Mulheres indígenas de todo o país foram protagonistas da programação, dessa  sexta-feira (8), do Acampamento Terra Livre 2022 (ATL). Juntas, compartilharam conhecimentos, lutas enfrentadas no dia a dia e o compromisso de entrar na política institucional 

POR ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DO ATL 2022

A força das mulheres originárias marcou  a última sexta-feira (8), quinto dia do Acampamento Terra Livre 2022 (ATL), fazendo quem estava por perto dançar, cantar e se emocionar. Com o tema “Nossas Vozes Ancestrais Retomando o Brasil: Demarcar Territórios e Aldear a Política”, mulheres de todas as regiões do país compartilharam, no palco principal do acampamento, suas vivências, conhecimentos e a ambição de alcançar espaços na política institucional.

Abrindo a plenária “Retomando o Brasil: Vozes Diversas das primeiras brasileiras”, Sônia Guajajara, coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), disse que “já passou do tempo de as mulheres indígenas ainda estarem em papéis secundários”.

“Hoje, nós mulheres, estamos presentes em muitos espaços, de participação, de controle social, nas universidades, mulheres profissionais, mulheres cacicas e mulheres parlamentares. Hoje podemos sim participar e construir um Brasil que caibam todas nós. Somos muitas e diversas. Estamos aqui em nome das que nos antecederam e daquelas que ainda virão”, afirmou a coordenadora.

Sônia reforçou, ainda, a importância de as mulheres indígenas ocuparem espaços políticos, como cargos no Congresso Nacional. “Não podemos seguir sendo violentadas e assassinadas. Queremos fortalecer essa luta para além do chão da aldeia, para também construirmos políticas específicas, adequadas às nossas realidades. Lutar por direito não é pedir favor, porque direito não se agradece, direito se implementa”.

Em seguida, mulheres de todo o país tiveram a oportunidade de representar seus povos e compartilhar os principais obstáculos enfrentados: o machismo e a agenda anti-indígena do Congresso Nacional e do governo brasileiro. Em seus discursos, elas clamaram palavras de força, incentivando as mulheres presentes no Acampamento – entre elas, crianças, jovens e anciãs.

Da aldeia Teles Pires, divisa entre Mato Grosso e Pará, Ediene Munduruku trouxe para Brasília a sua resistência e prometeu continuar lutando contra os “projetos da morte” da base governista.

“Repudiamos o governo Bolsonaro genocida. O povo Munduruku diz ‘não’ ao PL 191 e ‘não’ ao marco temporal. Resistimos com toda a força de poder de nossas ancestralidades. Estamos aqui para defender os nossos costumes e direitos. Queremos os nossos territórios, vidas e futuro livres. Não aceitamos devastação, destruição e não aceitamos mais ameaças contra as mulheres indígenas. Não irão matar as nossas vozes, porque somos a resistência de nossos territórios”, afirmou Ediene.

Inspirada pelo pai, Samira Xavante, do povo Xavante, localizado em Mato Grosso, também se deslocou até a capital federal para defender seu povo, especialmente pelas mulheres e pelas futuras gerações. Em coro com Ediene, Samira também fez críticas ao avanço de projetos implementados pelo atual governo.

“Antes de falecer, meu pai havia me falado: ‘não é porque você é mulher que não vai poder lutar pelo seu povo. Você é minha filha mais velha, continue essa luta, porque um dia eu não estarei mais aqui’. E hoje eu estou aqui, dando continuidade a esse legado. Não é fácil para nós, mulheres indígenas. Muitos acham que a gente deve apenas cumprir com tarefas básicas, mas nós vamos muito além. Estamos aqui conquistando os nossos espaços. Hoje estou aqui para somar forças com vocês, precisamos pensar no futuro de nossos filhos e netos. O discurso do agronegócio vem chegando e nos ameaçando. Mas não vamos permitir. Queremos preservar a nossa cultura, a luta das nossas lideranças e dos nossos antepassados que abriram caminhos para que nós pudéssemos estar aqui hoje”, afirmou.

Luisa Canuto, do povo Tabajara, do Ceará, lembrou que, dentro do “pacote de destruição” tem um “item mais cruel”: o machismo. “Com esse pacote de destruição, estamos esquecendo que tem um item mais cruel, que mata mais do que o câncer, mais do que a guerra entre Rússia e Ucrânia. É o machismo. Esse é o pior ítem e temos que tirá-lo de nossos territórios. Fora machismo! Queremos nossa liberdade. Amém!”, clamou.

Durante a plenária, outras mulheres também denunciaram casos de machismo que ocorrem dentro dos territórios. Entre elas, Txuluhn Xokleng. “Venho denunciar as perseguições que as mulheres sofrem dentro dos territórios indígenas. Os homens não aceitam que a gente alcance outros espaços. Por isso, vamos juntas, somar forças e ecoar o nosso grito”, afirmou Txhuluhn.

Do povo Guarani, Jane Guarani disse que a Lei da Maria da Penha “foi criada moldada para atender mulheres brancas” e que, como “futura advogada”, irá lutar por todas as mulheres indígenas.

“Eu sou do povo Guarani, mas sinto a dor das Kaingang, das Xokleng, de qualquer mulher indígena. Eu, como futura advogada, quero estar lutando por vocês. Nós, mulheres indígenas, não somos contempladas pela Lei Maria da Penha, porque ela foi criada no molde da mulher branca. E aproveito para falar: ‘fora, Bolsonaro!’ e fora todas as lideranças que querem repreender as mulheres indígenas”, finalizou, emocionada.

Parenta vota em parenta

“Nós pelas que nos antecederam, nós por nós e nós pelas que virão” foi o tema que guiou os debates da tarde desta quinta-feira (8), no 18° Acampamento Terra Livre. Na mesa, foram anunciadas as pré-candidaturas para deputadas federais de Sônia Guajajara, Célia Xakriabá, Juliana Jenipapo Kanindé, Eunice Kerexu, Vanda Ortega, do povo Witoto do Amazonas, Telma Taurepang e Larissa Pankararu. E as pré-candidaturas a deputadas estaduais de Chirley Pankará, co-deputada pela Mandata Ativista, do PSOL em São Paulo; Eliane Xunakalo; Simone Karipuna; Comadre Guerreira Potiguara, da Paraíba; Airy Gavião, do povo Gavião e do povo Tukano, do mandato coletivo indígena do Distrito Federal; Val Eloy, do povo Terena do Mato Grosso do Sul; Geni Guarani, Tereza Arapium, cacica da aldeia Andirá do baixo Tapajós e Joênia Wapichana, a primeira mulher indígena a exercer o cargo de deputada federal no Brasil.

O anúncio das candidatas foi precedido pela bênção do povo Guarani, que se reuniu em canto e reza em torno das mulheres. Em seguida, Sônia Guajajara abriu as falas destacando que a inserção na política institucional não é uma escolha, mas um desafio que a história impôs a elas, porque é preciso participar das decisões deste país.

“Não vamos enfrentar, porque a gente quer, porque a gente está atrás de cargos ou de regalias. Não. É porque nos cansamos de ver nossas crianças sendo sugadas pelas dragas do garimpo ilegal, crianças sendo contaminadas pela lama. A lama que não vale a vida de ninguém. Não queremos mais ver nossas florestas sangrar, os animais serem queimados, o agronegócio adentrar nos nossos territórios, matando com veneno as crianças que ainda estão no útero da sua mãe, crianças sendo degoladas. Não queremos mais ver nossas mulheres sendo violentadas, assassinadas e o estado não tomar nenhuma providência”, alertou a liderança.

Sônia apontou a intenção de substituir as bancadas ruralista, da bala e da bíblia por uma bancada indígena, a “Bancada do Cocar”. “Queremos que o Congresso Nacional tenha a cara do Brasil e, para ter a cara do Brasil, tem que ter mais mulheres indígenas”. Sônia concorrerá para deputada federal pelo estado de São Paulo.

Célia Xacriabá, pré-candidata ao Congresso Nacional, por Minas Gerais, contou que a pergunta mais repetida para ela é: “mas vocês estão preparadas? Como se prepararam?”. E respondeu: “nós nos preparamos na luta, eu me preparei com meu povo Xacriabá, no chão do meu território. Nós somos mais preparadas, porque somos nós que não temos a mão suja de sangue nem de lama da mineração. Porque a primeira pessoa que o governo Bolsonaro atacou foi uma mulher e essa mulher é a terra. E quando atacam a terra, atacam a todas nós”.

A futura representante Xacriabá no Poder Legislativo analisou que os povos indígenas, mesmo sendo apenas 5% da população, cuidam de 83% da biodiversidade do mundo. Para ela, esta representação também é dos mais de 4 milhões de indígenas que foram tombados nesse Brasil e se trata de combater o racismo e o machismo institucional e retomar a democracia.

“Não é pelo poder, mas para poder fazer. Não é para corromper, mas é para romper amarras. Falam tanto de pátria, mas não existe amor à pátria sem respeitar as mulheres mátria. Acreditamos que é possível legislar não só com a caneta, mas levar a força do jenipapo e do urucum. Não podemos retomar a democracia neste ano da eleição de 2022 se não existir a presença de mulheres indígenas no Congresso Nacional”. Célia também pretende fazer uma unificação da bancada do “Turbante de Cocar”.

Vanda Ortega, do povo Witoto do Amazonas, criticou alguns partidos que criam candidaturas para atender cotas, mas não criam condições reais para as candidaturas. “Os partidos querem somente a nossa causa, mas não querem mulheres indígenas no poder. Não há uma construção dentro dos partidos para que essas mulheres sejam eleitas. Estou aqui, porque não podemos mais aceitar os homens brancos que não sentem nossas dores, que não sentem o que passamos nos nossos territórios, que não defendem nossos territórios”.

Telma Taurepang, do estado de Roraima, ressaltou a importância da unidade das mulheres no projeto de aldear a política. “Não vamos deixar partido nenhum nos dividir. A minha luta vai ser contra aqueles que não nos querem ver vivos. Aqueles que estão há mais de 20, 30 anos para nos destruir. Que fazem PLs [Projeto de Lei], PECs [Proposta de Emenda à Constituição] para nos matar. Hoje os povos indígenas estão atravessando o mar vermelho. Precisamos ter fé, sem a fé não somos nada. Espero que ano que vem a gente faça um novo Acampamento Terra Livre, mas com pessoas compromissadas com o povo, eleitas no Congresso Nacional”.

ATL 2022

Considerada a maior mobilização indígena do Brasil, o acampamento ocorre no mesmo período em que o Congresso Nacional e o governo brasileiro pautam a votação de projetos que violam os direitos dos povos indígenas. O chamado”Pacote da Destruição” coloca em pauta, além do marco temporal, a legalização de garimpo dentro dos territórios, a flexibilização de leis ambientais e a regularização de terras griladas.

A mobilização é uma realização da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que volta a Brasília, neste ano, com o tema ‘Retomando o Brasil: Demarcar Territórios e Aldear a Política’. O ATL encerra no dia 14 de abril.

Acesse a programação, aqui.

Fonte: https://cimi.org.br/2022/04/emocao-e-forca-mulheres-indigenas-compartilham-suas-vivencias-e-projetam-aldear-a-politica/

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