A primeira audiência da comissão especial criada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para discutir a lei 14.701/23, sancionada em 2023, mostrou um posicionamento duvidoso da Suprema Corte, ao iniciar os trabalhos. Em 2023, o próprio STF rejeitou a tese do marco temporal no caso Xokleng, e hoje, novamente, retornou uma discussão que, aparentemente, já tinha sido superada.

No terceiro e último dia de mobilização indígena em Roraima, com mais de 8 mil indígenas, na Praça Ovelário Tames Macuxi, em Boa Vista, lideranças indígenas declaram que não vão abrir mão do direito, principalmente direito ao território, um direito originário, além de avaliar profundamente as próximas estratégias de luta e resistência contra a lei do marco temporal, que vem causando impactos na vida dos povos indígenas.

Com a condução do ministro Gilmar Mendes, conhecido por suas declarações favoráveis ao agronegócio e ruralistas, a composição da comissão já é um fator que se mostra desfavorável aos povos indígenas. A comissão iniciou seus trabalhos atropelando um dos princípios básicos garantidos na Constituição e na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a consulta livre, prévia e informada aos povos indígenas.

A equipe do departamento Jurídico do Conselho Indígena de Roraima (CIR), fez uma breve avaliação da primeira reunião de conciliação, destacando a estrutura da composição de 23 membros, sendo 11 membros declarados favoráveis à constitucionalidade da lei, o desfavorecimento dos povos indígenas em relação à representatividade frente a mesa de conciliação, o enfrentamento político nas bases no período eleitoral, com o aliciamento de partidos que defendem a lei do marco temporal, agindo descaradamente nas comunidades indígenas.

O advogado indígena e assessor jurídico do CIR, Junior Nicacio, avaliou que a conciliação ao invés de ajudar os povos indígenas, vai prejudicar cada vez mais. “ As terras indígenas vão continuar sendo invadidas. A conciliação, ao invés de ajudar os povos indígenas, mas pelo visto, está servindo para prejudicar a demarcação das terras indígenas”, avaliou, ao apontar que as terras indígenas de Roraima, em processo de demarcação, podem ser prejudicadas com a lei do marco temporal.

Diante da mobilização que reúne mais de 8 mil indígenas, o tuxaua geral do CIR, Edinho Batista, ao fazer uma análise da conjuntura jurídica e política da lei 14.701, disse que não restam dúvidas do que está acontecendo, um grande risco e perigo aos direitos indígenas.

“O estado brasileiro ainda no século 21 tenta dizimar, tutelar e silenciar a voz do povo que tem sua legitimidade. A gente não vai poder discutir educação de qualidade, saúde, sustentabilidade, sem território. Estamos num jogo político com grandes empresas, querendo transformar nossos territórios em mercado. Diante disso, a gente não vai abrir mão do nosso direito, o nosso direito originário”, afirmou.

Fotos: Wey Tenente

As organizações indígenas de Roraima também avaliaram e conclamaram luta coletiva e fortalecimento dos povos indígenas para enfrentar mais uma investida do Congresso e agora do Supremo, tentando mediar direitos que são inegociáveis.

A coordenadora da Organização das Mulheres Indígenas de Roraima (OMIR), Gabriela Peixoto, da região Surumu, da terra indígena Raposa Serra do Sol, ao mencionar o ataque e violência contra os povos indígenas Guarani e Kaiowá, de Mato Grosso do Sul, que vem ocorrendo, também lembrou dos atos de violência contra os povos da Raposa Serra do Sol.

“Como mulher, mãe e filha, sentimos como um corpo que está sendo destruído e violentado. Ficamos muito tristes, porque estamos sofrendo. Já passamos por isso dentro da TI Raposa Serra do Sol. A gente corria com medo dos policiais, da mesma forma estamos vendo os parentes em Mato Grosso do Sul. É muito triste”, lamentou, sobre o andamento da lei do marco temporal e os seus impactos às comunidades.

A lei também abre discussão para outras ações como a mineração em terras indígenas. A mineração que não é regulamentada nos territórios, mas  impactado com o garimpo ilegal diretamente os territórios como Yanomami e Raposa Serra do Sol.

O diretor da Hutukara Associação Yanomami (HAY), Remo Yanomami, disse que também estão preocupados com o marco temporal. “Nós Yanomami estamos muito preocupados com o marco temporal. Nossa terra Yanomami está estragada por causa dos garimpeiros. Nossas crianças, mulheres, avós, estão sofrendo”, expressou.

O movimento indígena decidiu fazer mais mobilizações no decorrer da continuidade dos trabalhos da Comissão.

Depois de cinco dias, desde o dia em que as delegações indígenas chegaram na capital Boa Vista, vindo de várias regiões do Estado, o movimento concluiu com gritos de resistência, danças e cantos tradicionais, e a afirmação de que são contra o Marco Temporal e que não vão negociar direitos.

Nota de repúdio contra a lei do marco temporal e o pedido pela suspensão

Ao final, o movimento indígena publicou uma nota de repúdio contra a lei 14.701 do marco temporal e pedindo ao Supremo Tribunal Federal (STF), que suspenda a lei conhecida como a “ lei do genocídio indígena”.

Nota do Movimento Indígena:

CARTA DO MOVIMENTO INDÍGENA DE RORAIMA 06082024

Fonte: https://cir.org.br/site/2024/08/06/com-a-posicao-duvidosa-do-stf-na-mesa-de-conciliacao-movimento-indigena-de-roraima-declara-que-nao-vai-abrir-mao-dos-direitos-originarios/

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