Juiz e universitário foram autor e tradutor do texto da sentença judicial para Língua Guajajara – Foto: Ascom TJMA

Na cidade de Grajaú, situada a 580km da capital maranhense e cercada por aldeias de povos originários, o Judiciário emitiu a primeira sentença judicial traduzida para a língua falada pelos indígenas Guajajara, pertencente ao tronco linguístico Tupi-Guarani, também chamada de ze’egete (“a fala boa”).

A decisão judicial acolheu um pedido de registro de óbito tardio ocorrido no natal do ano passado, de Anahi de Sousa Rodrigues, feito pelo pai da criança, Detim de Sousa Guajajara, e morador da Aldeia “Formigueiro”, distante a apenas 5km do Fórum, seguindo pela BR-226.

A tradução da sentença foi de iniciativa do juiz Alexandre Magno Nascimento de Andrade, titular da 1ª Vara da Comarca de Grajaú, ao observar a dificuldade de entendimento das ordens judiciais entre a maioria das partes processuais indígenas na defesa dos seus direitos.

Do português para Ze’Egete 

O juiz  recorreu ao universitário Antalylson Guajajara, indígena e estudante do curso de Direito da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), estagiando na 1ª Vara de Grajaú, para traduzir o texto jurídico para a língua do povo Guajajara, com o objetivo de que a  decisão fosse mais bem entendida.

“Como é um tema que envolve a acessibilidade da linguagem – muito preconizada pelo Conselho Nacional de Justiça, Tribunal de Justiça e a própria Corregedoria da Justiça do Maranhão -, então tentamos não só realizar o Direito, mas também trazer dignidade. Agora eles vão passar a entender. Não só com alguém lendo para eles o que significa, mas vão poder entender o que está ali, no reconhecimento do direito almejado”, ressaltou o juiz.

Ao determinar o assento do óbito, Andrade declarou: Nezewe mehe, parupi akwez ma’e ainui pyr aixe, urur aixe wà, umuawyze akwez ma’e uinui pyr aixe. Na língua Guajajra: “satisfeitos os requisitos necessários à procedência do pedido, hei de julgar procedente a demanda”. Numa segunda tradução – da linguagem jurídica para a “Linguagem Simples” -, julgou legal e atendeu ao pedido.

Decisão impactante, fundamental e acessível 

O estagiário Guajajara disse que a experiência foi “impactante” para a vida do seu povo e “fundamental’ para que as decisões do Judiciário sejam compreendidas e acessíveis para todos da aldeia. “A tradução na linguagem indígena mostra que o Poder Judiciário está cada vez mais se aproximando das comunidades indígenas, para que a Justiça seja acessível para todos”.

O indígena manifestou gratidão pela oportunidade de estagiar na 1ª Vara. “Muitas das vezes os parentes indígenas vêm a esses órgãos e não são atendidos como deveria ser, por não compreender os termos utilizados pelo Poder Judiciário”, disse, satisfeito em poder mediar o esclarecimento da linguagem jurídica para a língua materna.

A defensora pública Sara Nunes de Oliveira, que fez a petição depois de apenas seis meses atuando na Comarca de Grajaú, chorou ao falar sobre o caso, que considerou um momento “histórico” para todas as pessoas envolvidas no processo.

Respeito à identidade cultural e espiritual 

Para a defensora essa decisão judicial representa mais que um ato burocrático. Simboliza  o respeito à identidade cultural e espiritual. “Ver uma sentença registrada na própria língua é reconhecer o direito à vida, à memória e à história, que transcende uma simples documentação.

“É um gesto de valorização da tradição, da ancestralidade e da própria espiritualidade indígena, que se entrelaça com o dia a dia e a forma de enxergar o mundo de cada comunidade”, destacou.

A defensora ressaltou, ainda, que o registro da decisão judicial na língua materna Guajajara “reforça o sentimento de pertencimento, dignidade e reconhecimento” para os povos originários e demostra que “a Justiça pode e deve ser acessível e transformadora”.

Compromisso constitucional 

A tradução  para a língua dos povos originários, o uso da Língua Brasileira de Sinais (Libras) e a adoção da técnica de Linguagem Simples na simplificação da linguagem jurídica são recursos que promovem a acessibilidade e o exercício da cidadania, além de proporcionar meios de inclusão social para as comunidades.

O Judiciário também utiliza ferramentas tecnológicas para auxiliar a comunicação do Poder Judiciário com a sociedade, como a audiência por videconferência, além de conversas automáticas por aplicativos de mensagens.

Em nota pública, a Associação dos Magistrados do Maranhão (AMMA) reconheceu o mérito da iniciativa do juiz e do estudante na tradução da sentença. A instituição declarou que, ao incorporar a língua originária do território onde atua, o juiz e sua equipe “reafirmam o compromisso constitucional do Poder Judiciário com a dignidade humana, o respeito à diversidade e o acesso à justiça em suas múltiplas expressões culturais e linguísticas”.

Fonte: TJMA

Fonte: https://www.cnj.jus.br/judiciario-de-grajau-ma-traduz-sentenca-para-a-lingua-indigena-guajajara/