Paulistas da Penteado Participações tentaram reintegração de posse em abril, mas Cármen Lúcia alegou “risco à ordem e à segurança pública”; indígenas foram expulsos sem mandado

Por Igor Carvalho

Advogado em São Paulo, Benedito Franco Penteado Filho é um dos proprietários da Fazenda Santa Maria, em Caarapó (MS), onde ocorreu no domingo um despejo violento de famílias Guarani Kaiowá que ocupavam o local – um território tradicional indígena já identificado pela Fundação Nacional do Índio (Funai). De Olho nos Ruralistas o localizou por telefone, mas o herdeiro da Penteado Participações e Investimentos Ltda afirmou que não se manifestará sobre o episódio. Apenas confirmou a posse das terras.

De acordo com Penteado, somente a Passarelli Advogados, escritório no centro de Campo Grande que representa a família, falaria sobre o despejo, realizado, segundo o Ministério Público Federal no Mato Grosso do Sul, sem ordem judicial. A advogada que atendeu a reportagem, porém, se recusou a expressar a versão dos Penteado sobre o episódio: desligou o telefone. Procurada novamente, ela disse – outra pessoa atendeu o telefonema e sua voz foi ouvida ao fundo – que não falaria.

Penteado Participações é a dona da Fazenda Santa Maria. (Foto: Reprodução/YouTube)

Voltada para o plantio de soja e milho, a empresa Agropecuária Penteado Ltda fica a 1,1 quilômetro do Km 23 da rodovia que liga Caarapó a Ponta Porã, município na fronteira com o Paraguai. Foi criada em 2014 e possui um capital social de R$ 100 mil. Bem mais antiga, de 1975, e com um capital social de R$ 20 milhões, é a Penteado Participações e Investimentos Ltda, localizada no Jardim Paulistano, bairro nobre em São Paulo. Foi essa empresa que pediu reintegração de posse da Fazenda Santa Maria, pedido negado em abril pelo Supremo Tribunal Federal (STF)

A Agropecuária Penteado tem como sócios seis integrantes da família Penteado: Benedicto Franco Penteado, Maria Apparecida Fernandez Ruiz Penteado, Benedito Franco Penteado Filho, Patrícia Motta Penteado, Paula Penteado Gianesella e Valeria Penteado Fortunato. A empresa de compra e venda de imóveis Penteado Participações está apenas no nome do casal Benedicto e Maria Apparecida. Médico geriatra, Benedicto Franco Penteado possui desde 1996 a Clínica de Repouso Refúgio Tremembé Ltda, voltada para idosos, desde 1966 no Tremembé, na zona norte de São Paulo.

Benedito Penteado Filho é sócio da Franco Penteado & Cia, comércio varejista de roupas no Shopping Center Morumbi, e do escritório de advocacia Nogueira Garcia e Penteado, no Ibirapuera, também na zona sul da capital paulista. O site do shopping não informa qual é a loja 57 do piso 1, endereço declarado pela empresa do advogado. No Itaim Bibi, ainda na zona sul, funciona a agência de viagens The Route Maker Turismo, de Patrícia Motta Penteado. Ela possui também a Paula Penteado Boutique, uma loja de roupas em Cerqueira César. Valéria Penteado é sócia da Tao Participações Ltda, com sede no Jardim Paulistano.

UMA TERRA EM DISPUTA

Há quase 27 anos, no dia 29 de outubro de 1991, o então presidente Fernando Collor assinou a homologação de uma terra indígena de 3.594 hectares em Caarapó – área considerada insuficiente pelos povos indígenas. O documento menciona a Fazenda Santa Maria, de Benedicto Franco Penteado, como uma das áreas limítrofes. Está em disputa uma área bem mais ampla que essa, de 55 .600 hectares, a da TI Dourados Amambaipeguá I, que se espalha também pelos municípios de Laguna Carapã e Amambaí.

O relatório circunstanciado de identificação e delimitação dessa terra indígena, publicado em 2016, lista 87 proprietários (o documento possui algumas lacunas, seja no nome dos ocupantes, seja no nome das fazendas) com terras incidentes em território tradicional Guarani Kaiowá. Nem a família Penteado nem a Fazenda Santa Maria são mencionados. É nessa área que fica a Fazenda Campanário, da família Rezende Barbosa, sócia da gigante do setor sucroalcooleiro Cosan: “Sócios da Cosan têm 50 mil hectares no Paraguai; no MS, fazenda em território Kaiowá”.

Um trecho da Fazenda Santa Maria foi ocupado no dia 13 de fevereiro de 2017 por famílias Guarani Kaiowá. A ocupação visa acelerar a burocracia que emperra o reconhecimento formal do território indígena. Nove dias depois, a Penteado Participações e Investimentos solicitou a reintegração de posse. Os indígenas sofrem pressão desde o início do ano, quando uma decisão da 1ª Vara Federal, em Dourados (MS), exigia a reintegração de posse do local e de outras duas retomadas, Pindo Roky e Nhamoi Guavirarí.

Despejo no domingo ocorreu sem mandado. (Foto: Reprodução/YouTube)

Minutos antes da ação da Polícia Militar, a ministra Cármen Lúcia, do STF, reverteu a decisão. Ela alertou para “o risco iminente de grave lesão à segurança e à ordem pública advindos do cumprimento forçado de ordens de reintegração em desfavor dos indígenas”. Segundo a ministra, era necessário garantir a presença dos indígenas no local ocupado até o término da fase de demarcação da terra, já que há uma sinalização de êxito na reivindicação dos Guarani Kaiowá:

– Embora a área em litígio não tenha sido declarada como de ocupação tradicional dos índios Guarani e Kaiowá pelo Ministro da Justiça, forçoso reconhecer que a conclusão desses estudos confere plausibilidade às alegações deduzidas pela Fundação Nacional do Índio.

Cármen Lúcia se refere aos estudos de identificação e delimitação elaborados pelo antropólogo Levi Marques Pereira, publicados em 2016. Ela escreve em sua decisão que o uso da força, para o cumprimento da desocupação reivindicada pela Penteado Participações, poderia resultar em “consequências graves e inaceitáveis socialmente”:

– O contexto parece demonstrar risco de acirramento dos ânimos das partes em conflito e consequente agravamento do quadro de violência na região, o que conduz ao reconhecimento da plausibilidade do alegado risco à ordem e à segurança pública.

Fonte: https://deolhonosruralistas.com.br/2018/08/30/despejo-em-caarapo-dono-fazenda-em-territorio-kaiowa-se-recusa-a-falar/

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