Dom João Justino de Medeiros Silva
Arcebispo de Montes Claros (MG)

 

Desde o início de novembro, os montesclarenses observam a presença de alguns jovens casais com crianças ao colo pedindo esmolas em cruzamentos no centro da cidade. Alguns trazem cartazes se identificando como venezuelanos. Pedem dinheiro para sobreviver. Quem são esses venezuelanos que estão aqui? Como chegaram? O que estão buscando? Podemos fazer algo em favor deles? Essas e outras perguntas surgem, sobretudo, no coração das pessoas mais sensíveis aos pobres e marginalizados.

Esses venezuelanos que aqui chegaram são indígenas da etnia Warao. Viviam, originalmente, no delta do Rio Orinoco, na Venezuela. Grandes obras naquela região, há 40 anos, resultaram na dispersão de um povo que vivia especialmente da pesca e do cultivo de algumas espécies. Começaram, então, a migrar dentro do próprio território da Venezuela em busca de novos lugares para se fixarem. Com a grave crise que se abateu nos últimos anos naquele país, os Warao cruzaram fronteiras. No Brasil entraram pelo município de Pacaraima, no estado de Roraima. Iniciaram uma verdadeira aventura à procura de um lugar para viver. O grupo que chegou a Montes Claros já passou por estados das regiões Norte e Nordeste.

Os Warao têm uma língua própria. Poucos entre eles falam o espanhol. Os laços familiares são fortes e eles viajam em grupos maiores como uma grande família. Entre os que estão em Montes Claros há muitas crianças e algumas gestantes. Seus hábitos alimentares são diferentes dos nossos. Eles não tomam café nem cozinham feijão, por exemplo. Preferem inhame, mandioca, cebola, pimentão, peixe e frango. Sem dúvida têm uma cultura própria e, nas diferenças de costumes, hábitos e comportamentos podem nos causar espanto ou mesmo nos chocar.

Tenho pensado que a chegada deles não é somente um grande desafio para nós que aqui vivemos, mas é também uma oportunidade para aprendermos a lidar com a rica diversidade da humanidade. Meu olhar volta-se para o Papa Francisco, que no dia 3 de outubro passado publicou a carta encíclica “Fratelli tutti”, expressão tomada de São Francisco de Assis e que pode ser traduzida como “Todos irmãos”. Diz o Papa: “Entrego esta encíclica social como humilde contribuição para a reflexão, a fim de que, perante as várias formas atuais de eliminar ou ignorar os outros, sejamos capazes de reagir com um novo sonho de fraternidade e amizade social que não se limite a palavras” (FT 6).

A chegada do estrangeiro pobre pode causar-nos desconforto, estranheza. Mas “se forem ajudados a integrar-se, os imigrantes são uma bênção, uma riqueza e um novo dom, que convida a sociedade a crescer” (FT 135). Eis porque afirmei que a chegada dos Warao pode ser uma oportunidade para nós. Vai nos ajudar a vencer preconceitos, a perceber que não somos o centro do mundo, a nos dar conta de que o verdadeiro amor cristão, o ágape, é oblativo, é paciente, é benfazejo, não se encoleriza, desculpa tudo (Cf. 1Cor 13, 4-7). Estamos em busca da melhor forma de acolhê-los e ajudá-los. Não sabemos o resultado de nossas ações, nem se eles permanecerão aqui. Mas se eles forem motivo para aprendermos a ser menos preconceituosos já terão trazido uma bênção para nós. Porque somos todos irmãos.

 

Fonte: https://www.cnbb.org.br/warao-fratelli-tutti/

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