas e compartilhadas entre as esferas públicas dos governos federal, estaduais e municipais, considerando a participação de iniciativas privadas”, disse. Uma das apostas, que faz parte do plano de governo, está no apoio técnico e financeiro para a recuperação de áreas degradadas, concentrando nelas o aumento da produtividade no Tocantins.
Nas diretrizes ‘Política de Meio Ambiente e Saneamento’ e ‘Economia Sustentável e Comunitária’, presentes no plano de governo, Dimas defende ampliar a pesquisa e a extensão rural para melhorar a produtividade no campo, além de fomentar a bioeconomia. Outra aposta do candidato é, conforme respondeu à Amazônia Real, “estruturar a política de redução de emissões de gases de efeito estufa provenientes do desmatamento e da degradação florestal, gerando créditos de carbono”.
Wanderlei Barbosa, em seu plano de governo, destaca o agronegócio e o turismo ambiental e até cita que promoverá políticas de inclusão de quilombolas e indígenas. Mas o documento enviado ao Tribunal Superior Eleitoral não apresenta ações concretas de como vão ser construídas essas políticas. Sobre os povos originários, o documento se resume em falar da erradicação do analfabetismo e da realização de jogos indígenas. Já sobre esse mesmo público o candidato adversário, Ronaldo Dimas, afirmou que vai promover a equidade social e territorial do desenvolvimento cultural, além de estimular, promover e realizar ações para que os jovens e a sociedade em geral tenham acesso de forma democrática a todos os segmentos culturais e artísticos.
Pelas pesquisas de intenção de voto, Barbosa tem chances de vencer em primeiro turno, já que a soma de Ronaldo Dimas e demais candidatos (Irajá, do PSD; Paulo Mourão, PT; Coronel Ricardo Macedo, MDB; Doutor Luciano do Oswaldo Cruz, DC; e Karol Chaves, Psol) ainda é inferior ao do atual governador.
A lógica do agro
O vice-presidente da Associação de Preservação Ambiental e Valorização da Vida – Ecoterra, Fernando Gomes da Silva, mais conhecido como Fernando Amazônia, afirmou que poucos políticos, sejam deputados estaduais ou vereadores, levantam a bandeira do meio ambiente no Tocantins. Ele também comenta sobre os impactos ambientais que causam o agronegócio e a monocultura da soja, que não costumam caminhar ao lado da conservação ambiental.
“A pecuária sempre foi a principal atividade do Tocantins, o que causa muito desmatamento. Agora, temos uma grande monocultura de soja que contamina o solo por causa do veneno dos agrotóxicos. Um exemplo é a ‘técnica do correntão’, que já foi proibida, mas continua a ser praticada”, conta o ativista que é fotógrafo, geógrafo e também defende as questões ambientais indigenistas do povo Xerente.
O número de políticos, nas diversas esferas públicas, ligados ao agronegócio, preocupa quem defende o meio ambiente, já que as bancadas parlamentares são dominadas pelos ruralistas. Fernando exemplifica, lembrando que nenhum deputado federal representa o Tocantins quando o assunto é a defesa das áreas amazônicas ou do cerrado. Ele afirma também que está ocorrendo um ataque e enfraquecimento das instituições que atuam pelo meio ambiente por parte do governo federal, que são constantemente acusadas de serem financiadas por “gringos”. “Não somos estrangeiros, somos daqui do Brasil e estamos sendo perseguidos. Temos cada vez menos editais para realizar projetos e ações que apoiam a preservação ambiental”, desabafa.
Tocantins tem 34 anos de emancipação e continua enfrentando problemas básicos como infraestrutura, segurança pública, saneamento básico, saúde e educação. O Estado passou a fazer parte da região Norte após a sua criação, que foi baseada no Artigo 13º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição de 1988. Sua cultura ainda é mais próxima à de Goiás, mas possui uma população diversa, composta por pessoas vindas de várias regiões do Brasil.
No último dia 22 de setembro, durante uma live transmitida por suas redes sociais, enquanto Bolsonaro citava os candidatos que apoia, ele chegou a falar que o Tocantins fica no Centro-Oeste. Quando esteve no Estado, em 9 de setembro, durante uma motociata que teve início no Maranhão, discursou para apoiadores na cidade de Araguatins (TO) e afirmou que o Estado “é uma área grande, voltada para o agronegócio”.
Indígenas repudiam Bolsonaro
Para os povos indígenas que vivem no Tocantins, o descaso com o meio ambiente e com a falta de garantia dos seus direitos não é nova, mas piorou com Bolsonaro, como já reiterou uma carta escrita e assinada por 200 representantes dos povos Apinajé, Krahô, Xerente, Krahô Takaywrá, Javaé, Krahô-Kanela, Avá-Canoeiro, durante a Assembleia dos povos indígenas de Tocantins, realizada em dezembro de 2018, na aldeia Brejinho, na TI Apinajé. Segundo essa carta, as declarações de intolerância, ódio e desprezo de Jair Bolsonaro contra povos indígenas fez com que setores dos ruralistas (agronegócio), da mineração e de madeireiros se sentissem “mais amparados e motivados para continuarem a criminalizar, perseguir, prender e assassinar lideranças indígenas no País”.
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