Grupo liderado pela cacica Iracema Gãh Té Nascimento foi até o órgão motivado pela urgência de novo pedido de reintegração de posse – Foto: Pedro Neves
Diante da iminência de expulsão da área, comissão liderada pela cacica ficará no local até que órgão se manifeste
Pedro Neves
Um grupo de indígenas da Retomada Multiétnica Gãh Ré, localizada no Morro Santana, em Porto Alegre, ocupou a Coordenação Técnica Local (CTL) da Fundação Nacional do Índio (Funai), na capital gaúcha, na manhã desta quinta-feira (16).
O grupo, liderado pela cacica Iracema Gãh Té Nascimento, foi até o órgão motivado pela urgência do novo pedido de reintegração de posse, emitido no dia 14 de março pela juíza federal Maria Isabel Pezzi Klein, da 9° Vara Federal de Porto Alegre.
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A decisão liminar estabeleceu o prazo de cinco dias úteis para a desocupação voluntária da área, contrariando a decisão anterior que havia decidido pela criação de uma comissão de conciliação de conflitos antes de qualquer medida de uso da força. A comunidade da retomada ainda não recebeu o oficial de justiça para ser intimada, o que pode acontecer a qualquer momento.
Dessa forma, diante do perigo iminente, a comissão indígena se deslocou até à sede da Funai para exigir uma manifestação do órgão e tentar brecar o processo.
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Pedido de interferência em Brasília
Recebidos pelo servidor responsável, o grupo exigiu que a CTL contatasse o órgão responsável pela mediação em Brasília, diante da impossibilidade de alguma medida diferente ser tomada localmente. A principal reivindicação, desde o início da ocupação na área no Morro Santana, é pela instalação de um Grupo de Trabalho (GT) para avaliar a demarcação da terra. O pedido tramita no órgão desde 2008.
Enquanto a reportagem do Brasil de Fato RS esteve no local, ainda não havia sido bem sucedida a tentativa de contato com a Funai em Brasília, nem com o Ministério dos Povos Indígenas. Somente se conseguiu contato com o coordenador regional da Funai, Luis Carlos da Silva Junior.
Em vista da demora em obter algum resultado, os indígenas decidiram ficar no local até terem uma resposta concreta. “Se acontecer alguma coisa ali, vai ser mais uma morte na mãos da justiça”, protestou a cacica, durante ligação telefônica com o coordenador.
A comunidade anseia que a criação do GT, com a consequente demanda por estudos na área, possa interromper os pedidos de expulsão de área. Além disso, outra demanda importante é que a Funai se manifeste no processo movido pelo grupo proprietário da área, algo que ainda não aconteceu.
Conforme explicou o servidor da CTL, a defesa da família Maisonnave não colocou a Funai como réu no processo de reintegração de posse, de forma que tramitou sem que o órgão tomasse conhecimento. Informou também que esse tipo de ação é irregular, visto que, em outros casos semelhantes, os proprietários elencam a Fundação como um dos réus quando pede a reintegração de alguma área ocupada.
O Grupo Maisonnave pede a reintegração de posse, pois pretende construir um condomínio habitacional de edifícios com mais de 11 andares e 800 vagas para estacionamento na região.
Prática “racista”e que remete aos “tempos da ditadura”
Além da reintegração de posse e pedido de saída dos indígenas da área, outra decisão contida no mesmo despacho de Maria Izabel Pezzi Klein causou revolta entre a comunidade da retomada. A juíza determina a remoção da comunidade Gãh Ré para a área indígena mais próxima, no Cantagalo, extremo sul da Capital gaúcha, que é uma local de ocupação do povo indígena Mbya Guarani.
Os indígenas da Retomada Gãh Ré são das etnias Kaingangue e Xokleng. Eles consideram a decisão um grande desrespeito para consigo e para os próprios Guarani.
“É uma decisão que parece que estamos vivendo nos tempos da ditadura, nos jogando contra outro povo. Com respeito ao povo guarani, não podemos violar o território deles. Não temos a mesma cultura, o nosso dialeto é diferente, nossas crenças são diferentes. Por isso queremos ficar no Morro Santana que é o território Kaingang, comprovado cientificamente por estudos”, relata nota divulgada pela retomada.
Ainda, segundo nota divulgada pela Equipe Porto Alegre do Conselho Indigenista Missionário e pela Equipe Sul do Conselho de Missão entre Povos Indígenas, a decisão “é racista, abusiva e demonstra total desconhecimento acerca das culturas, dos saberes e dos modos de ser e viver dos povos indígenas no Brasil”.
Na mesma nota, as equipes afirmam que esse tipo de prática era comum durante a ditadura militar, quando se removiam de forma forçada os indígenas de suas terras tradicionais, para serem realocados em áreas reservadas para outras etnias.
Ambas as entidades também esperam que haja uma atuação do governo federal, através da Funai e da Advocacia-Geral da União ( AGU), para que integrem o processo enquanto partes interessadas. Também esperam que se cumpra decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) quanto à criação, pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), de Comissão de Conciliação de Conflitos envolvendo ações de reintegração de posse.
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Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Marcelo Ferreira
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