POR DANIELA HUBERTY, DA ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DO COMIN

“Somos mulheres mobilizadas, politizadas, trazendo os nossos saberes e vozes ancestrais. Somos a continuação de muitas lutas, pela defesa dos direitos dos Povos Indígenas, das indígenas mulheres, dos direitos ambientais e dos direitos humanos: somos a luta pela vida.”

O trecho da “Carta das primeiras brasileiras”, da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA), ressalta a importância da luta das mulheres indígenas pela garantia dos direitos e da vida dos povos indígenas. “Lute como uma mulher indígena”, dizem essas mulheres em suas constantes manifestações.

A frase também foi a escolhida para estampar a primeira camiseta produzida à mão por Sol Terena, ativista indígena e empreendedora da estamparia Grafismo Indígena. Para ela, ser mulher indígena “é ser guerreira, ser lutadora do seu povo. É colocar o seu povo em primeiro lugar, a sua cultura, a sua vivência. A mulher indígena está ocupando todos os espaços hoje. Então, como mulher indígena, a gente toma frente da luta junto das lideranças dentro da comunidade. A mulher indígena tá em busca do bem maior que é o seu povo”.

Da aldeia Tereré, Terra Indígena Buriti, localizada em Sidrolândia (MS), Sol não escreveu a frase na camiseta por acaso. Na época, morava em Campinas (SP), onde vive até hoje, e convivia com o preconceito e a curiosidade de colegas de trabalho na Universidade Presbiteriana Mackenzie e do curso de Direito na mesma instituição: “Quando entrei na universidade, no momento que eu tive a oportunidade de falar que eu era indígena tiveram muitos questionamentos das pessoas, dos acadêmicos, dos professores e até dos funcionários da universidade.”

Anos depois, Sol e muitas mulheres indígenas vestiam sua camiseta durante os dias da 2ª Marcha das Mulheres Indígenas, mobilização que reuniu 5 mil guerreiras em Brasília, em setembro de 2021, e foi organizada pela ANMIGA. Foi a primeira vez que participou de uma grande mobilização. “Eu pensei: tenho que estar lá, eu faço parte do movimento. Vou me desafiar e vou”. O desafio é em decorrência de Sol ser uma pessoa com deficiência (PcD) desde os seis anos de idade. “Foi a melhor experiência. Participei da marcha, conheci mulheres que admiro, conversei com muitas lideranças, adquiri muito conhecimento”.

Foto: Duda Dusi

Resista como uma mulher indígena

Como muitas mulheres indígenas, Sol sempre expressou sua identidade cultural fortemente através da pintura corporal. “Me envolvia com muitos eventos em Campinas para falar de pintura, fazer nas crianças, e segunda aparecia com a mão pintada no serviço e questionavam o que era, porque tava com o rosto pintado. E devido a isso, às perguntas preconceituosas, estereótipos, perguntas colonizadoras, pra não ficar respondendo todo dia a mesma coisa, no mesmo ambiente, eu tive a iniciativa de fazer a página que se chamou Grafismo Indígena”, explica.

Na página de Facebook criada, Sol tratava sobre a importância da pintura corporal, “conscientizando o não indígena que a pintura corporal não é uma tatuagem. Tem muita importância por trás de uma pintura. Pra nós, a pintura corporal indígena tem ancestralidade, tem uma luta, um significado por trás de cada pintura, de cada povo”.

Um dia, em 2018, decidiu experimentar fazer sua pintura de uma forma diferente: comprou uma camiseta branca e tinta de tecido preta para desenhar. Foi quando surgiu a camiseta “Lute como uma mulher indígena”, que seria usada, até então, para ir nos eventos em que participava.

Ao postar uma foto em seu perfil próprio na rede social, a camiseta logo foi destaque: “Amigos em comum queriam que eu fizesse e fiz algumas pintadas à mão”. A visibilidade de seu trabalho, no entanto, não se restringiu às amizades. “Uma pessoa de Orlando [Estados Unidos] entrou em contato comigo pela rede social. Era indígena de lá que falava português e iam fazer uma mobilização devido ao meio ambiente e o que estava acontecendo no Pantanal e queriam usar a minha camiseta”, conta. A mobilização era o evento Solidarity With Indigenous Women Defending Mother Earth Treaty.

Foto: Peg Hunter

Empreenda como uma mulher indígena

Para produzir o pedido de 15 camisetas e enviá-las a outro país, Sol contou com uma rede de apoio na comunidade indígena: a irmã Valdineide ficou responsável pela costura, o irmão Diógenes, após algumas aulas com um senhor não indígena, aprendeu a lidar com serigrafia (e, tempo depois, a mexer com design gráfico) e várias pessoas se envolveram para ajudar no envio. “Elas não estavam 100% como estão saindo hoje, mas ficaram muito bonitas”, lembra Sol.

O desafio transformou o Grafismo Indígena em uma marca de estamparia: “Mandamos as 15 camisetas e começamos a fazer pré-venda. Começamos a comprar computador, depois buscamos parceira pra comprar impressora. Minha irmã comprou a máquina [de costura] com o acerto dela. […] Eu não sabia mexer em nada, com Correios e burocracia de empreendedorismo, e fui aprendendo”.

“Lute como uma mulher indígena” é a estampa mais procurada até hoje. “Um foco nosso é dar visibilidade à mulher indígena, mostrar o empoderamento da mulher indígena. Nas nossas falas, sempre citamos a Sonia Guajajara, a Célia [Xakriabá], a Joenia [Wapichana], sempre citamos as cacicas indígenas, como a minha cacica, que é a Ana Batista. Objetivamos isso com a camiseta da mulher indígena”, ressalta Sol. Quanto ao grafismo utilizado, ela explica que são universais: “Todas as etnias utilizam essa pintura, porém com significado diferente. Como eu converso com bastante mulheres indígenas, elas explicam o significado. Tem um significado diferente, mas muito próximo”.

Aos poucos, novos projetos e estampas foram surgindo: “Terra Indígena, demarcação já”, em apoio à luta pela demarcação das terras indígenas; camiseta “ancestralidade”, que mostra a importância da cultura e das tradições indígenas; “Resistência indígena”; e “Respeita meu cocar”, lançada em janeiro deste ano.

Atualmente, onze pessoas estão envolvidas no processo de produção das camisetas e divulgação – tudo feito de forma manual e diretamente na aldeia Tereré. Nos planos da equipe está a organização de um espaço próprio para a estamparia dentro da aldeia, já que cresce cada vez mais o número de pedidos. “A costura ainda é na sala da minha irmã e todo processo de transformação da tela pra camiseta é no meu quarto na casa dos meus pais. Perdi meu quarto, mas não me arrependo não, porque é uma coisa que eu gosto muito de fazer: estar falando da luta dos povos indígenas, falar do nosso projeto que surgiu”, afirma Sol.

O valor das vendas é dividido para compra de materiais, pagamento de pessoas que trabalham na equipe e colaboradoras e para possíveis necessidades da própria aldeia. Sol ressalta que essa “é nossa forma de ajudar a comunidade”.

Parceria com COMIN

As camisetas do Grafismo Indígena já viajaram para outros países além dos Estados Unidos, como Alemanha, Itália e Índia. “São apoiadores que fortalecem nosso trabalho”, relata Sol. Com o mesmo objetivo de apoiar o empreendedorismo indígena, o COMIN fez uma encomenda ao Grafismo Indígena em 2021 e dessa parceria surgiram as camisetas “A mãe do Brasil é indígena” e “Vidas indígenas importam”.

Em decorrência da pandemia da Covid-19, Sol estava na aldeia e, além de criar as artes, coordenou diretamente a produção, que envolveu oito pessoas da comunidade. Ela afirma que esse foi um novo desafio à equipe, já que era a maior quantidade de camisetas solicitadas por um grupo até aquele momento. Desafio, porém, que foi aceito por todas e todos da equipe. “Foi uma experiência muito gratificante. Depois que terminamos, sentamos a equipe e cada um falou como foi esse processo de fazer as camisetas pra vocês. As falas deles foram muito emocionantes.”

Fonte: https://comin.org.br/2022/informes/lute-como-uma-mulher-indigena/

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