Ricardo Rao diz ter planejado protesto com mais de um mês de antecedência

Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

O ex-servidor da Funai (Fundação Nacional do Índio) Ricardo Rao, atualmente exilado na Europa, diz ter planejado com mais de um mês de antecedência seu protesto contra o presidente do órgão indigenista, Marcelo Xavier, ocorrido nesta quinta-feira (21), em Madri.

A empreitada contou com o apoio de servidores da Funai em solo brasileiro, hospedagem na casa de uma ativista popular radicada na Espanha e cerca de 20 horas de espera em um aeroporto.

Presidente da Funai abandona evento na Europa após protesto de indigenista
Marcelo Xavier (ao centro, de óculos e terno) se retira de assembleia sobre povos indígenas em Madri, diante de discurso de Ricardo Rao – Reprodução/Twitter @RICARDORAO7

“Foi uma dificuldade conseguir dinheiro para vir aqui para Madri”, conta Rao à coluna. Após uma passagem de dois anos pela Noruega, ele hoje vive em Roma, na Itália.

Nesta quinta-feira, o ex-servidor se infiltrou em uma assembleia do Fundo para o Desenvolvimento dos Povos Indígenas da América Latina e Caribe. Um vídeo mostra Rao em pé diante de um auditório, com o dedo em riste, chamando Xavier de miliciano, assassino e “amigo de um governo golpista”.

“Ele é responsável pela morte de Bruno [Pereira] e Dom Phillips“, vociferou. O presidente da Funai deixou o local durante a intervenção, que teve cerca de um minuto de duração. O órgão ainda não se manifestou sobre o episódio.

Ricardo Rao afirma que, embora a ação política tenha sido planejada, as palavras usadas em seu protesto surgiram de forma espontânea. “Eu redigi textos. Um, dois, três, quatro [deles]. Mas, na hora, com a perspectiva de ser agredido ou detido, falei o que o coração mandou”, diz.

O ex-servidor soube que Marcelo Xavier iria a Madri por meio de colegas ainda na ativa na Funai. A compra das passagens aéreas foi identificada por eles em um portal de transparência. “A Funai tem concurseiro e tem vagabundo das antigas, mas existem companheiros conscientes”, afirma Rao.

O indigenista diz ter passado cerca de 20 horas em um aeroporto madrileno aguardando o desembarque do presidente da Funai na quarta-feira (20). Sua ideia inicial era fazer o protesto ali mesmo, mas não teve sucesso em encontrar o chefe do órgão.

Rao, então, decidiu acompanhar a ativista brasileira Renecéya de Mello, radicada na Espanha, na assembleia internacional. Foi por meio dela que o ex-servidor viabilizou seu credenciamento no evento e conseguiu hospedagem no país.

“Foi tentativa e erro. Ontem [quarta-feira] nós fomos em duas salas”, diz sobre a busca por Marcelo Xavier durante a abertura do encontro, realizada em uma agência espanhola de cooperação internacional. O encontro novamente não ocorreu. “Esse pilantra veio para passear, comer tortilha, ir no Museu do Prado“, diz o indigenista.

Em uma nova tentativa de protestar diante de Marcelo Xavier, Ricardo Rao voltou à assembleia nesta quinta-feira e conseguiu informações sobre a localização delegação brasileira. “Foi tudo friamente calculado, como diz o [personagem] Chapolin [Colorado]“, brinca.

Rao afirma que, apesar de a questão indígena no país motivar sua intervenção, a iniciativa teve os assassinatos do indigenista Bruno Pereira, de quem era amigo, e do jornalista Dom Phillips como estímulo.

“Eu falei para ele [Bruno Pereira]: Cara, a gente tem que sair [do Brasil]”, afirma à coluna. “Até me dá uma vergonha. Eu pedi asilo em 2019, saí do país porque ia acontecer comigo o que aconteceu com o Bruno”, diz.

Naquele ano, Ricardo Rao deixou o Brasil após receber ameaças, ser alvo de processos administrativos e ver ser assassinado o colega Maxiel Pereira —morto a tiros em Tabatinga (AM), no Vale do Javari.

“Depois que o Marcelo Xavier assumiu, eu vi que a gente ia morrer”, completa.

Sua saída do país ocorreu logo após ele entregar um documento intitulado “Atuação miliciana conectada ao crime organizado madeireiro, ao narcotráfico e a homicídios cometidos contra os povos indígenas do Maranhão – Um breve dossiê” para a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.

O caso de Rao é citado em dossiê publicado recentemente por servidores que denuncia uma política anti-indigenista dentro da fundação.

com BIANKA VIEIRA (interina), KARINA MATIAS e MANOELLA SMITH

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2022/07/acao-contra-presidente-da-funai-em-madri-teve-ajuda-de-servidores-espera-em-aeroporto-e-improviso.shtml

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