O Supremo Tribunal Federal (STF), após intensa pressão das lideranças e organizações indígenas, decidiu alterar a data do julgamento das ações que tratam do chamado Marco Temporal (ADIs 7582, 7583 e 7586, ADO 86 e ADC 87). Inicialmente previsto para ocorrer entre os dias 5 e 15 de dezembro de 2025, no Plenário Virtual, o presidente do STF Edson Fachin reagendou o início do julgamento para o dia 10 de dezembro, com previsão de sustentações orais, ampliando a visibilidade do caso e permitindo maior participação e acompanhamento dos povos indígenas.
A tese do Marco Temporal, já declarada inconstitucional pela própria Suprema Corte, foi posteriormente regulamentada pela Lei 14.701/2023, aprovada pelo Congresso Nacional em reação à decisão do STF. Impulsionada por setores do agronegócio, da mineração e por determinados parlamentares, a vigência dessa lei já produz efeitos graves: paralisa processos de demarcação, fortalece invasores e coloca em risco a vida de parentes que lutam pela retomada de seus territórios, muitos deles sob ameaça constante ou já vitimados pela violência de fazendeiros.
Diante desse cenário, nós, lideranças indígenas do Conselho Indígena de Roraima (CIR), organização representativa dos povos Wapichana, Taurepang, Macuxi, Yanomami, Yekuana, Sapará, Pirititi, Patamona, Ingarikó e Wai Wai, reafirmamos nossa exigência para que o STF cumpra a Constituição Federal, que reconhece que nossos direitos territoriais são originários e não podem ser condicionados a uma data arbitrária, como 5 de outubro de 1988. A própria Corte já rejeitou essa tese ao julgar o Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, em 2023.
O que é o Marco Temporal
O Marco Temporal é uma tese política criada para restringir e inviabilizar o direito dos povos indígenas aos seus territórios. Segundo essa tese, somente teriam direito à terra os povos que comprovassem estar em seu território em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. Trata-se de uma interpretação que contraria a Constituição, que afirma, em seu artigo 231, que os direitos indígenas são originários, ou seja, anteriores à formação do Estado brasileiro e independentes de qualquer marco temporal.
O julgamento do RE 1.017.365
Embora tratasse especificamente da situação dos parentes Xokleng, o julgamento do RE 1.017.365 teve repercussão geral, aplicando-se a todos os casos de terras indígenas no Brasil. Em setembro de 2023, o STF decidiu que não existe Marco Temporal, reafirmando o direito originário dos povos indígenas.
A Lei 14.701/2023
A Lei 14.701/2023, aprovada pelo Congresso no final de 2023 em reação à decisão do STF, buscou regulamentar a tese do Marco Temporal. Após sua aprovação, partidos políticos como PP, Republicanos e PL ajuizaram uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) para defender a validade da lei. Por outro lado, organizações como a APIB e partidos políticos (PT, PDT, PV e PCdoB) ingressaram com Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs), sustentando que essa lei é inconstitucional. Todas essas ações ficaram sob relatoria do Ministro Gilmar Mendes.
Mesa de Conciliação
O Ministro Gilmar Mendes suspendeu todas as ações relativas à demarcação de terras no país e instituiu uma mesa de conciliação para debater a Lei 14.701/2023. A APIB, que representava os povos indígenas nesse espaço, retirou-se em agosto de 2024 por entender que a mesa era inadequada e ilegítima para tratar de direitos constitucionais indígenas. Ainda assim, a mesa seguiu com diversas reuniões até seu encerramento em junho de 2025.
Julgamento das ações (ADIs 7582, 7583 e 7586, ADO 86 e ADC 87)
No final de novembro de 2025, o Ministro Gilmar Mendes havia agendado o julgamento dessas ações para ocorrer, de forma virtual, entre 5 e 15 de dezembro. Contudo, após intensa mobilização e pressão das organizações e lideranças indígenas, a data foi alterada para o dia 10 de dezembro, garantindo maior visibilidade ao julgamento e ampliando as possibilidades de participação das comunidades.
Impactos da Lei 14.701/2023 sobre os povos indígenas
Os principais defensores da lei são setores do agronegócio, da mineração e determinados parlamentares. Caso seja mantida, seus impactos serão devastadores: intensificação das violências contra povos indígenas; paralisação permanente das demarcações; avanço da mineração e do arrendamento em terras indígenas; violação do direito de consulta prévia, livre e informada; permanência e fortalecimento de ocupantes ilegais; risco real de extermínio de povos e comunidades inteiras; insegurança jurídica; além de estimular ações judiciais contra terras indígenas já demarcadas.
PELA VIDA DOS POVOS INDÍGENAS, NÃO AO MARCO TEMPORAL!
Roraima, 04 de dezembro de 2025.
Conselho Indígena de Roraima (CIR)
Comentários