A cada novo avanço no Congresso Nacional de projetos que enfraquecem a legislação ambiental brasileira, cresce a preocupação de lideranças indígenas e dos defensores das florestas. Entre essas propostas, o Projeto de Lei (PL) 2159/2021, conhecido como PL da Devastação, representa uma grande ameaça à proteção dos territórios e dos modos de vida dos povos indígenas.
O projeto propõe mudanças profundas nas regras do licenciamento ambiental no Brasil, retirando a necessidade de estudos técnicos e abrindo um caminho desenfreado, sem direito à consulta, para a instalação de empreendimentos de grande impacto — como hidrelétricas, estradas, portos, mineração e agronegócio, mesmo em áreas sensíveis como Terras Indígenas (TIs), Reservas Extrativistas (Resex) e outras Unidades de Conservação (UC). Além disso, a proposta enfraquece a atuação de órgãos como a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), responsáveis por proteger os direitos dos povos indígenas e o meio ambiente.
Para o cacique Urukã Nukini, também conhecido como Paulo Almeida, liderança da TI Nukini no Acre, a aprovação do PL é uma ameaça direta à vida dos povos da floresta. “Esse PL vem ameaçando o nosso Acre, nossos rios, nossas florestas e nossos direitos humanos. É uma desconsideração com a vida dos povos indígenas e tradicionais”, afirma. Ele alerta que, além de colocar em risco a biodiversidade da região, a proposta afeta diretamente o futuro das comunidades que vivem em harmonia com a floresta. “Tira nossa tranquilidade, nossa autonomia e ameaça nossa cultura e espiritualidade”, diz Urukã.
Senadores do Acre aprovam
Todos os três senadores que representam o estado do Acre votaram a favor do PL da Devastação. Na votação realizada em 21 de maio de 2025, os senadores Alan Rick (União Brasil), Sérgio Petecão (PSD) e Márcio Bittar (União Brasil) foram a favor do PL. Os senadores não apenas aprovaram, mas tornaram ainda pior a redação do PL 2159/2021. Agora o projeto voltou para a Câmara dos Deputados para ser novamente avaliado, e pode ser votado a qualquer momento.
A decisão gerou forte reação entre lideranças indígenas e socioambientais, que consideram a postura dos parlamentares incoerente com a realidade de um estado que concentra uma das maiores riquezas naturais do país e abriga dezenas de povos indígenas, muitos deles vivendo em áreas de fronteira, como é o caso dos Nukini.
A artesã Cristina Huni Kuĩ, da Terra Indígena Kaxinawá da Praia do Carapanã, destaca que a mensagem dos parlamentares é clara. “O projeto teve o voto dos três senadores acreanos, e aí que vemos que não temos defensores dos povos indígenas e da Amazônia”, completa.
“Eu sou contra esse projeto de lei. Pensando nas novas gerações, nas riquezas naturais, vai ser a destruição total. A mudança climática vai aumentar… É rio secando, peixe morrendo e plantações morrendo-se acabando. A intenção desse projeto é de crescer a mudança climática. Então, por isso, eu sou contra essa lei que foi aprovada no Senado Federal”, explica -Poá Noke Ko’í liderança da Aldeia Satanawa, Terra Indígena Campinas/Katukina.
A proposta legislativa não é um caso isolado. Ela faz parte de um conjunto de projetos que, somados, representam um grave retrocesso nos direitos socioambientais. Entre eles estão a PEC 48/2023, conhecida como “PEC do Marco Temporal”, que tenta restringir o direito à terra dos povos indígenas ao que ocupavam até a promulgação da Constituição de 1988; a PEC 59/2023, que propõe transferir do Poder Executivo para o Congresso Nacional a responsabilidade pela demarcação de Terras Indígenas; e o PDL 717/2024, que tenta suspender a homologação de duas terras indígenas em Santa Catarina, repercutindo no processo de regulamentação dos territórios de todo país. O Congresso Nacional também tem debatido alterações no Novo Código Florestal que aumentariam o limite de desmatamento e perdoariam infrações ambientais, além da tentativa de criminalizar movimentos sociais que lutam pela conversação ambiental e por justiça social.
O agente agroflorestal indígena Manoel Sabóia, da Terra Indígena Kaxinawá do Rio Humaitá, expressou sua indignação quanto a tantos retrocessos: “Estou preocupado com a nossa Amazônia — como vai ficar futuramente com essa mudança de lei, que vai afetar a nossa terra indígena e a população brasileira e toda população amazônica? Estou falando aqui como professor, como alguém que mora na zona rural, como pessoa da floresta — preocupado com a nossa Amazônia, com o que pode acontecer. A mudança climática vai afetar tudo!”.
Os povos indígenas no Acre estão atentos aos agentes políticos que defendem interesses contrários a manutenção da vida nas florestas. Não se trata apenas de proteger árvores e rios, mas de garantir a continuidade da vida, da cultura e da dignidade de povos que há séculos cuidam desses territórios. É preciso atenção e mobilização para cobrar dos parlamentares compromisso ambiental, e impedir o avanço do PL da Devastação e de outras medidas que destroem a legislação ambiental e aprofundam os impactos das mudanças climáticas.
“Tiram nossa tranquilidade, a nossa autonomia, ameaçam a nossa cultura e a nossa espiritualidade. É como devastar também o que somos, nossos sonhos, nossos direitos”, finaliza Urukã Nukini.
Uhnepa Nukini – Rede de Comunicadores Indígenas do Acre
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