Rieli Franciscato foi acionado depois de morador da cidade de Seringueiras avistar indígenas

MANAUS

O indigenista da Funai Rieli Franciscato morreu no final da tarde desta quarta-feira (9) em Seringueiras (RO) após ser flechado no peito por índios isolados. Ele era o coordenador da Frente de Proteção Ambiental Uru-Eu-Wau-Wau e era encarregado de monitorar o grupo, que já havia aparecido na região no dia 19 de junho.

“Rieli trabalhou a sua vida inteira na defesa dos índios isolados”, afirmou Ivaneide Cardozo, da ONG Kanindé. “A vida dos isolados está em perigo, e eles não sabem quem são seus defensores.”

Horas antes do incidente, um morador da linha (estrada) 6 da zona rural de Seringueiras (530 km ao sul de Porto Velho) filmou um grupo de isolados. Na gravação feita por celular, ele aparece gritando “cambada de vagabundos” e “sem-vergonha” para espantá-los. Eram cerca de 10h no horário local.

Acionado, Rieli foi para o local em seguida, segundo o coordenador da Funai em Ji-Paraná, Claudionor Serafim.

“Ele recebeu a notícia que mais ou menos cinco indígenas apareceram por volta do meio-dia. Ele se deslocou com dois policiais para verificar a situação in loco. Chegando lá, conseguiu entrar um pouco pra dentro da mata, e os índios começaram a meter flecha”, afirmou Serafim, em mensagem de áudio a colegas, via WhatsApp.

-
Indigenista Rieli Franciscato na base de proteção etnoambiental Bananeiras, perto do município de Seringueiras (RO), em 2016 – Karen Shiratori/Arquivo pessoal

Um dos policiais que acompanhou Rieli relatou que o indigenista foi atingido no peito. “Ele deu um grito, arrancou a flecha e voltou pra trás correndo. Ele consegui correr 50, 60 metros e já caiu praticamente morto”, diz o relato. “Nosso amigo se foi, infelizmente.”

O grupo de índios é conhecido como “isolados do Cautário”, nome de um rio da região. A Funai descobriu e monitora o grupo desde os anos 1990.

“O Rieli era uma das pessoas mais experientes do indigenismo. Temos vários amigos aposentados, como eu. O Rieli era o único que continuava atuando. Infelizmente, abandonado pela Funai, sem nenhuma condição de trabalho, sem equipamento, sem pessoal, improvisando para poder defender os índios isolados”, afirma Armando Soares, indigenista aposentado e amigo de Rieli.

“Sinto muito, muito pelo Rieli. Mas eu sinto muito também pelos uru-eu-wau-waus e pelos amondawas, que perderam um grande parceiro. Agora, os uru-eu-wau-waus estão ainda mais ameaçados”, afirma o indigenista, em alusão à onda de invasões ao território indígena iniciada no ano passado, onde também vivem os isolados.

“Ele dedicou a vida toda à defesa dos povos indígenas. Ele começou bem jovem e nunca abandonou, nunca saiu da área”, afirma o amigo. “Rieli é um autodidata, mal sabia escrever quando começou no indigenismo. Aprendeu tudo sozinho, era um trabalhador rural, um colono em Rondônia. Aprendeu informática, tudo com os amigos indigenistas.”

A morte de Rieli ocorre em meio a tentativas do governo Bolsonaro de mudar a atual política da Funai de não contato com povos isolados —as frentes de proteção ambiental se limitam ao monitoramento e à proteção desses grupos.

No início do ano, o governo nomeou o pastor evangélico Ricardo Lopes Dias para ser o coordenador-geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Funai. Ele já atuou na evangelização no Vale do Javari (AM), a área com mais povos isolados do mundo.

 

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/09/indigenista-da-funai-morre-em-ro-apos-ser-atingido-por-flecha-de-indios-isolados.shtml

Thank you for your upload