Em diálogo com órgãos responsáveis pela política indigenista, em Brasília, Eapil busca reconhecimento à existência de indígenas livres no Brasil e cobra medidas de proteção a 117 povos em isolamento
POR MAIARA DOURADO, DA ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DO CIMI
Entre os dias 20 e 22 de junho, membros da Equipe de Apoio aos Povos Indígenas Livres (Eapil) do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) estiveram em Brasília para participar de uma série de reuniões com órgãos do governo, instituições jurídicas e entidades de proteção e defesa dos direitos humanos a fim de dar visibilidade e buscar reconhecimento à existência de povos indígenas em isolamento voluntário no Brasil.
Na incursão em Brasília, integrantes da Eapil se reuniram com membros da Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (CGIIRC-Funai), representantes da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (MPF) e integrantes do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH).
“Estamos pedindo uma ação por parte desses órgãos para proteger os povos em isolamento voluntário, principalmente os que estão em territórios não demarcados”
“Estamos pedindo uma ação por parte desses órgãos para proteger os povos em isolamento voluntário, principalmente os que estão em territórios não demarcados. Para os povos que estão dentro de terras demarcadas, a gente tem cobrado que seja feita a proteção dos territórios”, explica Gilderlan Rodrigues, coordenador da Eapil.
Ainda nos encontros com membros dessas instituições, a equipe relatou fortes evidências sobre a presença de povos livres situados em distintas localidades da região amazônica, em sua maioria ainda não reconhecidos pela Funai. Dos 117 registros de povos em isolamento em todo território nacional levantados pela base de dados da Eapil – e que fundamentam o levantamento de 2021 do relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – apenas 28 possuem confirmação da Funai.
“Para os povos que estão dentro de terras demarcadas, a gente tem cobrado que seja feita a proteção dos territórios”
“Isso quer dizer que para o Estado mais de 80 povos que podem existir estão completamente descobertos por qualquer medida de proteção. Nos preocupa muito, porque tem um universo grande de povos que não tem nenhuma política de proteção. Então, como fazer avançar essas medidas preventivas?”, questiona Guenter Francisco Loebens, um dos integrantes da Eapil, em reunião com representantes do CNDH.
Para o missionário, o Estado deveria se antecipar e adotar medidas de precaução para assegurar a vida desses povos, pois “o que tem acontecido historicamente é que, quando o Estado confirma a presença [desses povos], já é tarde”. O exemplo mais emblemático da situação relatada por Francisco é o do último sobrevivente do massacre do povo Tanaru, o “índio do buraco”, encontrado morto em agosto do ano passado na região do rio Corumbiara, em Rondônia.
“Para o Estado mais de 80 povos que podem existir estão completamente descobertos por qualquer medida de proteção”
O caso é simbólico pois denota o alto custo de se protelar ações protetivas a esses povos. “Se há notícias, informações sobre a existência desses povos, por que não avançar com medidas de restrição de uso ou instalar base de proteção etnoambiental para monitoramento e fiscalização da Funai”, cobra o integrante da Eapil.
Povos ameaçados
A Amazônia brasileira comporta o maior número de indígenas em isolamento voluntário do país, sendo a Terra Indígena (TI) Vale do Javari, região com a maior concentração de povos livres – ou em isolamento – no mundo. A região exposta a invasões, empreendimentos e toda sorte de pressão externa, coloca um sinal de alerta sobre esses povos, dado os riscos de extermínio que incidem sobre eles.
São inúmeras as situações de ameaças por eles sofridas e que vem sendo, sistematicamente, denunciadas pela equipe do Cimi, que tem cobrado providências do Estado. Os casos destacados pela Eapil são notadamente críticos, pois caracterizam as graves ocorrências de invasões e impactos de grandes empreendimentos sobre os povos em isolamento.
A Amazônia brasileira comporta o maior número de indígenas em isolamento voluntário do país
A situação se agrava com a falta de estudos e registros por parte da Funai sobre a existência desses povos e que, por sua vez, garantem o estabelecimento de medidas de proteção oficial que se dão por meio da emissão de portarias de restrição de uso e a instalação de bases de proteção etnoambiental para monitoramento e fiscalização. Isso, apesar da solidez dos indícios e relatos apresentados pela equipe do Cimi à instituição.
Segundo a base de dados da Eapil, há apenas cinco portarias de restrição de uso atualmente em vigência no Brasil. O dispositivo de proteção oficial da Funai limita o ingresso de terceiros em áreas onde há presença de indígenas em isolamento voluntário e proíbe a realização de atividades econômicas ou comerciais no local. O instrumento é a principal medida da Funai para proteção de povos livres localizados em áreas não demarcadas. O número de portarias em vigor, no entanto, se mostra insuficiente em face da possibilidade de existência de 45 povos em terras indígenas não demarcadas.
Segundo a base de dados da Eapil, há apenas cinco portarias de restrição de uso atualmente em vigência no Brasil
BR-319
Desde 2006, a Eapil tem relatado indícios concretos da presença de povos livres na área onde está em execução o projeto de reasfaltamento da BR-319. A obra na rodovia, que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO), tem sido alvo de vigilância de membros do Cimi, dada a pressão que pode gerar sobre esses povos. “Inclusive está sendo aberto uma vicinal clandestina que passa pelo território onde estão esses vestígios”, alerta Guenter Francisco Loebens, da Eapil.
“Inclusive está sendo aberto uma vicinal clandestina que passa pelo território onde estão esses vestígios”
De acordo com o documento da Eapil entregue à Funai, trata-se de uma estrada clandestina, sendo aberta sem consulta livre, prévia e informada – como determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) – e sem licenciamento ambiental.
Na localidade, há inúmeros relatos de invasores envolvidos na construção da estrada ameaçando a comunidade local. As ameaças, segundo moradores do entorno, são do tipo “quem não sair por bem, sairá por mal”, informa um dos depoentes não identificados por medidas de segurança.
As ameaças, segundo moradores do entorno, são do tipo “quem não sair por bem, sairá por mal”
Isolados em terra Karipuna
Outro caso levado às autoridades e órgãos oficiais, e que também tem sido alvo de vigilância da equipe, diz respeito à ocorrência de vestígios humanos encontrados em território Karipuna. Há fortes evidências de que os sinais tenham sido deixados por indígenas em isolamento.
Segundo Verginia Miranda de Sousa, missionária do Cimi Rondônia e também integrante da Eapil, os relatos sobre povos em isolamento na região remontam aos anos de 1980, mas sua frequência tem se intensificado com o aumento das invasões em território Karipuna.
Há fortes evidências de que os sinais tenham sido deixados por indígenas em isolamento
“De três anos para cá, eles começaram a ver vestígios [dos indígenas em isolamento]. No ano passado, eles [os Karipuna] viram em agosto e em novembro, e esse ano [2023] já foram duas vezes, uma em janeiro e agora em maio. Isso significa que as invasões estão chegando onde eles estavam”, explica Verginia, que informou que o último vestígio desses indígenas em território Karipuna foi encontrado há 6 km de distância da aldeia.
O território Karipuna é demarcado, mas há pelo menos sete anos denunciam a grave situação de invasão em seu território.
“As invasões estão chegando onde eles estavam”
Eapil
A Equipe de Apoio aos Povos Indígenas Livres é composta por nove missionários dos sete regionais do Cimi localizados na Amazônia brasileira. Desde 2006, a Eapil tem atuado em defesa dos povos em isolamento voluntário no Brasil “dando visibilidade à situação de vulnerabilidade na qual esses povos têm sido colocados”, explica Gilderlan.
Além disso, a equipe tem feito um trabalho de levantamento de dados e informações a fim de qualificar tecnicamente as denúncias de ameaças a povos livres. Para isso, realizam expedições e coletam relatos de povos indígenas e moradores de regiões onde há indícios da presença desses povos.
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