CARTA PÚBLICA
Nós, homens e mulheres indígenas, lideranças e representantes de nossas comunidades, organizações, coletivos e povos, juntos com os nossos aliados e aliadas, vimos mais uma vez à público manifestar nossa indignação em relação aos projetos legislativos que tramitam no Congresso Nacional que ameaçam nossos direitos constitucionais. Iniciativas como a Proposta de Emenda à Constituição 48/2023 (PEC da Morte ou Marco da Morte), representam não apenas um grave retrocesso às nossas conquistas históricas, como reforçam situações de insegurança e violência sofrida por nossos parentes, que estão na luta pela retomada e demarcação de seus territórios e manutenção de seus modos de vida.
O Estado brasileiro assumiu na Constituição de 1988 o compromisso de respeitar, proteger, garantir e promover nossos direitos, reconhecendo o direito originário aos nossos territórios, à preservação de nossa cultura, modos de vida e ao exercício de nossa autonomia. A PEC da Morte e todos os outros projetos baseados na tese do Marco Temporal, representam uma violação desses direitos.
Apesar do Supremo Tribunal Federal ter decidido em setembro de 2023 que a tese do Marco Temporal viola a Constituição Federal, o Congresso Nacional aprovou no mês seguinte a Lei 14.701/2023, que recebeu votos a favor da maioria dos deputados e senadores, contando com o apoio de quase todos os parlamentares acreanos. Também no ano passado, senadores cientes da inconstitucionalidade da nova lei e a possibilidade de suspensão dela, decidiram criar a PEC 48/2023 para alterar a própria Constituição e fazer valer o Marco Temporal. A iniciativa conta com o apoio dos senadores Márcio Bittar e Sérgio Petecão que também assinam a proposta.
Não podemos deixar de mencionar, a criação também no Senado Federal de outra proposta, a PEC 59/2023, essa com apoio declarado do senador Alan Rick, que retoma outra parte do pacote da destruição presente no Marco Temporal, que é alterar a Constituição Federal transferindo para o Congresso Nacional a responsabilidade de demarcação das terras indígenas, tirando das mãos da FUNAI essa função, permitindo que deputados e senadores decidam sobre o reconhecimento dos territórios.
É inaceitável que esses senadores, assim como alguns deputados federais, estejam promovendo ou apoiando projetos legislativos que flexibilizam ou mesmo impeçam a demarcação de terras indígenas e facilitem a exploração de recursos naturais de forma predatória, como a mineração.
Assim como ocorreu com a Lei 14.701/2023, essas PECs que tramitam no Senado Federal, pela ausência de consulta livre, prévia e informada aos povos indígenas e suas organizações de representação, violam direitos assegurados na Convenção 169 da OIT, promulgada no Brasil por intermédio do Decreto Presidencial 5.051/2004. Qualquer decisão que possa afetar nossos territórios e direitos deve ser tomada com nossa plena participação!
Ao desconsiderar nossos direitos, os senadores acreanos e deputados que apoiam essas iniciativas, estão colocando em risco territórios essenciais para a conservação da biodiversidade e o enfrentamento às mudanças climáticas. Se aprovada a PEC da Morte, os danos possíveis são irreparáveis aos territórios, ao meio ambiente e ao nosso modo de vida. Não afetarão somente nós, indígenas, mas outras populações, incluindo aquelas que moram nas cidades.
Ressaltamos que os nossos direitos não podem ser negociados! Não adianta parlamentares afirmarem que são parceiros dos povos indígenas, dando apoios pontuais, e trabalharem às escondidas em Brasília para a retirada de nossos direitos e fragilização de políticas públicas essenciais para nós.
Estamos na continuidade dessa luta, nos manifestando em várias cidades e terras indígenas em todo o país. Esse movimento é de resistência, de demonstração de nossa força, como povos originários desse país, desse estado, que somos! A mobilização nacional, liderada pela nossa organização, a Articulação Nacional dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) é um ato nosso de reafirmação, de proteção de nossos direitos, mas também de denúncia das iniciativas legislativas da destruição e seus autores.
Dessa forma, fazemos um apelo a sociedade acreana e a todos os legisladores para que respeitem nossos direitos. Exigimos que a PEC da Morte, assim como outros projetos de lei contrários a nós, seja rejeitada imediatamente e que o Estado brasileiro cumpra seu papel constitucional na defesa de nossos direitos territoriais, sociais, culturais e execute políticas públicas para promovê-los.
30 de outubro de 2024
Federação do Povo Huni Kuin do Acre – FEPHAC
ORGANIZAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO RIO JURUÁ – OPIRJ
Organização Indígena das Mulheres do Acre, Sul do Amazonas, Noroeste de Rondônia – SITUAKORE
Organização dos Povos Indígenas do Rio Envira – OPIRE
INSTITUTO INU
coletivo dos estudantes indígenas da universidade federal do Acre – Ceiufac
Coletivo de comunicação indígena do Acre (TetepawaComunica)
MOVIMENTO DOS TRABALHORES SEM TETO – MTST ACRE
COMISSÃO PRÓ-INDÍGENAS DO ACRE – CPI-ACRE
CONSELHO INDÍGENA MISSIONÁRIO – CIMI
Associação de Docentes da UFAC – Adufac
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