É com extrema indignação que o Centro de Trabalho Indigenista (CTI), organização da sociedade civil que atua há mais de 20 anos na Terra Indígena Vale do Javari (AM), se manifesta publicamente diante do descaso do Estado brasileiro com o desaparecimento do indigenista Bruno Araújo Pereira e do jornalista Dom Phillips na Terra Indígena Vale do Javari. Os dois estão há mais de 48 horas desaparecidos após serem vistos pela última vez na comunidade São Rafael, quando retornavam para o município de Atalaia do Norte.

A União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) e a Defensoria Pública da União (DPU) precisaram recorrer à justiça federal pedindo que o governo promova maiores esforços para a localização de Bruno e Dom e viabilize o uso de helicópteros para auxiliar nas buscas.

A Terra Indígena Vale do Javari está localizada no extremo oeste do Estado do Amazonas e tem mais de 8,5 milhões de hectares de floresta equatorial densa, com rica biodiversidade e diversos rios navegáveis como o Javari, Curuçá , Ituí, Itacoaí e Quixito, além dos altos cursos dos rios Jutaí e Jandiatuba. Foi demarcada em 2000 e homologada em 2001.

Vivem nela os povos Marubo, Matsés, Matis, Kanamari, Kulina, além dos povos de recente contato Tsohom Dyapá e Korubo. O Vale do Javari abriga ainda a maior concentração de povos indígenas isolados em todo o mundo: são ao todo dezessete registros de índios isolados reconhecidos pela Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém Contatados da Funai, o que corresponde à maior concentração destes povos em uma mesma terra indígena e suas adjacências no Brasil.

Junto com as diversas organizações indígenas e indigenistas parceiras, o CTI reforça os pedidos de urgência no empenho máximo nas buscas feitas pelo Exército brasileiro, Marinha, Polícia Federal e demais órgãos competentes. O corajoso trabalho daqueles que estão na ponta denunciando,  defendendo os direitos territoriais dos povos indígenas, não pode ser calado pela ação de criminosos e pelo descaso do Estado brasileiro.

Experiente indigenista licenciado da Fundação Nacional do Índio (Funai), Bruno estava em área realizando trabalho para fortalecer ações de vigilância territorial junto à organização indígena União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), que congrega organizações de base dos povos Marubo, Matsés, Matis, Kanamari, Kulina, além de atuar na defesa de direitos dos povos de recente contato Tsohom Dyapá e Korubo e de povos isolados.

Recentemente, o indigenista denunciou e cobrou uma operação da Polícia Federal contra a pesca ilegal dentro da TI Vale do Javari que resultou em apreensões. Por sua atuação contra as invasões ilegais em curso na TI Vale do Javari, passou a receber ameaças, principalmente de pescadores, mas também de garimpeiros e madeireiros.

Dom Phillips, jornalista inglês que colabora para diversos veículos, dentre eles o Guardian, acompanhava o indigenista para visitar um posto de vigilância na região e entrevistar indígenas sobre as ações de proteção em curso.

Bruno Araújo Pereira atuou durante anos no Vale do Javari, onde foi coordenador regional da Funai em Atalaia do Norte (AM). Ainda pela Funai, em 2018 assumiu a Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém Contatados (CGIIRC) e chefiou importante expedição de contato com os Korubo. É um dos fundadores do OPI – Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato. Extremamente competente, Bruno é indigenista experiente que conhece muito bem a região onde foi dado como desaparecido.

Aumento da violência

O desaparecimento de Bruno e Dom acontece em um contexto de aumento exponencial da violência no Vale do Javari.

Há pouco menos de três anos, em setembro de 2019, o colaborador da Funai, Maxciel Pereira dos Santos foi assassinado em Tabatinga (AM), município próximo da TI Vale do Javari. Maxciel também atuou nas bases de vigilância para conter invasões no Vale do Javari.

Somente em 2019 a Univaja havia denunciado sete ataques com armas de fogo contra as equipes da base de vigilância do rio Ituí. Na ocasião, a Univaja apontava a necessidade de apoio permanente de forças policiais em algumas regiões da Terra Indígena, como os rios Ituí e Curuçá, constantemente alvos de invasões.

Também em 2019, a Associação dos Kanamari do Vale do Javari (Akavaja) denunciou reiteradamente a atuação de garimpeiros no alto curso do rio Jutaí. Na ocasião, uma operação de fiscalização destruiu 60 balsas do garimpo. Em 2022, os Kanamari voltaram a denunciar as invasões garimpeiras que retornaram diante da falta de fiscalização.

Antes disso, em 2017, a intensificação das invasões pelo garimpo já colocava em risco comunidades indígenas nos altos cursos dos rios Jandiatuba e Jutaí e seus afluentes, área que concentra o maior número de referências confirmadas de índios isolados na região.

Diante dos fatos, o CTI se junta à Univaja, ao OPI e diversas organizações indígenas e indigenistas do país para exigir total prioridade das forças de segurança do estado brasileiro na intensificação das buscas pelos desaparecidos e na devida apuração das responsabilidades envolvidas, com a urgência que esse caso requer. Como organização da sociedade civil, exigimos ainda a investigação da omissão do atual governo com a proteção da TI Vale do Javari colocando em risco vidas indígenas e de seus parceiros que atuam na defesa de direitos.

Fonte: https://trabalhoindigenista.org.br/desaparecimento-brunoaraujo-e-domphillips-valedojavari/

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