Cristina Serra

Paraense, jornalista e escritora. É autora de “Tragédia em Mariana – A História do Maior Desastre Ambiental do Brasil”. Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense.

A visão extrativista deve ser superada por outra, que leve em conta a soberania do país

O anteprojeto do novo Código de Mineração, aprovado por um Grupo de Trabalho (GT) na Câmara dos Deputados, é um exemplo de como parlamentares podem agir como despachantes de poderosos grupos econômicos em vez de propor leis que contemplem os interesses mais amplos da sociedade.

O código vigente é de 1967 e precisa, de fato, ser atualizado. Assunto de tamanha importância deveria ter tramitado nas comissões da Câmara. Mas o presidente da casa, Arthur Lira, preferiu criar um GT, onde o rito é mais acelerado e distante do monitoramento público.

Vista aérea do rio Curuá mostra a margem esquerda, controlada pela aldeia Baú bem preservada e a margem direita, controlada pela aldeia Kamaú, destruída pelo garimpo, na Terra Indígena Baú, no sul do Pará – Lalo de Almeida – 1º.jul.22/Folhapress

O tal GT privilegiou audiências com lobistas da indústria da mineração e, sobretudo, do garimpo. O projeto, relatado pelo deputado Joaquim Passarinho (PL-PA), resultou num texto sob medida para facilitar a atividade garimpeira. O garimpo ganha de presente “prioridade”, “exclusividade” e “simplificação” de processos. É um prêmio injustificado para um setor que não sai das páginas policiais por crimes como trabalho escravo, destruição ambiental, invasão de terra indígena e lavagem de dinheiro.

O projeto ignora esse histórico criminoso como também outros riscos e o potencial de conflitos socioambientais relacionados à mineração como um todo. É como se Mariana e Brumadinho, com seus 290 mortos, não tivessem acontecido aqui e há tão pouco tempo.

O Brasil tem um subsolo abundante em minerais, alguns de altíssimo valor estratégico. A visão extrativista deve ser superada por outra, que leve em conta a soberania do país, a transição para a economia de baixo carbono e o respeito aos direitos humanos e à biodiversidade.

Lula e um novo Congresso tomam posse em breve. O certo é retomar a discussão do zero. Para ser séria e eficaz, a modernização da legislação tem que caminhar junto com o fortalecimento da fiscalização e da capacidade regulatória do Estado. Caso contrário, fica difícil não associar a mineração a uma máquina de moer gente, como já escrevi aqui algumas vezes.

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/cristina-serra/2022/12/congresso-garimpo-e-crime.shtml

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