No sábado, dia 25, os povos indígenas da terra indígena Raposa Serra do Sol receberam com cantos e danças tradicionais, gritos de luta, feira de produção, artesanatos e uma alegria expressiva, a comitiva de juízes, defensores, procuradores e ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A visita ocorreu na comunidade indígena Maturuca, região das Serras, mas a comitiva também fez passagem na comunidade Barro, região Surumu e na comunidade Enseada, Serras.

A visita foi o encerramento do Curso “O poder Judiciário e os Direitos Indígenas”, realizado pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrado Ministro Sálvio de Fagueiro Teixeira – ENFAM, em parceria com a Escola do Poder Judiciário de Roraima – EJURR e com a Escola de Magistratura Federal da 1ª Região – ESMAF.

Entre os magistrados e defensores públicos, o ministro do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), Herman Benjamin, a procuradora da República do Ministério Público Federal em Brasília (MPF/BSB), Ela Weicko, o desembargador Eladio Lecey, presidente da Comissão de Desenvolvimento Científico e Pedagógico da ENFAM, o desembargador do Tribunal de Justiça de Roraima, Almiro Padilha, o juiz do Tribunal de Justiça de Roraima, Aluizio Ferreira Vieira, a advogada indígena, Joenia Wapichana, do Conselho Indígena de Roraima (CIR) e outros convidados.

Os coordenadores do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Enock Barroso Tenente e Edinho Batista de Souza, também participam da solenidade de recepção dos visitantes, um momento histórico e simbólico para a organização que há mais de 40 anos vem acompanhando e atuando em defesa dos direitos dos povos indígenas, principalmente, direitos territoriais, como é o caso da terra indígena Raposa Serra do Sol, símbolo de luta, conquista e resistência no Brasil. Na ocasião entregaram o dossiê da terra indígena Raposa Serra do Sol, entregue aos ministros do Supremo Tribunal Federal(STF), no mês de outubro, em Brasília.

Para a chegada, as comunidades indígenas prepararam uma recepção com a participação de crianças, jovens, mulheres e anciãs, que durante a visita inteira recepcionaram os visitantes com cantos e danças tradicionais, gritos de luta e de conquista pela terra, saúde, educação, sustentabilidade, além das composições que retratam as belezas naturais existentes no território de Makunaima, como é dito pelos indígenas.

A programação também contou com a feira de produção agrícola, artesanatos, alimentação orgânica, além da exposição e venda de medicamentos tradicionais, aula prática da língua tradicional Macuxi, confecção da panela de barro e fiar algodão, com a pajé Bernaldina Macuxi, a professora Enerstina de Souza e a agente indígena de saúde Iolanda Pereira. Além da programação no centro da comunidade Maturuca, os juízes e defensores públicos visitaram a conhecida serra do Maturuca, onde estão instaladas as torres para medição de ventos do projeto Cruviana, uma parceria do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Instituto Socioambiental (ISA) e a Universidade Federal do Maranhão (UFMA), que vem sendo executado desde 2011.

Depois de um longo dia de conhecimento da realidade e vivência dos povos indígenas, uma vivência que reflete não só a realidade dos povos indígenas da Raposa Serra do Sol, de Roraima, mas também do Brasil, que lutam no dia a dia por seus direitos indígenas, lutam por um bem viver coletivo e acima de tudo luta pela vida das atuais e das futuras gerações.

Como anfitrião da comunidade indígena, o líder tradicional Jacir José de Souza, juntamente com os demais Tuxauas da região das Serras, Surumu, Baixo Cotingo e Raposa, regiões que compõe o território tradicional Raposa Serra do Sol, manifestou alegria em receber mais uma vez autoridades do poder Judiciário que vieram à terra indígena para confirmar a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), como território de usufruto exclusivo dos povos Macuxi, Wapichana, Taurepang, Patamona e Ingaricó.

O ministro Herman Benjamin, o primeiro a deixar a comunidade indígena Maturuca, na despedida deixou uma mensagem dirigida aos jovens, conforme sua manifestação. “Peço que todos preservem essa cultura extraordinária, a cultura da língua, das tradições, da diversidade, vinculação com o meio ambiente e que nos cerca, então mais que guardiãs de uma área extensa como essa, vocês todos são guardiãs da natureza brasileira e antes de mais nada nós somos todos irmãos, porque precisamos dessa natureza que está a nos acolher” declarou o Herman, também frisando que “ o patrimônio maior das comunidades indígena é a sua língua”.

Na despedida, o líder Waldir Tobias, Macuxi, 33 anos Tuxaua da comunidade Congresso, região do Baixo Cotingo, um dos líderes indígenas do Brasil que participou da promulgação da Constituição, iniciou sua fala na língua tradicional Macuxi e cumprimentou a todos que estavam na casa, malocão da homologação. “Esta casa eu considero igualmente, uma assembleia no Congresso Nacional, mas não é tanto quanto o tamanho da corrupção que existe dentro do Congresso Nacional, aqui a casa é séria e de competência” manifestou Waldir comparando o malocão e o Congresso Nacional.

Waldir pediu que os juízes atendam as reivindicações das comunidades e na ocasião lembrou da falácia política de que “os índios da Raposa Serra do Sol estão passando fome”. “Também quero pedir, quando falarem que os índios da Raposa Serra do Sol estão passando, digam que isso não é verdade, porque desde ontem, como vocês observaram, o índio está na sua localidade, nas suas regiões trabalhando, conforme a sua convivência e cultura” afirmou Tobias.

O desembargador Eladio Lecey, como porta voz dos magistrados no encerramento, expressou gratidão pela recepção e o aprendizado que tiveram ao longo dos dias. “Queremos agradecer a acolhida que vocês nos deram, aprendemos muito com vocês e acredito que a grande maioria de nós, não conhecia a realidade que o povo de Maturuca vivia, creio que isso seguramente vai ajudar muito os nossos jovens magistrados a poderem ter decisões um pouco  mais consciente, visão mais realística da vivência que vocês tem aqui” expressou Lecey.

Ela Weicko, já conhecida na região pelas vezes que esteve participando das assembleias realizadas na comunidade indígena Maturuca, durante o duro processo de demarcação e homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol, lembrou de um processo de 40 anos de luta, segundo Weicko. “Quero dizer que no canto inicial me fez lembrar que se passaram 40 anos e nesses 40 anos quantas coisas vocês conseguiram, porque vocês estavam em uma situação de servidão com a presença de fazendeiros e nesse movimento de retomada, com a homologação, vocês conseguiram se organizar e o aprendizado dos mais antigos, isso é uma coisa que na nossa cultura não índia, estamos perdendo e não temos essa referência da sabedoria, conhecimento dos mais antigos” refletiu Weicko sobre o processo de luta das novas e antigas lideranças.

Ela também lembrou das mentiras sobre a vida dos povos indígenas da Raposa Serra do Sol de que após a homologação estariam passando, inclusive, mentiras vindas dos próprios ministros do STF e disse que os magistrados têm a obrigação de fazer chegar às altas autoridades do judiciários a verdade. “É muito importante que nós, do nosso grupo, façamos chegar a essas altas autoridades do judiciário que, vocês (indígenas) têm dificuldades sim, mas não passam fome” destacou Weiko emocionada dizendo que estava levando as sementes tradicionais que são a segurança alimentar das comunidades indígenas.

A juíza Federal Célia Bernardes de Macapá, também compartilhou a importância do momento aos juízes e juízas federais, segundo ela. “A ENFAM trouxe essa ideia para justamente evitar que juízes cheguem ao seu gabinete, no seu primeiro dia de trabalho, sem saber absolutamente nada sobre os processos que vão julgar e esse formato é interessante faz com que nós, conheçamos os povos que vão julgar, estejamos mais atentos aos direitos que já foram garantidos, mas também para evitarmos os retrocessos na garantia dos direitos porque vivemos nesse momento difícil em que não lhe damos somente com o entendimento de retrocessos, mas com retrocessos reais, pois temos liminares difíceis, então realmente estamos vivendo um momento especial” pontou Célia Bernardes.

Para a defensora pública Estadual, Ana Eliza, que atua na Defensoria Pública do Estado na Vara Criminal de Tráfico, disse sair da comunidade indígena com um novo olhar. “Eu saio daqui com um novo olhar, cheguei de um jeito e saio de outro. Me sinto honrada de estar na comunidade, receber e conhecer um pouco da cultura de vocês, das danças, comidas, tradição e isso com certeza mudou o meu olhar e a minha forma de atuar também na defesa dos interesses das comunidades indígenas” destacou Ana.

Tereza Pereira, Macuxi, professora e estudante do Curso de Pedagogia, uma das fortes mulheres guerreiras da terra indígena Raposa Serra do Sol falou em nome das mulheres indígenas do Brasil. “Quero me pronunciar em nome de todas as mulheres do Brasil que hoje sofre preconceito, discriminação, ameaça e várias perseguições. Nós, mulheres indígenas da Raposa Serra do Sol a gente acompanhou toda essa luta, por isso temos esse sentimento, revolta. Estamos em busca de juízes, ministros, desembargadores, para nos ajudar a dizer ‘ os índios tem direito’, uma saúde e educação diferenciada, e uma cultura que deve ser respeitado” reinvindicou Tereza.

O Conselho Indígena de Roraima que atuam em 237 comunidades indígenas divididas em 11 regiões, também participou do momento de reafirmação de compromissos e defesa dos direitos indígenas. O coordenador geral, o jovem Enock Taurepang, lembrou que na atual conjuntura do Brasil de ataques aos direitos indígenas, o ataque é também ao direito do cidadão, segundo Taurepang.

“No momento em que o Estado passa por uma crise de identidade e de ataques aos direitos não só indígena, mas direito do cidadão, parabenizo, a Escola em proporcionar a troca de experiência tanto nossa quanto de vocês” expressou Enock, também refletindo que, se não há interesse em ambas as partes, as trocas não acontecem.

Fruto do movimento indígena, das lideranças Jacir Macuxi, Waldir Tobias, Dionito José de Souza, Tuxaua Orlando Pereira e de Joenia Wapichana, como citou Enock, em uma profunda reflexão do massacre e opressão do povo brasileiro, cometido pelo Presidente Michel Temer, o coordenador também deixou uma mensagem de compromisso, coragem e de resistência. Também expressou “não ao retrocesso e nenhum direito a menos”.

“Aqui estamos, Macuxi, Taurepang, Wapichana, Sapará, Patamona, Ingaricó e outros povos, povos indígenas que tem autonomia. Nós, somos movimento indígena e temos a nossa autonomia. Não precisamos de instituições ou órgão vim e falar por nós, nós somos movimento e temos a nossa própria política, a politica do malocão. Somos formados na base” completou Enock falando um pouco sobre a organização do movimento indígena em Roraima.

“Eu só tenho 27 anos e não me sinto nenhum um pouco menor do que o senhor presidente Michel Temer que está massacrando o nosso Estado brasileiro, que está nos oprimindo, dividindo e está acabando com a nossa essência, do povo brasileiro. O povo brasileiro está sendo massacrado, oprimido e nada faz” frisou Enock falando um pouco do atual cenário político. “Unidos somos mais fortes, unidos somos capazes de avançarmos cada vez mais. Quando saírem daqui, vocês não são obrigados a gostar de nós, indígenas, mas quando saírem vocês eu acredito que aprenderam um pouco mais da nossa história e isso faz com que os senhores respeitem a gente na hora de uma decisão, então isso é o mais importante em uma sociedade, dita, civilizada” finalizou o coordenador.

Com um dos símbolos de união e luta dos povos indígenas de Roraima, o feixe de vara, o líder Jacir Jose de Souza concluiu a despedida com o ato simbólico de entrega aos magistrados, defensores públicos, desembargadores, simbolizando não só a luta dos povos da Raposa Serra do Sol, mas também do Brasil.

 “Quero falar dos povos indígenas do Brasil. A vitória Raposa Serra do Sol, Dra Ela tem esse conhecimento da luta, mas quero colocar o feixe de vara, porque estou escutando os parentes sofrendo no Mato Grosso e outros estados, como o Maranhão, por exemplo. Eu vi os parentes cobrando o presidente da Funai”.

Na ocasião Jacir fez o convite aos magistrados para que ajudem os povos indígenas do Brasil. “Convido os senhores a entrar no feixe de vara, para ajudar o povo indígena do Brasil” pediu Jacir Macuxi. No ato fez entrega ao desembargador Eladio, como forma de compromisso, união e luta em defesa da causa indígena no Brasil.

Da mesma forma como receberam os visitantes com cantos e danças tradicionais, também voltaram renovados com o espírito de Makunaima e da mãe terra, sagrada para as atuais e futuras gerações da terra indígena Raposa Serra do Sol que mais uma vez mostraram a sua força, sabedoria, alegria e resistência.

“Makunaima vivo – até o último índio”

Confira mais registros na galeria:

Fonte: Ascom/CIR

Fotos: Mayra Wapichana/CIR

Thank you for your upload