Entrevista Deputada Joênia Wapichana (Rede-RR) diz que indicação para órgão da Funai é “desrespeitosa”

Daniela Chiaretti e Fernando Taquari de São Paulo

Há um ano Joênia Batista de Carvalho, advogada, 45 anos, formada pela Universidade Federal de Roraima e com mestrado na Universidade do Arizona, ocupa o gabinete 231, no anexo IV da Câmara dos Deputados. O espaço é concorrido — em 2019, a deputada do Rede Sustentabilidade recebeu mais de 100 pedidos de entrevista, da BBC a uma TV chinesa. O número 231 foi escolhido a dedo pela parlamentar conhecida por Joênia Wapichana, a única deputada indígena: trata-sedo artigo da Constituição que reconhece a organização social, os costumes, as línguas, crenças,tradições e o direito à terra dos índios.

Nos últimos dias, sua agenda ficou mais concorrida depois da assinatura do projeto de lei 191/2020 pelo presidente Jair Bolsonaro. O projeto propõe a abertura de terras indígenas à mineração e exploração de petróleo e gás. “In felizmente, a Constituição de 88 não é cumprida, não é conhecida e tem sido desrespeitada”, diz Joênia, que em 2019 recebeu o prêmio de Direitos Humanos da ONU, o mesmo concedido a Martin Luther King e Nelson Mandela.

Em bom português, Joênia diz que “garimpo é ilegal”, e “regularizar a ilegalidade não é solução constitucional”. Refuta a informação de que os índios estejam divididos quanto ao PL191/2020. Sustenta que esse discurso surge dos que têm interesse na exploração mineral em terras indígenas. A advogada afirma que o arrendamento dessas terras, iniciativa que ruralistas perseguem há anos e é outro foco de pressão, “é ilegal e inconstitucional.”

Em sua estreia no parlamento, Joênia, foi autora ou co-autora de 14 projetos, decretos e propostas de emenda constitucional. Ela identificou olhares de estranheza ao circular pelos corredores do Congresso com colares de sementes ou brincos depenas usados pelos wapichana e outros povos indígenas. Ela qualifica a miopia de quem reage negativamente ao ver índios usando celulares ou relógios. “Um problema colonial”, diz, de quem vê o índio como “um ser a ser domesticado, inferior, sem lei ou religião”. E emenda: “O fato de eu ser cidadã brasileira, conhecer a situação política do país e saber dos meus direitos tampouco tira minha identidade indígena”.

Joênia diz que a interlocução com a bancada ruralista é a de “falar quando tem que falar”.“Se vierem com argumentos, eu tenho os meus, eles, os deles. O meu posicionamento é que direito não se negocia, se aplica.”

Os índios querem respeito e a garantia de seus direitos, observa a deputada. É o caso da polêmica em torno do linhão que deve trazer energia de Tucuruí e interligar Roraima ao sistema elétrico nacional A obra foi bloqueada, segundo ela, não por culpa dos waimiri-atroari. Ela qualifica de “desrespeitosa” a decisão de se nomear um missionário evangélico para chefiar o órgão de proteção aos índios isolados na Funai. “O Estado brasileiro é laico, sem sobreposição de uma religião pela outra. Os indígenas isolados vivem no período em que vivem, sem vontade de contatar.”

Sobre as falas depreciativas de Bolsonaro ao se referir aos índios, acredita tratar-se de um “ódio interno” e “um certo sonho de colonizador ”. “O presidente não respeita ninguém. Não respeita a Constituição, imagine um senhor de 89 anos”,diz Joênia, referindo se ao fato de Bolsonaro ter afirmado,em discurso na ONU, que o cacique Raoni não é uma liderança.

O líder caiapó é referência pela sua trajetória de defensor dos direitos indígenas, assinala a deputada. Os índios, explica, aprendem cedo a respeitar os mais velhos. Foram eles que aconselharam as gerações mais novas a estudar para conhecer os argumentos dos não índios e a defender seus povos. Foi então que a luta indígena se tornou técnica. “Se antes lutávamos com flecha, hoje é por meio da caneta e do acesso aos livros”. A seguir, os principais trechos da entrevista da deputada ao Valor.

Veja a entrevista completa aqui ou clique na imagem para abrir o pdf. 

FONTE: pdf recebidopor email de publicação feita em https://valor.globo.com/politica/noticia/2020/02/17/direito-nao-se-negocia-se-aplica.ghtml (para assinantes)

 

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