No Conselho de Direitos Humanos da ONU, Tatiane Sanches denunciou o aumento da intolerância religiosa contra os Guarani e Kaiowá e a queima criminosa de casas de reza
POR ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DO CIMI
Nesta quinta (10), a jovem Tatiane Sanches, do povo Guarani Kaiowá, denunciou ao Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) “o aumento sistemático da violência” motivada por intolerância religiosa contra os povos Guarani e Kaiowá, no Mato Grosso do Sul. A denúncia tratou, especialmente, da prática de queima criminosa de casas de reza – ogapisy, no idioma Guarani – por religiosos fundamentalistas.
A denúncia foi feita durante um Diálogo Interativo com o relator especial da ONU sobre liberdade religiosa ou crença, Ahmed Shaheed. A atividade integra a 49ª sessão do Conselho de Direitos Humanos (CDH 49), que iniciou no dia 28 de fevereiro e se estende até o dia 1º de abril.
“A cada dia, igrejas evangélicas fundamentalistas invadem nossos territórios, deixando um rastro de extermínio cultural”
“A cada dia, igrejas evangélicas fundamentalistas invadem nossos territórios, deixando um rastro de extermínio cultural. Queimar uma casa de reza representa uma violência tão profunda que atinge nosso corpo, mente e alma”, denunciou a indígena.
Tatiane pediu ao Relator Especial que questione o Brasil sobre as ações tomadas para proteger as casas de reza Kaiowá e Guarani e sobre as iniciativas tomadas para “condenar rigorosamente todos estes atos” cometidos por fundamentalistas contra a espiritualidade tradicional indígena.
“Tatiane pediu ao Relator Especial que questione o Brasil sobre as ações tomadas para proteger as casas de reza Kaiowá e Guarani e sobre as iniciativas tomadas para ‘condenar rigorosamente todos estes atos’”
Intensificação dos ataques
Em sua breve manifestação, a jovem Kaiowá relembrou alguns dos ataques recentes contra casas de reza de seu povo. Apesar de não ser uma novidade, os atentados contra a espiritualidade indígena intensificaram-se nos últimos três anos. Segundo a Aty Guasu – Grande Assembleia dos povos Kaiowá e Guarani, pelo menos sete casas de reza foram criminosamente incendiadas em 2021 no Mato Grosso do Sul.
“Em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, tivemos uma das maiores casas de reza do meu povo criminalmente incendiada por apoiadores do governo”, recordou Tatiane. No mês de julho daquele ano, um incêndio criminoso destruiu a casa de reza da aldeia Jaguapiru, na reserva indígena de Dourados (MS).
“Em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, tivemos uma das maiores casas de reza do meu povo criminalmente incendiada por apoiadores do governo”
A jovem indígena é neta de uma importante liderança espiritual Guarani Kaiowá, a nhandecy – rezadora – Roberta Ximenes, do tekoha Jaguapiré, no município de Tacuru (MS). Em março de 2020, sua ogapysy foi destruída pelo fogo, alvo da intolerância religiosa.
“Em 2020, minha avó Roberta Ximenes, de 82 anos, uma liderança religiosa do meu povo, teve sua casa de reza incendiada. Nela, minha avó protegia objetos sagrados do meu povo que tinham mais de 200 anos”, relatou Tatiane ao relator da ONU. “Naquele ano, outras duas casas foram queimadas, e em 2021 outras oito casas de reza foram destruídas”.
“Em 2020, minha avó Roberta Ximenes, uma liderança religiosa do meu povo, teve sua casa de reza incendiada. Nela, minha avó protegia objetos sagrados do meu povo que tinham mais de 200 anos”
Entre 2019 e 2021, pelo menos sete tekoha dos povos Guarani e Kaiowá sofreram com o incêndio criminoso de casas de reza. No caso do tekoha Rancho Jacaré, localizado no município de Laguna Carapã (MS), a ogapysy foi destruída por chamas criminosas pelo menos duas vezes no ano de 2021 – a última delas em outubro, dois meses após sua reconstrução. Até a casa do rezador da comunidade foi alvo da ação de fundamentalistas religiosos.
O preconceito e a intolerância religiosa agravam, no caso dos povos Guarani e Kaiowá, o contexto de falta de terra e de acesso a condições mínimas de vida e a direitos fundamentais – como saúde, educação e saneamento básico.
Além do contexto de intolerância e do simbolismo que representa a queima de objetos sagrados para o povo, o fogo também é utilizado como um elemento de intimidação contra comunidades em retomadas. Foi o caso da retomada Avae’te, onde uma moradia Guarani Kaiowá foi queimada em setembro de 2021, em plena luz do dia, por seguranças privados de proprietários rurais.
Confira a íntegra do discurso da Tatiane Sanches na 49ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU:
Sr. presidente
Como indígena Kaiowá, venho a este conselho denunciar o aumento sistemático da violência contra nossa crença milenar.
Nossas famílias e líderes religiosos estão sendo perseguidos por religiosos pentecostais fundamentalistas, que violam nossos direitos, corpos, mentes e casas sagradas.
Em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, tivemos uma das maiores casas de reza do meu povo, criminalmente, incendiada por apoiadores do governo.
Em 2020, minha avó Roberta Ximenes, de 82 anos, uma liderança religiosa do meu povo, teve sua casa de reza incendiada. Nela, minha avó protegia objetos sagrados do meu povo que tinham mais de 200 anos. Naquele ano, outras duas casas foram queimadas, e em 2021 outras oito casas de reza foram destruídas.
A cada dia, igrejas evangélicas fundamentalistas invadem nossos territórios, deixando um rastro de extermínio cultural. Queimar uma casa de reza representa uma violência tão profunda que atinge nosso corpo, mente e alma.
Por tudo isso, meu povo pede ao senhor relator que questione o Brasil sobre suas ações para proteger nossas casas de reza e sobre o que tem feito para condenar rigorosamente todos estes atos contra as crenças do meu povo.
Muito obrigada a todos.
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