Acusado de ter ordenado o assassinato do líder indígena Marcos Veron, em Juti (MS), Jacintho Honório organizou almoços com Paulo Maluf e Michel Temer e com Lu Alckmin, ex-primeira-dama de São Paulo; após sua morte, família organiza elite paulistana em prol de Jair Bolsonaro

Por Bruno Stankevicius Bassi e Mariana Franco Ramos

Os encontros organizados por Vanda Moraes, viúva do fazendeiro Jacintho Honório da Silva Filho, vão além de eventos beneficentes e festas de gala. No ‘chateaux’ dos Jacintho — um pecuarista homenageado por Gilberto Gil em 2018 — também se discute política.

Neta de Jacintho Honório exibe participação em ato pró-Bolsonaro, em 2018. (Imagem: Reprodução/Instagram)

Em 2010, o patriarca da família, então com 93 anos, recebeu o ex-deputado federal e governador Paulo Maluf, então incluído na lista de procurados da Interpol e impedido de sair do Brasil, junto ao vice-presidente Michel Temer, que anos depois viria a ocupar a presidência com o impeachment de Dilma Rousseff. O encontro foi registrado por uma coluna social: “Paulo Maluf, Jacintho Onório da Silva (sic) e Michel Temer costuram política no Jardim Europa”, informou a publicação.

Três anos mais tarde, Lu Alckmin, esposa do então governador de São Paulo Geraldo Alckmin, foi “o centro das atenções” de uma feijoada promovida pela socialite, segundo o portal Glamurama. Em uma das reviravoltas típicas da política brasileira, o ex-tucano é hoje candidato a vice na chapa de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que disputa a presidência contra Jair Bolsonaro.

Em 2018, Marcia Morais Jacintho, filha do patriarca, doou R$ 10 mil à campanha presidencial de Bolsonaro, conforme dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Sua filha Stella é casada com Sergio Rudge, empresário que, ao longo de 2018, organizou marchas em prol do capitão. No segundo turno das eleições presidenciais, em 28 de outubro, Stella publicou uma sequência de fotos mostrando não só o casal, mas também outros membros da família, como a mãe, Marcia, e a tia Monica, em manifestações a favor do então candidato. Todos vestiam camisetas verde e amarelo, com os dizeres “Meu Partido é o Brasil”.

Entre janeiro de 2019 e agosto de 2020, Stella exerceu o cargo de assessora técnica da Secretaria de Governo de São Paulo, na gestão de João Doria (PSDB) — quando este ainda era aliado de Bolsonaro. O chefe da pasta era o então vice-governador Rodrigo Garcia, candidato tucano à reeleição. Durante o período, a estilista trabalhou no curso de moda do Fundo Social de São Paulo, gerido pela ex-primeira-dama Bia Doria.

A relação das herdeiras do fazendeiro com a moda foi tema de reportagem, que integra a pesquisa realizada para o relatório “Sangue indígena: A verdade incômoda por trás do frango exportado para a Europa“, uma parceria do observatório com a ONG britânica Earthsight.

O apoio do clã ao presidente se manteve mesmo diante da gestão desastrosa da pandemia. No dia 30 de abril de 2021, quando o país ultrapassava a marca de 400 mil mortos pela COVID-19, a matriarca Vanda Jacintho foi ao encontro de Bolsonaro com outras quarenta empresárias. De vestido preto e sem máscara, ela posou para foto ao lado do presidente.

RELAÇÃO COM TEREZA CRISTINA REMONTA AO AVÔ DA EX-MINISTRA

Candidato ao Senado, Tereza Cristina foi apoiada por Jacintho Honório. (Foto: ABr)

Outra personalidade política próxima da família é a ex-ministra da Agricultura Tereza Cristina Corrêa, exonerada do cargo em 31 de março para concorrer ao Senado pelo Mato Grosso do Sul. Fazendeira e neta de um ex-governador do Mato Grosso, ela recebeu R$ 30 mil de Jacintho durante a campanha em que se elegeu deputada federal, em 2014, quando ocupava a Secretaria de Desenvolvimento Agrário do Mato Grosso do Sul.

Foi durante o terceiro mandato de Fernando Corrêa da Costa, em 1966, que os herdeiros do “rei do café” Geremia Lunardelli venderam as terras em Juti a Jacintho Honório da Silva Filho. Na época, o Mato Grosso do Sul ainda não havia sido criado — a divisão ocorreria só em 1977. A área comprada por Jacintho, que depois se tornaria a Fazenda Brasília do Sul, era chamada de Lote Taquara, o mesmo nome da terra indígena reivindicada pelos Guarani Kaiowá.

Ex-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), Tereza Cristina foi a principal articuladora do apoio de políticos do agronegócio à campanha de Jair Bolsonaro em 2018. Perguntada sobre o apoio recebido do acusado pelo assassinato de Marcos Veron, disse que a família de Jacintho é “amiga de longa data” e defendeu o fazendeiro: “Cabe esclarecer ainda que não há condenação”, informou em entrevista à Folha. “O fato de ser réu não quer dizer que tenha cometido qualquer crime”.

ANTES DE APOIO, CLÃS JACINTHO E CAIADO SE CRUZARAM EM GOIÁS

Na mesma eleição, Jacintho também doou R$ 20 mil para a campanha de Ronaldo Caiado ao Senado. Hoje governador de Goiás, Caiado é herdeiro de uma longa linhagem de latifundiários que remonta até os tempos do Império. Seu avô, o senador Antônio Ramos “Totó” Caiado, chegou a ter relações diretas com o pai de Jacintho.

Em 1930, ele foi nomeado interventor de Goiás, tendo como objetivo conter o avanço de Getúlio Vargas. Totó foi deposto pela Aliança Liberal de Pedro Ludovico, que contou com apoio do Coronel Jacinto Honório da Silva, principal dono de terras em Quirinópolis (GO). Nos anos seguintes, os dois continuariam a atuar ativamente na política goiana.

Caiado foi também o fundador e líder da União Democrática Ruralista (UDR), organização de fazendeiros fundada em 1985 para combater ocupações de terra. Nosso programa semanal De Olho na História fala sobre a origem e os crimes atribuídos a membros da UDR, que incluem o assassinato de importantes líderes do campo, como o seringueiro Chico Mendes e o camponês Sebastião Camargo:

MPF MOVEU PROCESSO COM MEDO DE INFLUÊNCIA POLÍTICA

O julgamento dos acusados de envolvimento no assassinato do cacique Marcos Veron levou oito anos para ocorrer. Ao todo, foram oferecidas denúncias contra 28 pessoas, entre seguranças da Fazenda Brasília do Sul, integrantes do Departamento de Operações de Fronteira (DOF) e o próprio Jacintho Honório da Silva Filho.

Influência política de Jacintho no MS levou à mudança de local do juri. (Imagem: YouTube/Gilberto Gil)

Em 2009, o caso, inicialmente previsto para transcorrer no Tribunal do Juri de Dourados, foi transferido para São Paulo, atendendo a um pedido do Ministério Público Federal. A decisão tomada pelo Tribunal Federal Regional da 3ª Região (TRF-3) levou em conta a dificuldade em garantir a imparcialidade do júri, dada a interferência direta do fazendeiro nas investigações.

Segundo a Procuradoria, Jacintho pagou para que dois indígenas prestassem falso testemunho com o propósito de beneficiar os réus Estevão Romero, Carlos Roberto dos Santos e Jorge Cristaldo Insabralde — funcionários da Fazenda Brasília do Sul que participaram no atentado. A denúncia diz ainda que o fazendeiro levou ambos para uma fazenda de sua propriedade na Bolívia, onde eram observados por capatazes que não os deixavam sair do imóvel.

Outro fato que chamou a atenção do MPF, segundo consta na dissertação de mestrado da especialista em ciências penais Karine Cordazzo, foi a “moção de protesto” realizada pela Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso do Sul, dois meses após o assassinato de Veron, onde os deputados atacaram os indígenas e defenderam o direito à propriedade do fazendeiro.

Bruno Stankevicius Bassi é coordenador de projetos do De Olho nos Ruralistas. |

|| Mariana Franco Ramos é jornalista. ||

Foto principal (Alan Santos/PR): sem máscara, Vanda Jacintho participou de encontro de empresárias com Jair Bolsonaro

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Fonte: https://deolhonosruralistas.com.br/2022/05/24/de-alckmin-a-bolsonaro-os-lacos-politicos-da-familia-jacintho/

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