Igualdade entre trabalho no campo e descanso foi revertida nesta terça-feira (18)
BRASÍLIA
A medida provisória do governo Lula (PT) que alterou o regime de trabalho da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) desfez pontos obtidos pelo servidores após greve e foi contra a posição de funcionários das frentes de proteção etnoambientais.
A medida altera, entre outras coisas, a relação entre as horas trabalhadas dentro de terras indígenas e as de descanso, o chamado “regime de trabalho por revezamento de longa duração”.
O novo texto define que o servidor tem direito a um descanso proporcional à metade do tempo trabalhado —ou seja, se atuou em campo por 30 dias, tem direito a 15 de folga. Antes, no entanto, a escala era de igualdade —30 dias de trabalho davam direito a 30 de repouso.
Ainda, impede que estes servidores recebam no período em que estão atuando em campo adicional noturno ou adicional por prestação de serviço extraordinário.
Durante a elaboração da medida, a Coordenação Geral de Indígenas Isolados e Recém Contatados (CGIIRC) consultou as frentes de proteção etnoambiental da Funai, que atuam dentro dos territórios indígenas, acerca do esquema de revezamento.
A Folha teve acesso à resposta de cinco diferentes frentes, que defendem o regime de igualdade na relação entre as horas de trabalho e as de descanso e o consideram um avanço.
Os ofícios foram enviados à coordenação entre março e abril deste ano.
A medida foi publicada nesta terça-feira (18) e causou reação de servidores, que reclamam de retrocesso.
O texto também traz outras providências para o regime de trabalho da Funai: amplia o período máximo de trabalho de longa duração de 30 para 45 dias —o que, inclusive, atende parcialmente uma reclamação dos servidores, que pediam autorização para realizar ações de campo mais demoradas.
Ainda, prorroga o período de contratos temporários para até quatro anos e também cria cotas de 10% a 30% para indígenas nos concursos públicos para vagas da Funai.
Sob anonimato, servidores da fundação reclamam que a medida provisória ignorou a posição de frentes de proteção, que é o setor mais afetado pela mudança no regime de trabalho, pois atua em longos períodos dentro de terras indígenas.
Dizem, ainda, que a mudança feita pelo governo reverte o que consideram uma conquista recente —o regime de igualdade entre horas trabalhadas e de descanso—, alcançada após a greve realizada no governo de Jair Bolsonaro (PL), em 2022.
Na época, a paralisação foi impulsionada após a morte do indigenista Bruno Pereira, que era servidor licenciado da Funai, e do jornalista britânico Dom Phillips, que foram assassinados no Vale do Javari (AM).
Então, os servidores puxaram uma greve pedindo melhores condições de trabalho e até a saída do então presidente do órgão, Marcelo Xavier —ele, inclusive, foi indiciado pela Polícia Federal na investigação dos assassinatos, por homicídio com dolo eventual.
Também divulgaram um dossiê, elaborado pelo Inesc e pelo INA (Indigenistas Associados), que acusa Xavier de ter implementado uma gestão anti-indígena na fundação.
Pessoas envolvidas diretamente na greve disseram à Folha, sob condição de anonimato, que a proporção de igualdade entre folgas e horas trabalhadas em campo foi uma das reivindicações postas na mesa mesa de negociação da época.
O regime foi, de fato, implementado por uma portaria publicada no fim daquele ano, em dezembro.
É acerca da efetividade deste regime de trabalho que a CGIIRC consultou as frentes de proteção.
Nas respostas, obtidas pela reportagem, os servidores afirmam que ainda há necessidade de avançar em diversos pontos, mas que a regra é um “significativo avanço em termos da melhoria das condições de trabalho” nas frentes.
“[O regime] é um marco eminentemente positivo para a política indigenista voltada aos povos indígenas isolados e de recente contato […], oferecendo relativa qualidade de vida para que os mesmos [trabalhadores de campo] continuem executando a função esse trabalho a médio e longo prazo”, diz uma das respostas.
Eles ainda afirmam que o regime de proporcionalidade (metade das folgas em relação a horas trabalhada) era utilizado nos dez anos anteriores à portaria de 2022 e causou grave evasão, adoecimento e problemas psicológicos.
Entre o que ainda poderia ser aprimorado, citam a elaboração de uma lei específica para o regime de trabalho nas terras indígenas, pagamentos de adicionais específicos para este tipo de atuação e autorização para porte de armas.
Ainda sob anonimato, os servidores dizem que a nova medida provisória do governo também cria um obstáculo para a reivindicação de adicionais específicos (como o de trabalho em zona de fronteira ou o de periculosidade), por negar qualquer tipo de bônus para a atuação em campo.
Em resposta, os trabalhadores da Funai realizaram uma vigília na sede do órgão, em Brasília, nesta quarta-feira (19), pedindo a revisão imediata da medida provisória e também a aprovação do plano de carreira específico para a fundação.
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