Por Rafael Nakamura

Durante três dias, entre 20 e 22 de agosto, os Matsés do Brasil e do Peru estiveram reunidos na oitava edição de sua reunião binacional. Após três anos sem o encontro acontecer por causa da pandemia de Covid-19, em 2022 os Matsés voltaram a se reunir na aldeia Trinta e um, na região do alto Jaquirana, na Terra Indigena Vale do Javari (AM).

O encontro contou com a participação de mais de cem lideranças matsés dos dois países, com representantes das aldeias Cruzeirinho, Soles, São Meireles, Lobo, Puerto Alegre, Puerto Tumi, Santa Rosa, San Roque, Estiron, Buenas Lomas Nuevo, Buenas Lomas Antiguo, Cashishpi, Paujil, Anushi, Jorge Chaves, San Mateyo, San Juan, Remoyaco, Buen Peru, Limon, San Ramon, Monte Verde, e Fray Pedro.

Desde 2009, os Matsés do Brasil e do Peru se reúnem em um grande encontro anual para discutirem questões que afetam seu território. Convocado pela Organização Geral dos Mayuruna (OGM), como são chamados os Matsés no Brasil, e pela Comunidad Nativa Matsés (CNM), do Peru, o encontro tem como objetivo trocar informações e criar estratégias frente às principais ameaças ao território nos dois lados da fronteira. Desde sua primeira edição, a Binacional Matsés Brasil-Peru tem o apoio do Centro de Trabalho Indigenista (CTI).

Confira o documento final da VIll Binacional Matsés Brasil-Peru na integra.

O principal tema discutido pelos Matsés nas primeiras edições era a exploração de petróleo em suas terras, que segue sendo uma das preocupações na oitava binacional. Os Matsés sempre tiveram um posicionamento firme contra qualquer atividade de empresas petroleiras em seu território. Com as articulações binacionais, conseguiram barrar atividades e fizeram recuar concessões para empresas nos lotes 135 e 137 no Peru. Se hoje os lotes não têm empresas concessionárias, seguem sendo objeto de preocupação já que não foram cancelados e podem voltar a ser oferecidos em novos leilões. Outro lote, o de número 95, também afeta as proximidades do território Matsés no Peru, além de Reservas com presença de índios isolados, e tem concessão ativa para a empresa PetroTal.

No lado brasileiro, a maior preocupação é com a invasão de pescadores e caçadores ilegais. A pesca predatória de pirarucu e a retirada de grandes quantidades de quelônios, para comércio ilegal que abastece redes no Brasil e no Peru, afetam áreas da Terra Indigena Vale do Javari onde estão as aldeias Matsés, nas calhas dos rios Javari, Pardo e Jaquirana.

Junto com a União dos Povos Indígenas Vale do Javari (Univaja), da qual a OGM faz parte, os Matsés também estão participando das ações de monitoramento e vigilância do território junto com a Equipe de Vigilância da Univaja (EVU). Presentes no encontro, Paulo Marubo, coordenador da Univaja, e membros da equipe, apresentaram as principais ações no último ano para conter as invasões. As ações se somam a esforços anteriores dos Matsés, sistematizados em um Plano de Vigilância que teve apoio do CTI em 2016. Na época os Matsés foram capacitados para operar câmeras fotográficas e GPS aproveitando os deslocamentos tradicionalmente feitos pelo território para registrar e georreferenciar as invasões.

O lado peruano do território sofre ainda com a extração madeira, por meio do desmatamento ilegal e mesmo por algumas concessões florestais que incidem em território Matsés. O temor dos Matsés é que tais atividades aumentem ainda mais seus impactos com a construção das estradas Jenaro Herrera – Colônia Angamos, já iniciada de maneira ilegal por não possuir licença, e a Pucallpa (Peru) – Cruzeiro do Sul (Brasil), também na região. A preocupação é ainda maior porque o Estado peruano já reconhece a presença de povos indigenas isolados que compartilham território com os Matsés na região, mas não tem adotado medidas para sua proteção.

As ameaças nos dois lados da fronteira estão sistematizadas em um estudo, encabeçado pela Organización Regional de Pueblos Indígenas del Oriente (Orpio), em parceria com CNM, OGM, Univaja e CTI, que além do território Matsés contempla outras áreas protegidas que conformam um corredor territorial. O estudo do Corredor Territorial Yavarí-Tapiche foi apresentado na binacional como um instrumento para exigir dos Estados, brasileiro e peruano, o reconhecimento da necessidade de políticas de proteção para todas as unidades que formam o corredor entendidas como parte de um corredor contínuo e transfronteiriço.

Além das questões territoriais, os Matsés do Brasil e do Peru discutiram questões de saúde, educação e de acesso a políticas públicas que há anos enfrentam por viverem na região de fronteira. Em todas as edições da Binacional, os Matsés cobraram maior diálogo entre os órgão de Estado e governo dos dois países para firmar acordos que atendam sua dinâmica transtronteiriça. Este ano, voltaram a falar de um acordo bilateral entre os países que contemple suas demandas.

Em 2022, além da OGM, CNM, Univaja, Orpio e CTI, a VIll Binacional Matsés Brasil-Peru teve a presença de membros da Fundação Nacional do Índio (Funai), da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e da prefeitura de Atalaia do Norte, do Brasil.

Confira o documento final da VIll Binacional Matsés Brasil-Peru na integra.

Fonte: https://trabalhoindigenista.org.br/matses-oitava-edicao-binacional/

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