Cuiabá (MT) – Um campeonato de futebol entre times do povo Xavante foi realizado em plena pandemia do novo coronavírus, entre os dias 9 a 11 de maio, na aldeia Namunkurá, que fica dentro da Terra Indígena de São Marcos, município de Barra do Garças, região leste do estado do Mato Grosso. O evento esportivo reuniu mais de mil pessoas, inclusive não indígenas. Em um vídeo, que a agência Amazônia Real teve acesso, é possível ver os jogadores de mãos dadas, fazendo um grande círculo no entorno do campo de futebol, enquanto entoam um cântico em celebração ao torneio, contrariando normas estabelecidas de distanciamento social para prevenir a disseminação da Covid-19, como decretou a Organização Mundial de Saúde (OMS).

O torneio contou com as presenças de jogadores de 11 times de futebol, masculino e feminino, que partiram de 13 comunidades localizadas nas Terras Indígenas Sangradouro, Pimentel Barbosa, Marechal Rondon e Parabubure para disputar o campeonato na aldeia Namunkurá. Os indígenas Xavante desrespeitaram uma recomendação do Ministério Público Federal (MPF), que pediu a suspensão do evento esportivo por causa da pandemia. No dia 13 de maio, um inquérito foi aberto para investigar a responsabilidade criminal dos realizadores do torneio.

Na aldeia Namunkurá, onde aconteceu o campeonato, moram 450 pessoas do povo Xavante, segundo o Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) da etnia. Com o torneio, a comunidade recebeu ao menos 600 visitantes. O lugar possui postes de energia elétrica, casas de alvenaria feitas com cimento e tijolos, e uma igreja católica pintada de amarelo com uma cruz em sua fachada. No grande campo de futebol, as equipes se revezaram em várias partidas.

Nos dias dos torneios, os torcedores nas arquibancadas, conforme as imagens de vídeos, não usavam máscaras de proteção no rosto, como determina as normas de saúde no período da pandemia. Eles registraram as disputas tirando fotos e vídeos. Essas imagens foram disponibilizadas em várias páginas dos jogadores nas redes sociais. Na disputa masculina, o time vencedor foi da aldeia Novo Paraíso da TI Pimentel Barbosa.

Um ofício assinado por oito anciões Xavantes e o cacique da aldeia Namunkurá, Simão Butsé, foi enviado ao MPF justificando a realização do torneio do futebol e criticando a decisão do órgão pela suspensão do campeonato. Segundo o documento, o evento esportivo foi discutido no dia 13 de janeiro deste ano para homenagear os fundadores da aldeia Namunkurá.

“Essa decisão dos ‘velhos Xavantes’ precisa ser respeitada pelo órgão. A Covid-19 é uma doença ‘dos não indígenas, dos brancos e corruptos´”, diz o documento.

Em outro trecho, o ofício dos anciões afirma que o coronavírus não está em todas as aldeias e que é preciso acreditar “muito no poder de Deus”.

“Justifico ainda Vossa Senhoria Excelência [o MPF], nós comunidades das 13 aldeias, fizeram decisão e de acordo, para não cancelar essa cerimônia de festa tão muito grande, não é só os jogos, por peço a gentileza para não preocupar com o A’uwe Upatabi Xavante, confie em primeiramente a Deus [sic]”, afirma o documento.

Amazônia Real tentou falar com o cacique Simão Butsés, da aldeia Namunkurá, mas ele não foi localizado para comentar a recomendação do MPF.

O secretário executivo da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt), Lucio Wayne Terowa’a, mais conhecido como Lucio Xavante, afirmou que a federação foi contra a realização do  campeonato.

“Ficamos muito preocupados com a situação e tanto o Ministério Público quanto o Dsei Xavante [Distrito Sanitário Especial Indígena] tentaram impedir o evento, mas não conseguiram. Tinham muitas lideranças xavantes contrárias ao evento. A gente entende que foi uma ação contra o cenário mundial, que faz aglomeração e que está todo mundo parado. Com a gente [indígenas] não pode ser diferente”, disse Lucio Xavante à Amazônia Real.

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Time de futebol Xavante (Foto reprodução Facebook)

A pandemia mundial do novo coronavírus foi decretada pela OMS em 11 de março. Seis dias depois, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, divulgou um plano de contingência com as ações de combate ao vírus nas comunidades indígenas e orientou a permanência dos povos aldeias, evitar o contato com pessoas infectadas nas cidades, assim como aglomerações para prevenir a disseminação da doença nos territórios.

O governo do Mato Grosso decretou a quarentena da pandemia do coronavírus em 31 de março no estado. O decreto estabeleceu que “em todos os municípios do estado, independentemente de ocorrência de casos confirmados de Covid-19, ficam vedadas as atividades que provoquem aglomerações de pessoas, tais como: parques públicos e privados; casas de shows; academias; ginásios esportivos e campos de futebol”.

O primeiro caso de Covid-19 entre indígenas Xavante foi registrado em 13 de maio em uma mulher. Ela estava internada na Casa de Apoio à Saúde Indígena (Casai) quando testou positivo para coronavírus. No momento, está em tratamento no hospital público de Barra do Garças e seu estado de saúde é considerado estável. O hospital do município, que fica a 514 quilômetros de distância de Cuiabá, tem unidade de terapia intensiva (UTI).

No Mato Grosso foram registrados até o momento 995 casos confirmados de Covid-19 e 32 mortes. Em Barra do Garças, uma das cidades mais próximas da Terra Indígena São Marcos, foram notificados 55 casos e três mortes, segundo dados da plataforma Brasil.io.

Com uma população de mais de 22 mil pessoas, a etnia Xavante se autodenomina de A’uwe, que na língua Jê significa “gente”. Não há registros de coronavírus dentro das aldeias desse povo, segundo a Sesai.

Inquérito investiga “freteiros”

Indígenas foram transportadores por “freteiros” (Foto: MPF)

Antes da abertura oficial do torneio de futebol dos Xavantes, no dia 8 de maio, o Ministério Público Federal no Mato Grosso emitiu uma recomendação pedindo à Fundação Nacional do Índio (Funai) e ao Distrito Sanitário de Saúde Indígena (Dsei) Xavante que orientasse os indígenas a cancelar o evento esportivo.

A recomendação foi encaminhada à coordenadora do Dsei Xavante, Luciene Cândido Gomes, e ao coordenador regional da Funai, Carlos Henrique da Silva. O MPF determinou que eles adotassem “todas as medidas ao seu alcance para demover os indígenas de realizarem o campeonato de futebol”, ressalta trecho do inquérito, que foi aberto pelo MPF no dia 13 de maio para apurar a responsabilidade dos organizadores do torneio do futebol durante a quarentena do novo coronavírus na aldeia Namunkurá.

O órgão também irá investigar as participações de motoristas, chamados de “freteiros”, que foram contratados para transportar os jogadores e torcedores em caminhões das comunidades, além da presença de políticos da região no evento esportivo.

MPF alerta para risco de etnocídio

Os Xavante praticam vários esportes nas comunidades há muitos anos
(Foto: TI São Marcos/Câmara Municipal de Barra do Garças)

A investigação é comandada pelo procurador Everton Pereira Aguiar de Araújo. Ele destaca, no inquérito, que toda a movimentação e deslocamento de indígenas de outras aldeias e de outras cidades para a aldeia Namunkurá “foi viabilizada por freteiros contratados para esta atividade de caráter não essencial e que adentraram o território indígena sem autorização da Funai”.

Para o procurador, ações como essa “caminham na contramão” de todos os esforços das autoridades de saúde a fim de “evitar a contaminação dos povos indígenas, expondo-os a um real risco de etnocídio”.

No inquérito, Everton Aguiar salienta que tanto a Funai quanto a coordenação do Dsei Xavante alertaram o órgão sobre os riscos de se realizar o evento por causa da Covid-19. “A coordenação regional da Funai Xavante chegou a negar apoio financeiro para o campeonato e que foi aberto diálogo com cacique da aldeia, Simão Butsé, para que ele evitasse a aglomeração”, disse o procurador no inquérito.

Não é a primeira vez, nesta pandemia de coronavírus, que o MPF investiga o desrespeito às normas da OMS. Em Tabatinga, no Amazonas, um culto religioso foi realizado dentro da Terra Indígena Feijoal, em Benjamin Constant, no dia 28 de março, com a presença de 400 pessoas vindas de dentro e de fora da comunidade, segundo o site “De Olho Nos Ruralistas”.

O que diz o Dsei Xavante?

Indígenas da TI Paraburure praticam futebol (Foto: axa.org.br)

Procurada pela Amazônia Real, a coordenadora do Dsei Xavante, Luciane Gomes, disse que assim que o órgão soube do torneio de futebol na aldeia Namunkurá foram tomadas medidas para orientar e conscientizar os indígenas sobre o contexto da pandemia Convid-19, mas “o Dsei não tem como impedir a realização de eventos pela população indígena Xavante, pois não temos uma posição hierárquica em relação a comunidade e lideranças”.

A coordenadora afirmou que o Dsei Xavante atua na prevenção e promoção de saúde pública nas aldeias, “levando o acesso à atenção primária à saúde indígena, respeitando a cultura, as diferenças, as peculiaridades da comunidade e sempre apoiando com informação, orientação, ações voltadas à saúde da população indígena Xavante”.

Também promove “ações preventivas, envolvendo educação em saúde, busca ativa de pacientes, distribuição de material informativo, paralelamente as rotinas de saúde, com o fim de reforçar as ações preventivas, de levar a informação a comunidade indígena Xavante”.

Luciane Gomes acrescentou que o Dsei Xavante e Funai irão instalar barreiras sanitárias para impedir a entrada dos “freteiros” e de outras não indígenas nas aldeias Xavante “que não estejam seguindo as orientações de prevenção ao coronavírus, como a utilização e máscaras e álcool gel”.

Segundo ela, a instalação de barreiras atenderá a recomendação do Ministério Público Federal (MPF), que instaurou inquérito para investigar a entrada de não indígenas nas aldeias, que estejam promovendo atividades comerciais consideradas desnecessárias durante pandemia.

Os Xavante são a maior população indígena de Mato Grosso, com 22 mil pessoas distribuídas em nove terras indígenas na região leste do estado. Além de São Marcos,  Sangradouro, Pimentel Barbosa, Marechal Rondon e Parabubure, existem os territórios Ubawawe e Chão Preto, Areões, Pimentel Barbosa e Marãiwatsédé.

Os Xavante se autodenominam como A´uwe, que significa “gente”, na língua Jê.

Aldeia Xavante Marãwatsédé (Foto: Arquivo Opan)

O que é o coronavírus?

Segundo a OMS, o novo coronavírus, o SARS-CoV-2, faz parte de uma família de vírus que causa infecções respiratórias e foi identificado em 31/12/19, após casos registrados na China. Ele provoca a doença Covid-19.

A contaminação pela Covid-19 se espalha de maneira semelhante à gripe, pelo ar após a tosse, coriza e a liberação de gotículas de quem está infectado.

Os sintomas são: febre, tosse, coriza e dificuldade para respirar. Procurar uma unidade de saúde é a primeira atitude a tomar neste caso.

O quadro da pessoa infectada com o coronavírus pode se agravar para uma pneumonia, o que exige a internação do paciente. Ao primeiro sinal dos sintomas, procure uma unidade básica de saúde.

Pessoas com mais de 50 anos de idade estão mais vulneráveis, principalmente os idosos.

Quem está com o sistema imunológico debilitado e possui doenças crônicas, como as cardiovasculares, diabetes ou infecções pulmonares também pode adoecer gravemente.

Medidas como fazer uma quarentena voluntária em casa, lavas sempre as mãos com sabão e usar máscaras, têm sido a melhor forma de combater a disseminação da doença no mundo.

Barra do Garça (Foto de Andiamo Blog Viagens)

 

 

Fonte: https://amazoniareal.com.br/xavantes-realizaram-torneio-de-futebol-na-quarentena-do-coronavirus/

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