Doença adentra municípios que têm áreas de países, onde acesso aéreo, único viável, é escasso

MANAUS

A pouco mais de 1.000 km de Manaus em linha reta, as comunidades indígenas de Iauaretê e Pari-Cachoeira, na fronteira com a Colômbia, estão entre os lugares mais remotos do Brasil. Para chegar, costuma-se levar dois dias de barco desde São Gabriel da Cachoeira (AM). Nesta sexta (15), ambos os lugares registraram os primeiros casos de Covid-19.

“Estamos confusos. Tivemos gripe forte que deixou na rede duas semanas. Portanto, estamos confusos. Neste momento, essa gripe atacou em todas as comunidades aqui no Alto Tiquié”, escreveu a uma amiga, via WhatsApp, Antônio Marques, do povo tucano e morador da comunidade Caruru, próximo a Pari-Cachoeira, às margens do rio Tiquié.

Desde meados de março, quando houve o primeiro caso no Amazonas, o novo coronavírus já chegou a 60 dos 62 municípios do estado. Agora, começa a se espalhar pelo interior dos vastos municípios, criando um complexo desafio logístico para o tratamento de pacientes em caso grave.

Apesar da dimensão do Amazonas (o território equivale ao Sul e ao Sudeste somados), só a capital, Manaus, tem serviço de UTI. A rede estadual colapsou em abril e hoje opera com 82% da capacidade.

Em breve, o interior deve superar Manaus em número de casos. Dos 19.677 casos confirmados no Amazonas até este sábado (16), 48% são de fora da capital. Funcionários do hospital de referência, Delphina Aziz, relatam que o número de pacientes removidos está crescendo nos últimos dias.

“A nossa maior preocupação é com as comunidades indígenas”, diz o secretário de Saúde de São Gabriel, Fabio Sampaio. “O município é do tamanho de um país. Tem comunidade que demora 1 hora de avião Caravan pra chegar.”​

O coronavírus se espalhou rapidamente no município, com área equivalente à da Inglaterra. O primeiro caso foi confirmado em 26 de abril e, 20 dias depois, a cidade mais indígena no país acumulava 292 confirmados e 12 óbitos.

“Agora está muito próximo de nós, parentes”, afirma a liderança Margarida Maia, em mensagem distribuída por WhatsApp em Iauaretê, às margens do rio Uaupés e com cerca de 2.500 pessoas. “Fiquemos atentos, precisamos seguir as orientações dos profissionais de saúde.”

Por se tratar de terra indígena, a responsabilidade pela remoção é da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), do Ministério da Saúde. Procurado pela Folha, o órgão não respondeu sobre se existe um plano de contingência.

Para atender aos pacientes fora das terras indígenas, o governo do Amazonas possui apenas seis UTIs aéreas e seis ambulâncias. É o dobro da frota disponível antes da epidemia, mas há relatos de pacientes da Covid-19 que morrem antes da remoção.

Por dia, é possível remover apenas seis pacientes por via área. Já as ambulâncias terrestres intermunicipais realizam até dez viagens diárias. Segundo a Secretaria de Saúde, a escolha de quem é removido leva em conta “prioridade por gravidade, condições climáticas, distância, acesso ao município e disponibilidade de leitos na capital”.

A remoção aérea, única alternativa para a maioria dos municípios amazonenses, tem custo elevado. Segundo o governo, cada quilômetro custa de R$ 19,50 a R$ 26,30. A viagem de um paciente de Iauaretê até Manaus sairia por pelo menos R$ 21 mil.

Em Manacapuru (98 km de Manaus), nem o acesso por terra significa uma transferência mais rápida. No final de abril, ao menos três pacientes morreram enquanto esperavam a remoção. A cidade de cerca de 100 mil habitantes acumula 60 óbitos por Covid-19, mais do que seis estados e o Distrito Federal.

 

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/05/coronavirus-avanca-pelo-interior-do-amazonas-e-cria-desafio-logistico.shtml

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