Realizada no dia 26 de setembro, último domingo do mês, os Tupinambá de Olivença apresentaram faixas e palavras de ordem contra a atual conjuntura
No último domingo de setembro (26), as ruas de Ilhéus, na Bahia, foram tomadas, com cantos, palavras de ordem e faixas, pelo povo Tupinambá de Olivença: ocorria a XXI Caminhada dos Mártires. O movimento surgiu em 2000, quando a Diocese de Ilhéus, a partir de uma provocação do bispo diocesano Dom Mauro Montagnoli, propôs um gesto concreto da Campanha da Fraternidade daquele ano, com o tema: “Dignidade Humana e Paz, Novo Milênio Sem Exclusão”.
Entre os objetivos do encontro, estava a criação de uma proposta de modelo de vida em que valores morais e éticos exaltassem a dignidade da pessoa humana e evitassem exclusões, promovendo condições de paz, solidariedade e partilha. Na caminhada anual, os Tupinambá relembram alguns fatos marcantes relacionados à história de luta do povo. São eles:
Massacre do Rio Cururupe: quando o Governador Geral do Brasil, Mem de Sá, tentou exterminar o povo Tupinambá. O caso, também conhecido como “Batalha dos Nadadores”, foi relatado, com orgulho, pelo próprio Mem de Sá em carta ao Rei de Portugal.
Segundo relato de Sá, depois de autorizar a queima de tudo que encontrava no caminho, perseguir os indígenas e obrigá-los a fugir para dentro do mar e assassiná-los, escreveu orgulhoso ao Rei: “Quando dispostos ao longo da praia, “tomavam os corpos [dos indígenas assassinados] perto de uma légua” (apud João da Silva Campos. 2006 [1947]. Crônica da capitania de São Jorge dos Ilhéus. 3 ed. Ilhéus, Editus, p. 186).
Luta do Caboclo Marcelino José Alves: nas décadas de 1920 e 1930, o Caboclo Marcelino José Alves e seus companheiros lutaram contra a invasão dos não-indígenas no território Tupinambá. Eles resistiram, principalmente, à construção da ponte do Cururupe, que possibilitaria a livre trânsito dos indígenas no local.
“Última Revolta do Caboclo Marcelino”: a caminhada também lembra e reverencia outro massacre de Tupinambá, que ocorreu em 26 de setembro de 1937, às margens do Rio Cururupe, em Ilhéus (BA). O movimento insurgente, conhecido como “Revolta do Caboclo Marcelino”, começou em 1929, conforme relata dissertação “Os índios na área dos Coronéis do Cacau” da professora e antropóloga Maria Hilda Paraíso:
“A construção da ponte sobre o rio Cururupe teve reflexos graves aos índios de Olivença… a reação dos “caboclos” de Olivença terminou por se processar em 1929, sob o comando de Marcelino, o seu líder. Argumentando a necessidade de recuperar as terras perdidas e de expulsarem os atuais ocupantes das antigas aldeias… A reação (das autoridades da época) foi imediata e, em novembro de 1929, uma caravana de praças e de inspetores de quarteirão deslocou-se para o Cururupe iniciando a repressão aos revoltosos… O Governo venceu e instalou-se a linha Ilhéus/Olivença usando caminhões como veículos”.
Vinte e um anos depois, a Caminhada dos Mártires e os seus objetivos estabelecidos, desde a primeira marcha, nunca foram tão atuais e necessários. As faixas e as palavras de ordem, vistas e ouvidas durante a caminhada, mostram que o histórico de violência contra os Tupinambá de Olivença é algo ainda presente: “PL 490 não!”, “marco temporal não”, “nossa história não começa em 1988”, “respeitem os nossos direitos”, “demarcação já!”, “chega de violência”.
Infelizmente, as marcas das atrocidades cometidas por Mem de Sá, há 462 anos, são, até hoje, sentidas pelo povo: as perseguições ao Caboclo Marcelino e às suas lideranças ocorrem também contra os atuais líderes que defendem os diretos de suas comunidades.
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