IBGE registra aumento explosivo entre povos originários, algo a comemorar
Marcelo Leite
Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas – Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)
Em 1991, apenas três anos após este colunista começar a escrever sobre Amazônia, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) registrava 294.131 indígenas no Brasil. Agora, no Censo de 2022, a contagem subiu para 1.693.535, aumento de 476%.
No mesmo intervalo, a população geral foi de 147 milhões para 203 milhões, incremento de 38%. O que explicaria tamanha diferença, tendo em vista a tradição nacional de maltratar indígenas, para não dizer exterminar, em especial nos quatro anos de Bolsonaro?
Muitos fatores concorrem para a notícia boa, nem todos a indicar que as causas sejam aumento de natalidade ou baixa na mortalidade. Ambas decerto contribuem, mas não se deve esquecer que a contagem do IBGE se faz com certos critérios, e eles mudaram ao longo das décadas.
Antes de mudanças de metodologia, é bom lembrar um acontecimento importante poucos anos antes de 1991, a nova Constituição. Promulgada em 1988, ela reconheceu no artigo 231 o direito originário de povos indígenas às terras por eles ocupadas.
Foi como se cinco séculos de usurpação pelo Estado e por particulares perdessem a base jurídica que porventura tiveram. Claro que o processo de demarcação das terras indígenas (TIs) se arrastou por décadas, sem conclusão até hoje, mas a expectativa de direito e as primeiras homologações parecem ter diminuído a pressão da fronteira agropecuária sobre as TIs.
Já em 1992, durante a Cúpula da Terra no Rio, o governo brasileiro homologou para yanomamis um total de 96.650 km2, área maior que Portugal. Sob pressão doméstica e internacional após massacres, Brasília empenhou-se em erradicar o garimpo daquele território.
Com o tempo veio também algum atendimento de saúde, ainda que precário, e a população de parentes de Davi Kopenawa começou a prosperar. Assim se deu também em outras partes do país, sobretudo na Amazônia.
O maior salto nos registros do IBGE ocorreu entre os censos de 1991 e 2000. No ano em que se comemoravam cinco séculos do Descobrimento (o mais correto seria Colonização), contaram-se 734.127 indígenas em território nacional —avanço de 150%, fenomenal.
Houve também aumento significativo (88,8%) entre 2010 e 2022, quando o contingente subiu de 896.917 pessoas para as já mencionadas 1.693.535. O demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, aposentado do IBGE, disse a Leonardo Vieceli, da Folha, que o instituto melhorou a cobertura em locais indígenas e que ações afirmativas estimularam a autodeclaração.
A ministra Sonia Guajajara (Povos Indígenas) afirmou que integrantes de povos originários negavam essa condição, anteriormente, para se preservar. “Não se assumia o que era porque tinha medo de morrer. Tinha ordem para matar indígena”, disse.
“Povos indígenas, muitos no Nordeste brasileiro, negavam sua identidade para não morrer”, declarou a ministra. Embora a região Norte concentre quase a metade dos indígenas (44,5%), é no Nordeste, com efeito, que se encontra hoje a segunda maior população, com mais de meio milhão deles (31,2%).
O Nordeste também abriga um fenômeno que terá contribuído para encorpar números: a reemergência étnica. Populações antes descritas como caboclas, descendentes de índios reduzidos aos aldeamentos, miscigenados, despossuídos e alijados de língua, passam a reviver costumes e a reivindicar terras de seus antepassados.
Em 1500 havia no Brasil algo entre 2 milhões e 5 milhões de indígenas. Encerrado em grande parte o genocídio perpetrado pelo colonizador, essa população vai se recompondo. Sem que a gente se dê conta, nem tudo piora neste país.
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