Benedito de Carvalho foi morto na última terça (2); por não viver na aldeia, sua identidade indígena é questionada
Há menos de um mês do assassinato de Isac Tembé, liderança do povo Tembé Theneteraha no município de Capitão Poço, no nordeste do Pará, outro indígena foi morto na mesma região.
Benedito Cordeiro de Carvalho foi assassinado na última terça-feira (2), em plena luz do dia. Informações prévias afirmam que ele foi seguido e alvejado na moto em que estava. Ao tentar se fugir, o indígena foi executado com um tiro na cabeça.
O indígena não morava mais na aldeia, mas estava a caminho do local para visitar parentes. Conhecido como Didi Tembé, Benedito de Carvalho era da Guarda Municipal de Ourém, município próximo de Capitão Poço.
As circunstâncias da morte de Didi Tembé levantam questionamentos entre os indígenas da região. Puyr Tembé, vice-presidenta da Federação dos Povos Indígenas do Pará, explica que ainda há muitas perguntas a serem respondidas sobre a motivação do assassinato.
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“Estão acontecendo alguma coisas estranhas em Capitão Poço. Não é só em Capitão Poço, mas o Brasil inteiro está passando por um processo muito difícil de criminalização das lideranças, dos segmentos sociais, não apenas o indígena. Isso tem aflorado muito dentro dos territórios”, diz
Identidade indígena questionada
Nice Gonçalves, jornalista e ativista Tupinambá, conta que, por medo, poucos indígenas falam sobre o assassinato. Autoridades policiais locais também passaram a questionar a identidade indígena de Didi Tembé.
“Todo indígena que sai da aldeia para morar na cidade deixa de ser índio para o sistema brasileiro racista, mas as lideranças que conhecem ele, afirmam que ele é indígena sim”.
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Na avaliação de Márcio Couto Henrique, professor da Faculdade de História e do Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia da Universidade Federal do Pará (UFPA), recai sobre os indígenas uma visão estereotipada e racista de que ao se desvincularem da natureza, deixam de ser indígenas.
“Sempre que um índio sai da aldeia e vai para a cidade, não é mais reconhecido como indígena. Ele passa a ser visto como civilizado, como caboclo, como camponês, como qualquer coisa, menos como indígena”, afirma. “Essa visão, que vem desde o Brasil Colônia, é de que o índio, para ser reconhecido enquanto tal, tem que habitar a oca, a floresta”.
Para o historiador, esse tipo de esteriótipo também é reforçado pela mídia. “Sempre que a imprensa vai entrevistar índios sobre o dia do índio, mesmo que ele esteja na universidade ou na sala de aula, os repórteres tendem a convidá-lo para conceder a entrevista na beira do rio ou debaixo de uma árvore. Isso reforça o estereótipo de que o índio é parte da natureza”, pontua.
Couto afirma que o fato de Didi Tembé falar português e ter uma motocicleta, faz com que as autoridades descaracterizem o indígena.
“Desse contexto vem o preconceito de achar que esse índio, por habitar em Capitão Poço, por estar pilotando uma moto quando foi assassinado, por falar portugês e se vestir como nós, não é mais identificado como indígena Tembé. Ele continua sendo Tembé em qualquer lugar do mundo”.
Em 12 de fevereiro, os Tembé perderam Isac Tembé, liderança de povo Tembé Theneteraha, também assassinado em Capitão Poço. Aos 24 anos, ele foi alvejado com vários tiros no peito e, segundo os indígenas, morto pela própria polícia militar. Um relatório da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Pará (Alepa) aponta diversas inconsistências no inquérito que apura o assassinato de Isac.
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Abertura de investigação
Procurada pela reportagem do Brasil de Fato, a Polícia Civil, disse, em nota que segue investigando a morte de Benedito de Carvalho. “Imagens de câmeras de monitoramento foram recolhidas para ajudar na elucidação do caso. Diligências estão sendo feitas para prender os autores do crime”.
Edição: Poliana Dallabrida
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