Como enfrentar as mudanças climáticas sem afetar os modos de vida, e mantendo os conhecimentos tradicionais? Essa é uma reflexão que povos indígenas de três estados da Amazônia Brasileira, Roraima, Tocantins e Amazonas, ficaram de responder juntamente com as suas comunidades indígenas, após a formação sobre Mudanças Climáticas, Carbono e REDD+ na Amazônia Indígena, realizada no período de 24 a 27, no Centro Regional Lago Caracaranã, região da Raposa, na terra indígena Raposa Serra do Sol.
As lideranças indígenas durante a formação nas salas ao ar livre Fotos: Ascom/Cir.
A alta temperatura e suas consequências, hoje não é mais um fator que atinge só quem vive nos grandes centros urbanos, mas também quem vive nas áreas rurais e até nos territórios indígenas, embora seja uma das áreas mais protegidas no planeta.
As mudanças vão do excesso de chuva, perda de roças devido a alta temperatura ou alagamentos, aos cantos dos pássaros fora de época, e até a escassez de peixe e caça. A realidade é comparada com a abundância de décadas atrás e que hoje, tornaram-se apenas lembranças, como contam as lideranças indígenas.
Valério Eurico da Silva, 62 anos, do povo Macuxi, coordenador da Região Raposa, terra indígena Raposa Serra do Sol, viu com o passar do tempo a mudança no clima ou mudança no tempo como costuma dizer no local onde mora.
” Aqui na região, antigamente tinha muita caça e peixe e foram afetados com essa mudança. A gente já não vê mais aquela fartura e isso é perigoso pra gente”, contou.
O coordenador lembra que os antigos tinham um calendário próprio, baseado pelas fases da lua para plantar e colher. Na lua nova, por exemplo, ninguém podia plantar as roças. O período da chuva era anunciado pelo canto dos pássaros.
“Os sinais davam certinho, e hoje não tem isso. A gente planta e de repente vem o sol e mata tudinho, então a gente vê que não estamos mais acertando né. Mas,antes o plantio e a colheita era bom demais” recordou seu Valério.
Eurico lembra que, nessa época do ano, na região Raposa, é período de chuva forte, mas, com a mudança no tempo, quase não tem chovido e isso tem afetado a vida dos moradores.
Para entender melhor sobre o assunto, que vem causando sérios problemas para seu povo, Valério participou do I curso sobre Mudanças climáticas, Carbono e Redd+ na Amazônia Indígena.
“A gente vê o clima diferente, nosso plantio mudou o inverno é fraco as vezes forte, então essa formação foi importante, agora vamos orientar nossa comunidade, principalmente os jovens porque eles são nosso presente e futuro”, concluiu o coordenador.
A formação abordou: Salvaguardas, Política Nacional Sobre Mudanças do Clima, Rede+ na Amazônia, Monitorando o Desmatamento, Gênero e Clima, Políticas Amazônicas sobre Mudanças do Clima, O Carbono da Floresta, Rede+, Mudanças Climáticas, Protocolo de Consulta, Adaptação às Mudanças Climáticas, Rede+ Jurisdicional e Mercado Privado.
Coordenador da Região Raposa Valério Eurico agregando e compartilhando saberes fotos: Ascom/Cir
Conforme a diretora pedagógica do Centro Amazônico de Formação Indígena ( CAFI) da coordenação das Organizações lndígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), Maria das Graças, responsável em promover a formação na Amazônia, o objetivo do curso foi alcançado. Ela avaliou que foram construídos conhecimentos junto aos povos indígenas, no enfrentamento às mudanças climáticas, para que eles sejam multiplicadores de informações, levando o que aprenderam na formação para suas bases.
“ Os povos indígenas, milenarmente, são protetores da florestas, rios, plantas e dos animais, mas,existe uma pressão externa como as mudanças climáticas vem causando esse impacto muito ruim na vida nos territórios, por isso, essa formação é importante”, ressaltou a diretora.
Graça acompanhou de perto cada sala temática e também colaborou com os debates, e lembrou que o curso ocorre nos territórios porque garante a maior participação dos povos indígenas, é nele que se observa a história de luta do povo de cada local.
O curso durou quatro dias, no tradicional Lago Caracaranã Fotos: Ascom/ Cir.
O Conselho Indígena de Roraima (CIR ), por meio do Departamento de Gestão Territorial e Ambiental (DGTA), também contribuiu com a formação. Sineia Bezerra do Vale, coordenadora do departamento, e atual coordenadora do Comitê Indígena de Mudanças Climáticas (CIMC), atua no enfrentamento às mudanças climáticas há trinta anos , e compartilhou os conhecimentos e experiência com os participantes sobre o tema discutido a nível internacional.
“A gente trouxe essa experiência para esse curso, para passar aos estados do Amazonas e Tocantins de como a gente enquanto conselho Indígena de Roraima,tem desenvolvido os planos de enfrentamento às mudanças climáticas e seus impactos nos territórios”, disse Sineia.
Sineia, reforça que os povos indígenas devem fazer parte das discussões sobre tudo que envolve a proteção do planeta. “ Há mais de quinhentos anos, nós estamos fazendo um serviço para natureza e o mundo que ninguém mais faz, que é manter a floresta em pé, a manutenção da floresta com os conhecimentos tradicionais, nós povos indígenas prestamos esse serviço com natureza, para natureza e globalmente”, concluiu a coordenadora.
Sineia do vale coordenadora do DGTA junto a equipe reponsável pela realização co curso Fotos: Ascom /Cir.
A equipe do Instituto de Pesquisa Amazônia (IPAM), também esteve na Formação. Martha Fellows, pesquisadora, foi uma das facilitadoras nas salas temáticas e durante a formação usou linguagem simples e dinâmica para passar as informações aos participantes. Além disso, ouviu relatos sobre as percepções dos homens, mulheres e jovens sobre a mudança no clima.
“Cada um trouxe vivência conforme a vida no seu território, e foi interessante ouvi-las, é importante aprender junto para garantir o direito fundamental dos povos indígenas que é viver bem,porque os povos indígenas não querem se adaptar ou perder o modo de vida tradicional e sim enfrentar para continuar vivendo bem”, finalizou a pesquisadora.
A próxima formação ocorrerá nos estados do Pará, Amapá e Maranhão, em seguida o Acre, Rondônia e Mato Grosso. São estados base da coordenação das Organizações lndígenas da Amazônia Brasileira (COIAB).
O curso é realizado pelo Centro Amazônico de Formação Indígena (CAFI) da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), em parceria com o Conselho Indígena de Roraima (CIR) e o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), com apoio do Fundo de Defesa do Meio Ambiente (EDF – Environmental Defense Fund), Conservação da Natureza (TNC – The Nature Conservancy), Programa Vozes pela Ação Climática Justa (VAC) e Programa Janela B (FAS).
Comentários