A fazenda é arrendada para plantio de soja e está no território indígena Laranjeira Nhanderu, em Rio Brilhante (MS)
Gabriela Moncau
Com barracos de lona, indígenas retomaram o tekoha (lugar onde se é) Laranjeira Nhanderu na última sexta-feira (3) – Povo Guarani e Kaiowá
A tensão entre o povo Guarani Kaiowá, a polícia e o agronegócio está acirrada no município de Rio Brilhante, no Mato Grosso do Sul. Em um intervalo de cinco dias, indígenas retomaram parte do território de Laranjeira Nhanderu, sobreposto à Fazenda Inho, foram reprimidos pela Polícia Militar, tiveram três lideranças detidas e, em seguida, uma vitória judicial pelo avanço do processo demarcatório. Nesta quarta-feira (8), ocuparam a sede da fazenda.
A área, reivindicada como de ocupação tradicional dos Guarani e Kaiowá, integra a Terra Indígena (TI) Brilhantepagua, cuja demarcação não foi finalizada. Dentro da TI está a fazenda de soja de propriedade de José Raul das Neves e seu filho.
Desde 2007 os indígenas esperam que a demarcação seja concluída. Naquele ano, o estudo demarcatório foi incluído em um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre o Ministério Público Federal (MPF) e a Funai. Com o processo estagnado ao longo desses 18 anos, os indígenas retomaram o território por conta própria algumas vezes e foram despejados. Agora, afirmam que não vão sair.
“Aqui é território indígena. Hoje estamos na sede [da fazenda]. A comunidade decidiu ocupar o seu território definitivamente. Não vamos abrir mão daquilo que já retomamos”, afirma Simão Kumuni, integrante da Aty Guasu (Grande Assembleia Guarani e Kaiowá). Nesta quinta-feira (9), estavam trabalhando na construção da casa de reza no local.
A reza e a flecha contra a bomba da PM
Esta última retomada, batizada de Yvyrapygue (raiz de árvore), aconteceu na sexta-feira (3). Poucas horas depois e sem mandado judicial, a Polícia Militar reprimiu os indígenas com bomba de gás, bala de borracha e prendeu três lideranças.
Um vídeo que circula pelas redes sociais mostra o avanço da tropa de choque e seu Olímpio, um rezador de 83 anos, empunhando um arco e uma flecha para tentar resistir à repressão. Mbo’y Jeguá, sua filha, professora e integrante da Kuñangue Aty Guasu (Grande Assembleia de Mulheres Guarani e Kaiowá), foi detida ao se colocar na frente do pai.
“Essa cena é a simbologia do que os indígenas estão vivendo há muito tempo. Esse foi o sexto ataque ilegal, sem nenhuma ordem de reintegração de posse”, se indigna Matias Hampel, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Os outros dois levados em um camburão pela PM foram Ava Rendiy e Ava Jeguaka, membros da Aty Guasu. Libertos no dia seguinte pela Justiça Estadual, os três voltaram à área retomada e foram recebidos com cantos sagrados de proteção.
Em reação à violência policial, indígenas Guarani Kaiowá de outras partes do Mato Grosso do Sul foram para Laranjeira Nhanderu. Na última terça-feira (7), 86 entidades acadêmicas, organizações da sociedade civil e de defesa de direitos humanos soltaram uma nota em apoio à ocupação.
:: Indígenas Guarani Kaiowá recebem apoio de 86 entidades após prisão de lideranças no MS ::
Expectativa de avanço da demarcação
De acordo com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), diante deste contexto, a juíza Monique Rafaele Antunes Krieger determinou o avanço no processo de demarcação, que está na fase da perícia antropológica.
“Essa fazenda, por mais de uma década, infringe aos indígenas coisas terríveis. Despejos químicos, uso de armas de guerra, diga-se de passagem, destruição de roças, fome, impedimento de ir e vir, ameaças”, denuncia Matias Hampel.
“A gente tem convicção que o que os indígenas estão pleiteando com essa retomada, colocando a própria vida em risco”, afirma o coordenador do Cimi no MS, “é a consolidação de um direito inalienável para a sobrevivência física e cultural desse povo, que é o acesso à terra”.
O Brasil de Fato questionou a Secretaria de Segurança Pública do MS sobre a atuação das forças policiais em defesa de interesses privados e sem ordem judicial, mas não teve resposta. O Ministério Público Federal (MPF) informou que há servidores acompanhando a situação na área e que pediu à Polícia Federal (PF) a instauração de um inquérito sobre o caso. A PF não quis se manifestar.
A reportagem tentou contato com o fazendeiro José Raul das Neves Jr., que é também presidente do Partido dos Trabalhadores (PT) em Rio Brilhante. As ligações não foram atendidas. O espaço para posicionamento segue aberto.
Edição: Thalita Pires
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