Taxação de grandes fortunas, expulsão de empresas transnacionais e estatização estão entre as propostas da candidatura
Gabriela Moncau
Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
31 de Julho de 2022 às 11:23
Estatização das grandes empresas brasileiras, incluindo as ligadas ao agronegócio, à mineração e à indústria de energia. Taxação das fortunas e dos lucros de bilionários, além da revogação das reformas trabalhista, da previdência e do teto de gastos. Construção de seis milhões de casas a partir do fim da isenção de impostos a grandes empresas. Redução da jornada de trabalho para seis horas diárias e aumento do salário mínimo para o dobro do que é hoje. Descriminalização das drogas e o fim das polícias atuais. Demarcação das terras indígenas.
Essas são algumas das propostas do programa de governo de Vera Lúcia, que neste domingo (31) oficializa sua candidatura à presidência do Brasil, pelo Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU). A convenção do PSTU acontece a partir das 14h30 na sede do Sindicato dos Metroviários de São Paulo, no bairro do Tatuapé.
A chapa da única mulher negra pleiteando a presidência do país tem, como vice, uma indígena do povo Tremembé. Kunã Yporã, também conhecida como Raquel Tremembé, tem 39 anos, é uma pedagoga maranhense.
Kunã Yporã também integra a Associação de Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga) / Divulgação
Já Vera Lúcia tem 54 anos, é sapateira e cientista social e, apesar de morar em São Paulo há quatro anos, viveu praticamente toda a vida no Nordeste. Nasceu na caatinga do sertão pernambucano, numa família pobre de produtores, no pé da serra do município de Inajá. E cresceu na periferia de Aracaju (SE). Mais velha de 10 irmãos – sete ainda vivos – Vera desde criança se encarregou dos cuidados com a casa e as crianças.
Aos 14 anos começou a trabalhar fora de casa, mas foi aos 19 que conseguiu um emprego numa fábrica de calçados e teve contato com o ativismo e o movimento sindical. O ano era 1989 e ela, então, se filiou ao Partido dos Trabalhadores (PT). Dois anos depois, ela ajudou a criar um sindicato – do qual seria dirigente – juntando as categorias de coureiros, sapateiros e têxteis de Sergipe.
Em 1992, quando a Convergência Socialista, um grupo trotskista, foi expulsa do PT em meio a divergências sobre a mobilização pelo impeachment de Collor, Vera também saiu. Ela fundou, junto com esse e outros setores, o PSTU. Integrou a direção executiva da Central Única dos Trabalhadores (CUT) até 2005, quando se desvinculou para formar a Central Sindical e Popular Conlutas, da qual o PSTU é força majoritária. “E estou aqui até agora”, resume.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Vera explica os pontos centrais do projeto que propõe para o país. Segundo ela, são caminhos que visam “reverter a lógica do capitalismo”.
Brasil de Fato: Você já comentou sentir que houve um avanço, ao menos no âmbito do debate público, de pautas relacionadas às lutas feministas e antirracistas. Ao mesmo tempo, vemos a constância de chacinas cometidas pela polícia contra jovens negros, como as que aconteceram no Rio de Janeiro em maio e julho deste ano, casos diários de feminicídios e o aumento da fome no país. Como você vê o avanço ou o retrocesso de pautas relacionadas ao combate às opressões?
Vera Lúcia: O sistema capitalista está mergulhado numa crise desde 2008. De lá para cá vem patinando, mas nunca conseguiu de fato se recuperar. Os negros, as mulheres, os indígenas, as pessoas LGBTQIA+ e a juventude são as que mais sofrem, porque na busca por trabalho, são esses setores que vão pegar os piores empregos, os que primeiro ficam desempregados, recebem os piores salários, vivem em condições mais degradantes e estão sujeitos a todo tipo de violência.
Como consequência disso, o que a gente vê são lutas gigantescas. Aqui no Brasil as mulheres se levantam contra o Bolsonaro mesmo antes da sua eleição.
E a própria burguesia também vai se apropriando das pautas dos setores oprimidos. Você vê hoje o Carrefour se apropriar dessa bandeira, a General Motors, a própria Globo. Pegam essas bandeiras, que são a própria classe que se levanta contra o racismo, o machismo, a LGBTfobia, e se apropriam disso como se fossem defensores dessas causas. É um mascaramento. Ao mesmo tempo submetem a classe trabalhadora a condições degradantes de sobrevivência.
No seu plano de governo, vocês falam de “reverter a lógica capitalista”. Como isso se daria, por meio de propostas práticas?
De imediato, a gente precisa revogar as reformas trabalhista, previdenciária e o teto de gastos. Parar de pagar imediatamente a dívida pública, pegar esse dinheiro para aumentar o salário mínimo e garantir que todos os desempregados – não um, nem dois, são todos – tenham acesso a essa renda mínima para que possam sobreviver até entrar no mercado de trabalho.
Acabar imediatamente com a paridade de preços internacionais, a economia não pode ser dolarizada. Com isso, você acaba com a inflação que está fazendo os grandes capitalistas lucrar com a nossa fome.
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A outra coisa é estatizar imediatamente as cem maiores empresas desse país. Isso passa pelos bancos e por todo o setor do agronegócio brasileiro, mas também as indústrias, as mineradoras, a Petrobrás, que tem que revogar os leilões que foram feitos e ela voltar a ser 100% estatal, do poço ao posto.
Não é para dar controle para o Estado, para ele fazer todo o tipo de falcatrua como fazem com as estatais, que é uma grande fonte de riqueza e corrupção dos governos. Não. Os trabalhadores dessas empresas, que sabem como produzir, que sabem manusear, eles mesmos devem eleger a sua direção e, junto com a população, fazer um planejamento desde a produção até a distribuição.
Vocês também propõem a redução da jornada de trabalho para 6 horas diárias?
Sim, isso é parte fundamental nesse plano. Se a jornada de trabalho não é suficiente para absorver toda a força de trabalho que tem que entrar no mercado, você reduz a jornada. Não é deixar as pessoas fora do trabalho. É reduzir, até que todos entrem.
Se são seis horas, são seis horas, porque é o que vai garantir que todo mundo trabalhe de acordo com os meios que estão disponíveis. Se são quatro, são quatro. Mas que garanta o pleno emprego.
Vera Lúcia começou a atuar de forma intensa no movimento sindical aos 21 anos, em Aracaju (SE) / Romerito Pontes / Divulgação
Em relação à defesa do meio ambiente e dos territórios de agricultores familiares, dos povos quilombolas, ribeirinhos e indígenas: essas questões são inseparáveis de um embate com grandes empresas ligadas ao agronegócio, ao comércio de madeira e à mineração, por exemplo. Você falou da estatização, mas a maioria dessas empresas não são brasileiras. São multinacionais, com sede principalmente na Europa, nos Estados Unidos e na China. Como você pretende lidar com isso?
É necessário fazer um embate com as empresas capitalistas nacionais e multinacionais. E a estatização passa por isso. De todas elas: as mineradoras, madeireiras, a indústria de energia.
Estatizar é mudar o título de propriedade. Isso é fácil. O mais difícil é assegurar o controle sobre as terras, sobre os meios de produção. Porque esses setores entraram aqui, muitos deles, só com o CNPJ. Tudo o que eles têm aqui é do Brasil, não é deles. Quem tem que sair daqui são eles. Eles vão pegar a muamba deles e vão embora.
Esse embate é um embate político: eles dizendo que vão levar e nós dizendo que não vão levar. Eles dizendo que vão querer ficar e nós dizendo para eles irem embora, porque isso aqui é nosso. Na verdade, estamos buscando o que é nosso. E que está nas mãos deles.
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Quem foi que disse que isso aí pertence a essas empresas multinacionais e à grande burguesia brasileira? Pertence aos povos indígenas, pertence a nós trabalhadores, que produzimos toda essa riqueza e eles só se apropriam disso e levam para as suas contas bancárias, inclusive fora do país.
Queremos essa terra para produzir segundo as nossas necessidades, protegendo o meio ambiente, numa relação de harmonia com a natureza, utilizando toda a tecnologia desenvolvida para salvar as nossas vidas. Porque tem. A gente passa fome no meio da abundância de alimentos. Estamos acabando com a natureza para satisfazer o lucro desse povo e quem vai morrer somos nós. Porque já estamos morrendo.
Não é tão comum candidatos falarem de revolução. Como se combina uma proposta de ruptura sistêmica com a disputa por ocupar institucionalmente o posto mais importante do Estado brasileiro? E qual a importância de falar sobre revolução?
A revolução é uma necessidade. O socialismo é uma necessidade. Porque o sistema capitalista já deu todas as provas de que não serve para a imensa maioria da humanidade. E é nocivo em todos os sentidos, para a humanidade no conjunto e para toda a existência no planeta Terra.
O sistema socialista é a socialização de tudo isso que existe, colocado para atender as necessidades da população. Que já trabalha, já produz – só não se apropria do resultado do trabalho. Todo o trabalho é feito social e coletivamente, mas é apropriado de forma privada por um grupo pequeno, donos ou grupos de acionistas nacionais e internacionais. E todo o Estado está montado para garantir isso.
Dei uma entrevista para uma emissora na Paraíba, que disse assim: “o PSTU é de ultraesquerda”. Não, nós não somos de ultraesquerda. Somos revolucionários socialistas. Nós estamos dentro do sistema capitalista e queremos, dentro dele, criar as condições para suplantá-lo.
Quando dizemos que o PSTU quer governar o Estado brasileiro, o país, nós não queremos governar em nome da classe trabalhadora. Queremos, com a classe trabalhadora brasileira, governar o país. Por isso a gente não faz aliança com nenhum setor da burguesia.
Nós não fazemos isso como faz o PT. Que em nome de tirar Bolsonaro, se abraça com o centrão, a direita, e ainda carrega uma parte da esquerda como o PSOL, o PCdoB e até a Causa Operária para dentro dessa aliança.
Porque o projeto que nós temos para a sociedade brasileira requer essa independência de classe e requer, para a implementação disso, a própria classe trabalhadora brasileira organizada e mobilizada.
Edição: Thalita Pires
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