Por: Mayra Wapichana/ Ascom – CIR ( Foto de Capa: J.Filho)
9 de Agosto – Dia Internacional dos Povos Indígenas
Com o maracá, parixara, aleluia, Tukui, proteção sagrada dos ancestrais, dos pajés e a incansável força, resistência e luta, os povos indígenas de Roraima celebraram o dia 9 de agosto, dia alusivo ao Dia Internacional dos Povos Indígenas, com a VII Marcha dos Povos Indígenas realizada nos dias 8 e 9, na Praça do Centro Cívico, em Boa Vista /RR, reunindo aproximadamente dois mil indígenas de várias regiões do Estado para cobrar o cumprimento dos direitos garantidos na Constituição Federal Brasileira de 1988 e na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Os povos indígenas Wapichana, Macuxi, Taurepang, Patamona, Ingaricó, Wai-Wai, Yanomami, Ye`kwana e Sapará, com a participação do movimento social, indigenista e demais defensores da causa indígena, por dois dias, reafirmaram posicionamentos contrários às violações, retrocessos e ameaças que atacam os direitos indígenas e cobraram das autoridades públicas uma resposta concreta das inúmeras reivindicações pautadas nas assembleias indígenas e outros momentos de luta dos povos indígenas.
Diante dos fortes ataques, a VII Marcha trouxe como tema “Em defesa e garantia dos direitos dos povos indígenas”, um tema que vem lembrar ao Estado brasileiro das suas obrigações constitucionais de cumprir e respeitar os direitos garantidos na Constituição Federal Brasileira de 1988, Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e outras instâncias internacionais que o Brasil é signatário.
No dia 8, o movimento indígena fez uma breve análise de conjuntura da questão indígena em Roraima e no Brasil pautando a saúde indígena, educação escolar indígena, desenvolvimento sustentável, cultura indígena, agricultura, mineração e como ponto central, as terras indígenas, como destacado na Carta da VII Marcha. A Carta, mais uma vez trouxe à tona a realidade que ainda é dura para os povos indígenas que sofrem com a negação dos seus direitos.
O Vice coordenador do Conselho Indígena de Roraima(CIR), Edinho Batista de Souza, do povo Macuxi, falou da temática sobre mineração, um assunto preocupante e de destaque nos dias atuais. Para Edinho, o momento é de fazer uma reflexão de como o movimento indígena está organizado, participando e enfrentando de fato, para manter, proteger e garantir os direitos indígenas.
Edinho destacou que os povos indígenas têm o direito à consulta, educação diferenciada, saúde indígenas, porém, infelizmente, sofrem um ataque muito forte no poder Executivo, Legislativo e Judiciário. Lembrou as 23 mortes causadas ao longo do processo de luta pela terra, a destruição do Centro Indígena de Formação e Cultura Raposa Serra do Sol, em 2005, 37 casas queimadas na região do Surumu e Baixo Cotingo e outros casos que estão impune, além da criminalização de lideranças indígenas que foram processadas por defender os direitos indígenas.
Entre as 33 proposições anti-indígenas que tramitam no Congresso Nacional, de acordo com dados do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), consta a PL 1610/96 de autoria do Senador Romero Jucá que visa autorizar a mineração em terras indígenas. Em referência ao povo Yanomami que vem sofrendo com o aumento do garimpo ilegal na região, Edinho fez um alerta para o caso. “Os nossos parentes Yanomami estão morrendo por contaminação de mercúrio que está afetando a água, poluindo os rios e matando as pessoas”, alertou Edinho.
“Para nós, o tema sobre mineração tem que acabar e ser arquivado” reforçou Edinho. Alertou para as alternativas de enfrentamento, por exemplo, a representatividade indígena no Congresso Nacional e outras instâncias do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário, podendo ser utilizado como instrumento fundamental para o embate político no atual cenário do estado de Roraima e do Brasil.
Como pontos principais da Carta, os povos indígenas destacaram a preocupação quanto às violações, retrocessos e ameaças que, cada vez mais vem se avançando, tais como o agronegócio nas terras indígenas, construção de hidrelétricas, garimpo ilegal, assim como as propostas que tramitam no Congresso Nacional, a Proposta de Emenda Constitucional 215 (PEC/215), Projeto de Lei de Mineração (PL1610/96), Projeto de Construção de Hidrelétricas em Terras Indígenas, e o mais audacioso e perigoso para a vida dos povos indígenas, o Parecer 001/17 da Advocacia Geral da União (AGU), que estabelece a utilização da tese do Marco Temporal para impedir e acabar com as demarcações de terras indígenas em todo o Brasil. Em Roraima existem 04 processos de demarcação sendo afetado, principalmente, a Terra Indígena Anaro, que recentemente teve o decreto de homologação suspenso pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Os povos indígenas ainda repudiaram a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5905 proposta pelo Governo do Estado de Roraima ao Supremo Tribunal Federal (STF), pedindo a inconstitucionalidade de alguns artigos da Convenção 169 da OIT, como a suspensão de todos os procedimentos administrativos e judiciais das terras indígenas em todo Brasil que tenha como objeto a ampliação das terras indígenas que não respeitam a tese do “Marco Temporal” de 05/10/1988. Uma ação que fere absurdamente os direitos dos povos indígenas reconhecidos nas normas constitucionais e nos tratados internacionais.
A Carta também destacou a educação escolar indígena, saúde indígena, meio ambiente e sustentabilidade, como atendimentos que estão sendo prejudicados em decorrência das ingerências políticas nos órgãos públicos que atuam com as questões indígenas, como a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) e outros que tem atribuições voltadas às questões indígenas e estão totalmente entregues aos parlamentares locais que dominam a sua gestão executiva e administrativa.
Como reivindicação, os povos indígenas de Roraima pediram a revogação do Parecer 001/17 da AGU, o cumprimento da decisão da Justiça Federal em Roraima sobre o processo de reconhecimento da terra indígena Anzol, na região do Murupú, e a atenção especial ao caso da Terra Indígena Anaro, que recentemente teve o decreto de demarcação suspenso pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Os povos indígenas afirmaram que não aceitam a construção das hidrelétricas propostas para o Estado, sendo uma das principais ameaças, a Hidrelétrica da Cachoeira de Bem Querer que, conforme os dados do Governo Federal poderá afeta diretamente 09 terras indígenas, Tabalascada, Malacacheta, Canauanim, Moscou, Manoá Pium, Jabuti, Serra da Moça, São Marcos e Yanomami, assim como o da Cachoeira do Tamanduá (Rio Cotingo) na Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Tais propostas não afetam somente a vida dos povos indígenas, mas de toda população roraimense com os possíveis impactos ambientais, sociais e culturais, gerados por esses projetos que passam na calada da noite, sem o conhecimento e consentimento dos principais afetados, indígenas, pescadores, ribeirinhos e demais que de forma direta ou indireta serão afetados.
O Brasil e o mundo acompanha o aumento do garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami, sobretudo seus impactos ambientais, contaminação e até morte de indígenas, causado com a invasão garimpeira que se alastra na região Yanomami e outras regiões, inclusive próximas a Boa Vista. O movimento indígena pediu que o Ministério Público Federal (MPF), Polícia Federal (PF), IBAMA, Exército e outros órgãos federais fiscalizadores, continuem a investigação e combate ao garimpo ilegal na Terra indígena Yanomami, que também já afeta a Terra Indígena Boqueirão, na região do Tabaio (Alto Alegre) e Terra Indígena Aningal, na região Amajari.
Pediram também providências das autoridades brasileiras quanto ao possível ataque por garimpeiros ao povo indígena Yanomami do grupo isolado Moxihatétéa, com mortes de 02 indígenas, conforme denunciado pela Hutukara Associação Yanomami (HAY) através da Carta/HAY n° 051 /2018, assim como para o caso de surto de Sarampo que afeta o povo indígena Yanomami na Venezuela e no Brasil.
O líder do povo Yanomami Davi Kopenawa inspirando coragem, mas também preocupação com o avanço dos garimpeiros, madeireiros, pescadores e outros invasores, “aqueles que gostam de desmatar e destruir a natureza”, como mencionado por ele, lembrou-se da proteção à natureza que está ameaçada e que os direitos reconhecimentos pelo Estado brasileiro, não estão sendo respeitados. Reformou que todos os dias é dia dos povos indígenas, e não só no dia 9 de agosto, mas serviu para lembrar o governo brasileiro da destruição causada aos povos indígenas.
“Eles são culpados. O governo brasileiro, que não é brasileiro, eles são europeus, enriqueceram aqui, tomaram as nossas terras, mataram no nosso povo, envenenaram a nossa saúde e acabaram com a nossa língua própria. Então, hoje, somos o futuro dos nossos antepassados e estamos aqui para defender o nosso direito”, expressou Davi a sua angústia e também a sua incansável força de lutar pelo povo Yonomami e todos os povos indígenas do mundo inteiro, como ele sempre destaca.
Sobre a educação escolar indígena, pauta que é umas das conquistas garantidas na Constituição, Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e outras normativas educacionais que reconhece e garante uma educação específica e diferenciada aos povos indígenas, o movimento pediu a realização do Concurso Público Específico e Diferenciado para as escolas indígenas, modalidade que não é realizada desde o ano 2000.
A estrutura precária das escolas indígenas, falta de material didático, merenda escolar, contratação de pessoal de apoio administrativo, reconhecimento dos Centros Regionais de Educação Indígena e outras necessidades que desde a Marcha de 2015, quando o movimento indígena passou 37 dias de mobilização, vem sendo apresentado ao Governo do Estado e nenhum retorno é dado às comunidades indígenas que ficam a mercê do descaso público.
As necessidades das escolas indígenas vêm sendo suprida pelos próprios professores indígenas, que utilizam do seu próprio salário, o que vive em atraso, para comprar material didático para os alunos e até merenda, porque direitos básicos de uma educação escolar, que não chega às comunidades indígenas, principalmente, escolas de difícil acesso como as escolas da Terra Indígena Yanomami, Ingarikó e Wai-Wai, onde o acesso é aéreo e fluvial.
A saúde indígena é outro ponto que está sempre em constante debate e no auge dos preparativos da 5ª Conferência Nacional de Saúde Indígena, os povos indígenas de Roraima afirmaram que não aceitam ingerências partidária nas políticas e ações de saúde, pois, segundo destacado na Carta, essa maneira de administrar tem causado resultado negativos e prejudiciais à população indígena. Pediram Consulta prévia, livre e informada, na indicação e nomeação do coordenador do Distrito Sanitário Especial Indígena do Leste de Roraima e Yanomami, direito que vem sendo negado desde a nomeação do atual coordenador.
Para que a saúde indígena esteja de fato e de direito nas mãos dos povos indígenas, também reivindicaram Concurso Público Específico aos profissionais indígena de saúde, além do atendimento específico aos indígenas que residem em Boa Vista e nos municípios, com respeito aos seus costumes e tradições.
O único órgão do Estado brasileiro que atua nas questões indígenas, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), cuja uma das principais atribuições é a promoção e proteção dos direitos indígenas, também é alvo de preocupação. Para garantir a existência de um órgão indigenista que está totalmente entregue a bancada ruralista e o agronegócio, o movimento indígena reivindicou ao Governo Federal, condições de funcionamento e atendimento das ações de proteção, promoção e implementação dos direitos indígenas.
Governo do Estado, Assembleia Legislativa e Secretaria de Educação e Desportos não receberam a Comissão indígena da VII Marcha dos povos indígenas de Roraima
No dia 9, os povos indígenas de Roraima em mais uma Marcha histórica, saíram nas principais vias da capital roraimense manifestando indignação, repúdio e cobrando a efetivação dos direitos garantidos. A entrega da Carta e cobrança de resposta dos documentos entregue dias antes da mobilização estava prevista para ocorrer nos principais órgãos do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário, porém, não foi o que ocorreu.
A negação e a falta de compromisso com os povos indígenas ocorreram logo na primeira parada da Marcha, na Assembleia Legislativa do Estado de Roraima, quando a Comissão formada por lideranças indígenas, coordenadores regionais, Tuxauas, professores, organizações indígenas, mulheres e demais membros foram barrados na recepção da Casa legislativa com a alegação de não ter nenhum deputado que pudesse atendê-los e nem o conhecimento do pedido de audiência. Um fato, que causou indignação e revolta ao movimento indígena que estava apenas exercendo a cidadania de manifestação e tentativa de diálogo com o poder público.
Momentos depois a deputada Estadual Lenir Rodrigues (PPS), saiu da Casa e se apresentou ao movimento na tentativa de prestar esclarecimento e, exaltada, diante do movimento indígena reagiu utilizando expressões irônicas aos membros da Comissão e de uma forma geral ao movimento indígena. Uma reação que demostrou claramente o tratamento que é dado aos povos indígenas.
O mesmo tratamento de horas de espera e sem sucesso, ocorreu na Secretaria Estadual de Educação e Deporto, onde a Comissão aguardou atendimento, porém, ninguém da pasta executiva apareceu para dar satisfação. Em um cenário de precariedade do atendimento da educação escolar indígena no Estado, a pasta executiva não querer ouvir e nem dialogar, é sinal de que o descaso não é só com a demanda educacional, mas com os povos indígenas que deixaram em dois únicos dias, suas comunidades, seus lares e familiares, para vir à cidade buscar alguma resposta do poder público.
Os dois únicos órgãos públicos que receberam a Comissão foi o Ministério Público Federal de Roraima (MPF) e Ministério Público do Trabalho (MPT). No MPF, a Comitiva foi recebida pela procuradora Federal da República, Manoela Lopes Lamenha Lins Cavalcante, do 7º Ofício Indígena e Minorias, que prestou informações sobre as demandas recebidas no Ofício. Entre as demandas, o da educação escolar indígena em relação aos transportes escolares que estavam paralisados por falta de pagamento.
A Procuradora informou que o MPF ingressou com uma ação civil pública para a reativação dos transportes escolares nas rotas suspensas e outras demandas, como a falta de merenda escolar, segundo Manoela, estão acompanhando o processo e cobrando providências da Secretaria de Educação. Sobre o Dia Internacional dos Povos Indígenas, Manoela Lopes, disse que o momento foi importante para ouvir e dar satisfação das demandas recebidas no MPF.
“Esse momento é muito importante para que, além de ouvir novamente todas as demandas, a gente possa dar alguma satisfação e reafirmar o compromisso do Ministério Público junto aos povos indígenas para a efetivação dos seus direitos”, afirmou a Procuradora.
Como última rota, a Comissão havia confirmado audiência com a Governadora do Estado, Suely Campos e, novamente, depois de horas de espera, a Comitiva foi desconsiderada pela Executiva que, por meio da sua assessoria, justificou sua ausência por motivo de problemas de saúde. A Comitiva indígena aceitou a justificativa, porém, se retirou da sala de reunião por entender que o diálogo seria com a própria Governadora e não assessoria.
Depois de dois dias intensos, dias de fortalecimento da luta e da causa dos povos indígenas de Roraima, uma luta que já dura há 48 anos, desde a primeira Assembleia dos Tuxauas, em 1971, quando decidiram organizar o movimento para lutar pelos direitos indígenas, território e direitos sociais, o movimento indígena de Roraima, hoje, com o rosto jovem, formando por estudantes, profissionais indígenas, professores, mulheres e crianças que, desde o ventre já estão na luta por dias melhores, segue adiante, encarando um Estado brasileiro que até parece saber dos direitos garantidos, mas pouco faz para cumprir e respeitar.
O coordenador da juventude indígena de Roraima, Alcebias Mota Constantino, do povo Sapará, expressando a força da juventude indígena de Roraima que busca assumir a luta, disse que estão com os pés firmes para somar com as lideranças na defesa dos direitos indígenas. “A juventude indígena está para somar com as lideranças indígenas e reivindicar de fato os nossos direitos, direitos que não foram dados, e sim, conquistados. Sabemos que não foi fácil, por isso estamos aqui, com pés firmes na luta para lutar em defesa dos direitos e dos nossos territórios”, reforçou Alcebias.
Sem perder a essência de um movimento indígena construído por lideranças tradicionais, como Jacir José de Souza (Macuxi), Clovis Ambrósio (Wapichana), Alcides Constantino (Macuxi), Euclides Pereira (Macuxi), Davi Kopenawa(Yanomami) e de mulheres indígenas, Bernaldina de Souza(Macuxi), Cleonice Servino (Macuxi), Maria Tobias(Macuxi) e tantas outras que participaram da Marcha, fisicamente, e outras, espiritualmente, como a eterna Natalina Messias(In Memória), identificada como Anike`pa, neta de Makunaima, a VII Marcha dos Povos Indígenas encerrou com motivações importantes para o ano de 2018 que ainda tem um grande desafio, a eleição de representantes indígenas nas esferas legislativas e até executivas do Estado brasileiro.
No encerramento o movimento indígena de Roraima também assinou a Nota contra o Parecer 001 da AGU publicado pela Mobilização Nacional Indígena e a Nota de Repúdio contra o Governo do Estado de Roraima e Assembleia Legislativa pelo desrespeito aos povos indígenas de Roraima.
A VII Marcha, foi articulada e organizada por uma Comissão formada pelas organizações indígenas de Roraima, movimentos sociais e indigenista, como tem sido anualmente, porém, esse ano, à frente das articulações, a Organização dos Professores Indígenas de Roraima(OPIRR). A primeira Marcha, convocada em 2012, pelo Conselho Indígena de Roraima(CIR), a cada ano vem se fortalecendo e tornando- se, a principal mobilização local em defesa dos direitos dos povos indígenas de Roraima e do Brasil.
Confira na íntegra as Notas:
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