por Rafael Nakamura – CTI 

Cerca de 27 mil pessoas, plenárias lotadas e 405 atividades auto-organizadas inscritas. Estes são os números dos Diálogos Amazônicos, evento em Belém (PA) que precedeu o encontro de chefes de Estados na Cúpula da Amazônia. Nos diálogos, que ocorreram entre os dias 4 e 6 de agosto, muita expectativa de que finalmente as vozes daqueles que vivem na Amazônia seriam ouvidas. O encontro terminou na quarta-feira (9) com uma declaração dos chefes de Estado  que não reflete toda a riqueza das discussões durante os diálogos, que tiveram participação de movimentos sociais, organizações de base comunitária e órgãos de governo e da sociedade civil. 

Os Diálogos Amazônicos foram organizados em plenárias temáticas que sintetizavam as discussões feitas nas centenas de atividades paralelas. Dentre os diversos participantes da sociedade civil, estiveram presentes organizações do movimento indígena que articulam comunidades em territórios amazônicos e de outros biomas.

As organizações indígenas e as parceiras indigenistas propuseram discussões em diversos painéis para dar conta da complexidade do desafio de incluir povos indígenas e seus territórios nas propostas de soluções para frear as mudanças climáticas. Foram discussões sobre as demarcações de Terras Indígenas, proteção e gestão dos territórios, iniciativas de sociobioeconomia, proteção de povos indígenas isolados, e muitos outros temas que traziam, em comum, o protagonismo indígena como parte da solução. 

Boa parte das discussões passaram pela importância das demarcações de Terras Indígenas como forma de garantir a proteção dos biomas, fortalecendo os sistemas tradicionais de manejo e de produção de alimentos. 

“A melhor forma de frear e solucionar a crise climática global é dar ouvidos aos povos indígenas. Sabemos o que dizemos e não somente nós: segundo a ONU, mesmo representando apenas 5% da população mundial, preservamos cerca de 80% da biodiversidade do mundo.”, diz trecho inicial da a Carta dos Povos Indígenas da Bacia da Amazônia aos presidentes que participaram da Cúpula da Amazônia. 

Na segunda-feira (7), como parte das discussões em torno da Cúpula da Amazônia, um evento celebrou os 15 anos do Fundo Amazônia com a participação de gestores públicos, membros da sociedade civil e representantes de comunidades de povos indígenas e populações tradicionais. As intervenções foram no mesmo sentido de apontar que o sucesso da continuidade do fundo e dos projetos apoiados depende da demarcação e retirada de invasores dos territórios indígenas e de populações tradicionais para conseguir resultados duradouros.

PNGATI

Durante as discussões, lideranças indígenas, representantes de órgãos de governo e da sociedade civil trataram de propostas já elaboradas que poderiam ser implementadas para avançar na participação dos territórios indígenas nas políticas que estão sendo discutidas para a Amazônia. 

Em um dos painéis os participantes debateram a importância da retomada da Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial Indígena (PNGATI). 

“Quando falam que queremos travar o desenvolvimento, a resposta está na PNGATI que mostra que os povos indígenas têm propostas para um desenvolvimento sustentável”, comentou Joenia Wapichana, presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). 

Membro da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Avanilson Karajá apresentou que nos territórios de povos amazônicos já existem mais de 200 estudos de instrumentos de gestão ambiental e territorial indígenas.

“Temos que buscar fundos para tirar esses instrumentos do papel. Precisamos caminhar juntos, governo, organizações indígenas e parceiros”, opinou Avanilson Karajá. 

Coordenadora Executiva do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IIEB) e presidente do Centro de Trabalho Indigenista (CTI), Andréia Bavaresco ressaltou os esforços de comunidades indígenas em seus territórios para manter a PNGATI viva durante os anos de retrocessos na gestão de extrema direita que governou o Brasil. Bavaresco também apontou a necessidade de avançarmos com as propostas que já existem para implementar planos de gestão nos territórios indígenas.

“Está na hora de implementar o que a gente planejou no passado. Estamos buscando a efetivação de direitos”, falou Bavaresco. “A gente tem a oportunidade de implementar uma política com participação de governo, movimento social, sociedade civil e comunidades”, ressaltou. 

Tirar a PNGATI do papel, foi uma fala que se repetiu durante as discussões, para garantir a participação dos povos indígenas na gestão de seus territórios como forma de atuar contra a devastação da floresta e as mudanças do clima.

Povos Isolados

Em outro debate que mobilizou diversas organizações indígenas, a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) realizou em conjunto com organizações da sociedade civil, dentre elas o CTI, o painel temático Povos Indígenas em Isolamento e Contato Inicial. 

Atualmente, existem 185 registros de Povos Indígenas em Isolamento na América do sul. Destes, somente 66 são registros confirmados. Desse total, 114 estão no Brasil, sendo 28 destes registros confirmados pela Funai.

“Falar sobre isolados é, de alguma forma, falar sobre nossas próprias vidas”, disse Toya Manchineri, coordenador geral da Coiab.

A União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) que atua na segunda maior Terra Indígena do país, com mais de 8 milhões de hectares, na região que abriga o maior número de grupos de povos indígenas isolados no mundo, também contribuiu para o debate. 

A criação de um corredor territorial de áreas protegidas na fronteira Brasil-Peru foi uma das propostas reforçadas por Bushe Matis, coordenador da Univaja. Além da proposta do Corredor Territorial Yavarí-Tapiche, proposta conjunta da Univaja e da Organização Regional dos Povos Indígenas do Oriente, que articula povos amazônicos no Peru, Bushe Matis falou da importância de medidas de segurança pública para conter as invasões na TI Vale do Javari. 

“O governo tem que trabalhar com a segurança pública pra que não entrem os invasores querendo explorar nossos recursos naturais, sejam garimpeiros, pescadores, invasores, madeireiros que sempre vêm ameaçar. Está tendo conflito em nossa região”, alertou Bushe Matis. 

Outros biomas

A discussão nos Diálogos Amazônicos não se limitou aos povos que vivem na região. Organizações indígenas que articulam comunidades de outros biomas também estiveram presentes. 

“Os outros biomas também são importantes e precisamos falar desses biomas”, argumentou Val Eloy Terena, membro do Conselho do Povo Terena e da coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

As lideranças pontuaram a situação de vulnerabilidade que lideranças e comunidades indígenas enfrentam em outras regiões. 

“Quando a gente fala da proteção da vida, do nosso mar, nosso rio, nosso mato, nossos animais, a gente paga quando a gente fala ‘eu sou liderança, eu luto por demarcação’.”, alertou Julio Garcia Karai Xiju, coordenador da Comissão Guarani Yvyrupa (CGY). 

“No sul e sudeste do país, na Mata Atlântica, nosso povo está morrendo. Nossas lideranças estão sendo mortas e nosso povo está morando embaixo da ponte”, lamentou Julio. 

Apesar da riqueza das discussões nos Diálogos Amazônicos, a Carta de Belém, principal documento resultado da reunião entre chefes de Estado na Cúpula da Amazônia, pouco refletiu a importância das questões tratadas e as propostas das organizações indígenas. 

Fonte: https://trabalhoindigenista.org.br/organizacoes-indigenas-dialogos-amazonicos/

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