O grupo viajou mais de 500 quilômetros de Cabrobó até a capital para exigir a vacinação dos indígenas em contexto urbano
Indígenas da aldeia Truká ocuparam, nesta quarta-feira (26), a sede do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) em Pernambuco, que fica no bairro da Macaxeira, zona norte do Recife. O grupo viajou mais de 500 quilômetros de Cabrobó até a capital para exigir a vacinação dos indígenas em contexto urbano, como já determinou o Supremo Tribunal Federal (STF).
O cacique Bertinho e mais sete integrantes do povo Truká estão abrigados no auditório do prédio do Dsei, onde pretendem ficar até serem recebidos pelo coordenador do distrito, Antônio Fernando da Silva. A resposta dada aos indígenas é de que a reunião só deverá acontecer na próxima segunda-feira (31).
“Viajamos mais de 500 quilômetros, arriscando a vida e não podemos retornar para o sertão e voltar só na próxima semana. Vamos permanecer mesmo correndo o risco de sermos contaminados pelo coronavírus, mas a demanda nos obriga a enfrentar mais essa luta porque não medimos esforços para garantir que as políticas públicas de saúde sejam executadas para o nosso povo”, afirmou Bertinho.
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) fez a doação de comida para o primeiro dia da ocupação, mas para garantir o mínimo de condições até a próxima semana os indígenas Truká precisam de colchões, máscaras, álcool em gel e mais alimentos. Os donativos estão sendo arrecadados pelo missionário do Cimi, Angelo Bueno, que pode ser contactado pelo (81) 98774.3504.
Desobediência ao STF põe vidas em risco
De acordo com o cacique Bertinho, a negativa do Dsei em imunizar todos os indígenas vem colocando a aldeia em risco. São profissionais como professores, por exemplo, que vivem em contexto urbano, mas precisam circular dentro do território para atender as crianças. Bertinho teme que esses indígenas sejam infectados na cidade e levem o vírus para dentro da comunidade.
Dados da Secretaria Estadual de Saúde (SES-PE) mostram que pelo menos 50 indígenas da etnia Truká foram contaminados pelo Sars-CoV-2, porém sem registros de óbito até o momento.
“Venho tentando dialogar há muito tempo, mas o coordenador do Dsei diz que só tem obrigação de atender os indígenas em contexto urbano que têm alguma barreira de acesso ao SUS e que isso não existe em Pernambuco. Na verdade, nós sabemos que existem muitas barreiras, como a falta de estrutura do município de vacinar toda a população”, explicou Bertinho.
O posicionamento do Dsei e a possível omissão dos poderes estadual e municipal vão de encontro a uma decisão do STF de março deste ano. No âmbito do processo de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709, movido pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), o ministro Luís Roberto Barroso determinou que tanto povos indígenas aldeados, quanto os residentes em áreas não homologadas tivessem prioridade na vacinação contra a covid-19. Com a decisão, só no Estado cerca de 15 mil indígenas deveriam ser beneficiados.
Esse entendimento já foi assimilado pela Justiça Federal de Pernambuco que, no início deste mês, determinou que a União e a Gestão Paulo Câmara garantissem a vacinação do povo indígena Angico Pankararu, em Petrolândia, sob pena de multa diária de R$ 50 mil em caso de descumprimento. A primeira dose foi administrada na aldeia na última sexta-feira (21).
Na segunda-feira (24), a Marco Zero Conteúdo mostrou que o povo indígena Atikum Brígida, em Orocó, no sertão do estado, também ainda não teve o direito à imunização cumprido pelos executivos federal, estadual e municipal. O Ministério Público Federal expediu recomendação para que a ordem do STF seja respeitada na aldeia e a Defensoria Pública da União (DPU) estuda o ajuizamento de uma ação coletiva.
Nesta quarta-feira, o coordenador do Dsei Pernambuco, Antônio Fernando da Silva, esteve na aldeia para conversar com a lideranças Atikum e pedir o cadastro atualizado das 118 famílias que residem no território. Ele prometeu iniciar a vacinação em breve.
À noite, ao saber da ocupação pelos Truká da sede do Dsei, no Recife, Antônio Fernando gravou um vídeo com explicações. Disse que não havia “nenhum problema de saúde no território Truká”, alegando que os problemas eram pontuais e ligados a “um servidor que não cumpriu com os ordenamentos administrativos, técnicos e jurídicos”, sem entrar em detalhes sobre o assunto.
Alegou ter sido pego de surpresa pela manifestação e que está em agenda pelo Interior e só voltará à capital na sexta à noite ou sábado pela manhã e, no Dsei, na segunda. Teria disponibilizado uma casa, dentro da estrutura do Dsei, para alojar os indígenas.
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