Os povos indígenas são historicamente vulneráveis a infecções causadas por vírus que, por diversas vezes, levaram comunidades inteiras a óbito. Mas o coronavírus não é o único problema que os povos da floresta precisam lidar neste momento. A coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib)Sonia Guajajara, afirma que as invasões aos territórios indígenas seguem acontecendo.

“O foco no coronavírus não pode, de forma alguma, ignorar ou invisibilizar todos os outros processos de ataques e de invasões que acontecem nos territórios indígenas e que eles não estão paralisados. Os ataques, a violência e os conflitos continuam muito eminentes e nesse momento se torna muito mais urgente a gente exigir essa proteção territorial para coibir a entrada dos invasores. Seja de madeireiros, de garimpeiros ou de caçadores. Porque além de estarem se aproveitando do momento para explorar ilegalmente, eles ainda trazem o risco da contaminação”, explica Sonia.

Para o pesquisador do Instituto Socioambiental (ISA), Antonio Oviedo, cabe ao governo federal garantir que as invasões não aconteçam. “O ingresso dessas pessoas de maneira ilegal em terras indígenas, eles podem eventualmente ter algum contato e essa transmissão ocorrer dentro das comunidades. Então é muito importante que a [Secretaria Especial de Saúde Indígena] Sesai e órgãos de fiscalização trabalhem de maneira articulada para que as fiscalizações sejam intensificadas nesse momento”, afirma Antonio.

Para o secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Antonio Eduardo, neste momento de pandemia, os cuidados com os povos indígenas deveriam ser redobrados e na falta do Estado, os próprios índios têm feito o possível para defender seus territórios.

“Os invasores das terras indígenas e os pistoleiros eles não estão confinados, eles estão a pleno vapor. Isso tem diminuído pelo fato dos indígenas ter tomado a iniciativa de fechar os territórios. Do contrário teria sido um número maior de invasão. Mas já teve ocorrências no estado do Maranhão, no estado de Rondônia e no sul da Bahia. Então as ocorrências permanecem, no sentido da invasão dos territórios e do assédio dos não indígenas dentro dos territórios indígenas”, relata Eduardo.

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As invasões em terras indígenas são constantes na história do Brasil e já custou a vida de comunidades inteiras.

“Nós temos situações críticas, principalmente no norte do Brasil. A situação dos Yanomami que já é invadida por cerca de 30 mil garimpeiros. Nós temos situação crítica também nos estados do Sul do Brasil e também na terra indígena Karipuna no estado de Rondônia, onde existe um grande assédio de garimpeiros que tentam invadir os territórios e também no Maranhão”, relata o representante do Cimi.

Sonia relembra os recentes fatos de assassinatos de povos indígenas que aconteceram no Maranhão. “Nos últimos cinco meses foram cinco assassinatos do povo Guajajara. A gente continua lutando contra o coronavírus, mas também colocando em evidência toda essa situação de violência que está acontecendo aqui. Em todos esses casos, não houve nenhum tipo de penalidade para nenhum culpado”, relata.

A violência do vírus

Além dos riscos de violência física, os povos indígenas sofrem com os problemas sanitários nesse momento. “Vírus é sempre  um problema, porque chegando nas aldeias é difícil a gente conter a proliferação até pelo próprio modo de vida dos povos indígenas, que compartilha a cuia, compartilha o cachimbo e está sempre em rodas de conversas”, explica Sonia Guajajara.

Estudo do ISA, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), aponta  que a vulnerabilidade social tem fortes impactos na transmissão da covid-19 entre as comunidades indígenas.

“A gente sabe que indígenas e não indígenas são imunologicamente mais vulneráveis a vírus que nunca circularam antes. E existem estudos que mostram que os índios são mais vulneráveis a essas epidemias, principalmente por condições sociais, econômicas e de saúde piores a que eles acabam sendo submetidos. Muitas vezes as políticas públicas de saúde e educação não chegam nesses territórios. O apoio, a assistência a essas populações acaba sendo mais limitado e isso é um fator de risco”, afirma Antonio Olviedo.

Segundo estudo da Unicamp publicado pelo G1, mais de 81 mil índios estão em situação de vulnerabilidade crítica, com alto risco de sucumbir caso a pandemia de covid-19 chegue às suas regiões.

O site do Instituto Socioambiental traz uma série de relatos de epidemias que dizimaram comunidades indígenas. Em 2000, por exemplo, uma epidemia de varicela, doença evitável por vacina, atingiu 80% da população Araweté, resultando em nove mortes.

Entre 1987 e 1990, cerca de mil Yanomami morreram em consequência de epidemias trazidas por uma corrida do ouro que tomou conta do território Yanomami.

Em 1977, após contato com a Funai, a população Arawaté foi reduzida quase pela metade pelas epidemias, indo de 200 para 120 pessoas. De várias aldeias na margem direita do Xingu, só sobrou uma.

Durante a construção da Perimetral Norte, entre 1974 e 1975, doenças infecciosas mataram 22% da população de quatro aldeias no caminho das obras (Ramos 1979). Dois anos depois, uma epidemia de sarampo matou metade da população de outras quatro comunidades. No rio Apiaú, leste do território Yanomami, estima-se que cerca de 100 índios teriam morrido na década de 1970, restando apenas 30 sobreviventes.

Os Aikewara tiveram contato definitivo com os brancos em 1960. Nesse período, uma epidemia de gripe matou dois terços de sua população, reduzindo-a de 126 para 40 pessoas. Em 1962, uma epidemia de varíola matou mais seis pessoas.

Dados o ISA mostram que até o momento 42 indígenas já foram infectados com a covid-19.

Congresso Nacional

A primeira deputada indígena do país, Joenia Wapichana (Rede-RR), apresentou, com o apoio de outros congressistas, um projeto de lei (PL) para alterar a Lei nº 8.080 de setembro de 1990, que define mecanismo de financiamento específico, fortalecimento da rede do Sistema Único da Saúde (SUS) e medidas emergenciais para o enfrentamento de pandemias e calamidades em saúde pública junto aos povos indígenas no Brasil.

A alteração prevê que em situações emergenciais e de calamidade pública, fica o governo obrigado a garantir a inclusão dos povos indígenas nos planos emergenciais para atendimentos dos pacientes graves.

A bancada do Psol na Câmara enviou requerimentos de informação para os Ministérios da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos; da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; e para a Fundação Cultural Palmares sobre o planejamento do governo Bolsonaro para a destinação de R$ 4.7 bilhões, do Plano de Contingência para Pessoas Vulneráveis, para a proteção e cuidados com os povos e comunidades tradicionais (PCTs), durante a pandemia do coronavírus.

Entre os PCTs do Brasil, estão os povos indígenas, os quilombolas, as comunidades tradicionais de matriz africana ou de terreiro, os ciganos, os circenses, os extrativistas, os ribeirinhos e os pescadores artesanais.

Além do Congresso, a 6ª Câmara do Ministério Público Federal, através do sub-procurador Antonio Carlos Alpino Bigonha, orientou ao governo federal a abstenção de promover ações ou atividades terrestres, fluviais ou em aéreas nas imediações dos povos isolado.

De igual maneira, pediu pela implementação de um plano de contingência para surtos e epidemias e ativação de uma Sala de Situação para subsidiar a tomada de decisões.

 

 

 

Fonte: https://congressoemfoco.uol.com.br/saude/garimpo-e-coronavirus-ameacam-a-existencia-indigena-no-brasil/

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