A criação da reserva foi determinada pelo TRF1 após ação civil pública (ACP) movida contra o Estado; a decisão pode retirar o povo de condições de extrema vulnerabilidade
POR MAIARA DOURADO, DA ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DO CIMI
Na última semana, lideranças do povo Krahô Takaywrá estiveram em Brasília (DF) para cobrar o andamento no processo de criação de uma reserva indígena que pode garantir o modo de vida e a subsistência de mais de 200 famílias da comunidade. Em fevereiro de 2020, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) determinou a criação da reserva após ação civil pública (ACP) movida pela comunidade, por meio do Ministério Público Federal do estado do Tocantins (MPF-TO), contra a União e a Fundação Nacional dos Povos indígenas (Funai).
A decisão do TRF1 se ampara no artigo 27 do Estatuto do Índio, que define como reserva indígena “uma área destinada a servidor de habitat a grupo indígena, com os meios suficientes à sua subsistência”. Essa tem sido a principal demanda do povo Krahô Takaywrá, uma terra onde possam viver e se fortalecer enquanto grupo. Contudo, para sua constituição, é preciso que a Funai dê encaminhamento a um edital, já elaborado e discutido com a comunidade, para selecionar imóveis que possam ser adquiridos pelo Estado e, por sua vez, destinados ao povo.
O TRF1 determinou a criação da reserva após ação civil pública (ACP) movida pela comunidade
No dia 16 de março, lideranças Krahô Takaywrá, em diálogo com a Funai, solicitaram o andamento do edital a fim de garantir a criação da reserva indígena. Na ocasião, Joenia Wapichana, presidenta da Funai, se comprometeu com o povo a dar prosseguimento ao edital, que se encontra em análise jurídica na instituição. A ACP está paralisada desde a última sentença que obriga o Estado a criar a reserva indígena, devido ao recurso interposto pela Funai. A expectativa é que, com a publicação do edital, se possa enfim dar andamento à criação de um território Krahô Takaywrá.
Proibições e restrições
Há mais de 15 anos, esse povo vive em condições de extrema insegurança e vulnerabilidade social em uma área de preservação permanente (APP) localizada dentro do assentamento São Judas Tadeu, que fica no município da Lagoa da Confusão, no estado do Tocantins.
A área, que hoje abriga a aldeia Takaywrá, possui um tamanho reduzido e uma série de restrições que impedem esse povo de viver em família e se constituir enquanto comunidade. “Às vezes, tem algum parente que quer ir para lá, mas não tem nenhum local para fazer casa”, conta Renato Pypcrê Pityj Cruz Lima Krahô, presidente da Associação Indígena Krahô (AIK – Irom Kam Cô).
“Às vezes, tem algum parente que quer ir para lá, mas não tem nenhum local para fazer casa”
Ele relata também dificuldades referentes ao acesso e à qualidade da água e aos alagamentos frequentes no período de inverno, bem como as interdições decorrentes da legislação ambiental que regulamenta a área que ocupam. “Teve um tempo que estavam proibindo a gente até de tirar a madeira para fazer as casas, porque é uma área de preservação”, explica a liderança.
Os alagamentos em decorrência das fortes chuvas e das cheias dos rios também têm afetado drasticamente as famílias da aldeia Takaywrá que, de forma precária, improvisam, com madeiras e tijolos, pontes e passagens para caminhar e se proteger da água. Em casos extremos, muitas famílias se deslocam por um período de suas casas e se abrigam de forma improvisada em áreas vizinhas.
“Teve um tempo que estavam proibindo a gente até de tirar a madeira para fazer as casas, porque é uma área de preservação”
“Então nesse período muitas pessoas saem, outras voltam depois, porque não têm condição para você ficar ali. Por exemplo, tem uma família de três, quatro, cinco pessoas que não tem como plantar, daí ela vai sobreviver de que?”, questiona Renato.
A grave situação de vulnerabilidade que vivem os indígenas Krahô Takaywrá exige uma resolução urgente para a questão territorial na qual se encontram. Para eles, a abertura do edital e a criação de uma reserva que delimite um território próprio são a saída para se enfrentar os impactos ambientais e as restrições sofridas por estarem em uma área de APP.
“Nesse período muitas pessoas saem, outras voltam depois, porque não têm condição para você ficar ali”
“Uma luta que vem de muito tempo”
Em 1976, os Krahô Takaywrá foram expulsos de seu território por um fazendeiro que se dizia dono da terra que os indígenas ocupavam. “Quando a gente estava começando a viver lá, que já tinha alguma coisa, tinha a roça, tinha a mandioca, que a gente já estava mais ou menos, ele tirou nós, botou no caminhão dele e jogou no meio da cidadezinha”, lembra José Valdete Ribeiro da Costa Krahô, cacique da aldeia Takaywrá.
A expulsão gerou a dispersão dos indígenas e sérios prejuízos culturais a esse povo, que hoje luta para se reagrupar e se reconstituir enquanto comunidade. “Nós viemos de uma luta de muito tempo, fomos retirados de um território de forma forçada, e o nosso pessoal se espalhou por vários e vários lugares. Para poder sobreviver, alguns tiveram que ir trabalhar em fazenda, outros ficaram na cidade. Então houve aquela mistura, aquela miscigenação”, conta o Renato.
“Nós viemos de uma luta de muito tempo, fomos retirados de um território de forma forçada, e o nosso pessoal se espalhou por vários e vários lugares”
“Com essa luta, nós chegamos a uma conclusão de que era necessário nos reunirmos. Porque tinha um de um lado, outro do outro, outro ali, outro acolá, e aquilo não estava dando certo. Então foi aí que a gente decidiu se reunir”, conta a jovem liderança.
Em 2008, a comunidade criou a aldeia Takaywrá em um assentamento rural situado no município de Lagoa de Confusão (TO), por meio de um acordo estabelecido entre a comunidade, o MPF e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O acordo previa a permanência provisória dos indígenas na APP do assentamento rural, mas se estende há mais de 15 anos desde sua criação. A permanência na área de assentamento se deve à morosidade no processo de criação da área de reserva.
“Nós chegamos a uma conclusão de que era necessário nos reunirmos. Porque tinha um de um lado, outro do outro, outro ali, outro acolá, e aquilo não estava dando certo”
“Nós precisamos de uma terra. Não dá para a gente ficar um para um lado, outro para outro, igual a gente estava”, reivindica Renato. A insegurança vivida pelo povo Krahô Takaywrá quanto à delimitação de um território próprio ainda é uma realidade. A conquista de um território é por eles entendida como uma forma de pôr fim ao destino de expulsão e dispersão a eles imputado, quando poderão, enfim, viver em plenitude como comunidade e garantir a reprodução de sua cultura e modo de vida.
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