Rodrigo Agostinho afirma que licença prévia concedida no governo Bolsonaro está sob análise; falta de funcionários no instituto é desafio da gestão

Rosiene Carvalho

ATALAIA DO NORTE (AM)

Apontada por especialistas como um risco à Amazônia por seu potencial de ampliar o desmatamento, a pavimentação do trecho do meio da BR-319, que conecta Manaus a Porto Velho, não terá uma licença emitida rapidamente, segundo o novo presidente do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), Rodrigo Agostinho (PSB-SP).

Para o ex-deputado federal, que assumiu o novo cargo no final de fevereiro, faltam estudos ambientais de responsabilidade do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes). Além disso, diz Agostinho, a licença prévia concedida no governo Bolsonaro (PL) está sob análise de técnicos do instituto.

Retrato de Rodrigo Agostinho em meio a uma área de mata
Rodrigo Agostinho, presidente do Ibama, em São Paulo – Amanda Perobelli/Reuters

Segundo levantamento do Observatório do Clima com base em dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), o desmatamento no entorno da BR-319 cresceu 122% de 2020 a 2022, após a concessão da licença prévia. Quando analisado o período de 2010 a 2022, o último ano representa um recorde nas derrubadas de árvores e focos de calor na área próxima à estrada, que abrange 13 municípios do Amazonas e de Rondônia.

A BR-319, construída na ditadura militar, é considerada por cientistas e socioambientalistas uma das maiores ameaças de devastação da Amazônia por dar acesso ao interflúvio Purus-Madeira, que está entre as áreas de floresta mais conservadas da região.

“Eu não tenho condições de dizer se essas licenças serão emitidas ou não. Se essa estrada vai sair ou não. Vai depender muito da análise dos estudos que o Dnit apresentar”, disse o presidente do Ibama à Folha durante visita a Atalaia do Norte (AM), município vizinho da Terra Indígena (TI) Vale do Javari, no fim do último mês.

A BR-319 representa uma contradição no discurso ambiental de Lula: na campanha à Presidência, o petista prometeu tanto zerar o desmatamento quanto asfaltar a estrada.

Agostinho, quando perguntado sobre operações contra desmate, ressalta que o Ibama atualmente dispõe de estrutura precária: o órgão tem 53% do efetivo do período de maior sucesso de combate à devastação da floresta, no primeiro governo Lula (2003-2006).

Parte do quadro atual, diz, é formada por 470 servidores aposentados que trabalham com “auxílio permanência”. Outros 200 devem se aposentar em 2023.

No Vale do Javari, por exemplo, a unidade mais próxima do Ibama, em Tabatinga (AM), segue fora de funcionamento. A base, essencial para a região em que o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips foram assassinados no ano passado, foi fechada durante a gestão Bolsonaro.

Nas próximas semanas, porém, afirma Agostinho, o instituto fará operações que miram grilagem de terras, garimpo, pesca e caça ilegais, além de o cumprimento de decisões judiciais de desintrusão em terras indígenas ignoradas no governo Bolsonaro, como na TI Yanomami.

Como o senhor avalia o primeiro mês da operação de desintrusão na TI Yanomami? Num primeiro momento, destruímos a logística. Num segundo, estamos destruindo as bases internas do garimpo e criando barreiras para reentrada. É uma área muito grande, 9 milhões de hectares, você tem entradas aéreas, por rio.

A fiscalização na região é perigosa. Uma das nossas equipes foi atacada. Os garimpeiros estavam com uma quantidade grande de cassiterita e ouro saindo da TI. Provavelmente, atacaram com medo de perder o carregamento. Muito violento. Foi respondido, e um garimpeiro se feriu. Achavam que a gente iria embora e não vamos sair tão cedo.

Queremos pôr fim à atividade ilegal que está destruindo os rios e a saúde dos indígenas. Nada é mais importante na Amazônia que a própria Amazônia e seus povos. Não faz sentido o Brasil apostar numa ideia equivocada de garimpo.

Retrato de Agostinho
O presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, em evento em São Paulo – Amanda Perobelli/Reuters

Lideranças indígenas da região apontam descoordenação entre os órgãos federais… Olha, é um governo que está começando. Os órgãos estão todos destruídos. A Funai tem hoje menos de 30% do efetivo, o Ibama metade. Esperar que a gente fosse trabalhar com perfeição, não estaríamos lá neste momento.

Se eu esperasse concluir o processo de reorganização do Ibama para entrar lá, eu não estaria lá agora. De maneira muito clara: estamos fazendo o que é possível, nos desdobrando ao máximo.

Realmente, estruturas que estavam todas desmontadas de repente foram colocadas para trabalhar, tudo ao mesmo tempo, houve dificuldades, sim. O Ibama chegou a ter 2.000 fiscais, hoje não tem mais que 300. Estou trabalhando com 470 servidores aposentados. A nossa estrutura é precária, mas vamos continuar, entrar em outras terras indígenas, combater o garimpo também nas unidades de conservação.

Temos um grande desafio que é combater o desmatamento. A gente vai trocar o pneu com o carro em movimento. Eu acho naturais as críticas. Agora, em menos de 30 dias, a gente deve ter tirado quase 80%, 90% dos garimpeiros [da TI Yanomami].

Com base em quais dados o senhor chega a este percentual? Todos os dados que a gente tem de inteligência é que a maior parte dos garimpeiros deixou a terra indígena. Estamos com imagens de satélite. Em fevereiro não detectamos desmatamento, o que demonstra que o garimpo foi paralisado.

Há previsão para que a pista de Surucucu [uma das regiões mais afetadas pela crise na TI Yanomami] fique pronta? Ela deve servir para aeronaves maiores entrarem na TI, o que poderia auxiliar na desintrusão? A pista está sendo reformada. Agora, não é papel do Ibama dar carona para garimpeiros, com toda sinceridade. Eles têm que sair. Existe um corredor aéreo para que saiam. Percebemos, nas últimas semanas, uma saída em massa.

Diante dos dados que o senhor apresenta, há como garantir que este ano o garimpo ilegal será eliminado da TI Yanomami? Estamos trabalhando para isso. Temos problemas de garimpo também nos mundurukus, kaiapós, no Vale do Javari. Temos uma decisão judicial não executada do ano passado de desintrusão de nove terras indígenas.

Estamos trabalhando um bom planejamento para fazer este ano essas desintrusões. Em alguns lugares, é mais fácil, em outros é bastante complicado. Tem algumas terras em que índios foram cooptados para o garimpo, é o caso dos mundurukus.

No Vale do Javari, o que é mais grave? É uma região de tríplice fronteira [Brasil, Colômbia e Peru]. A base do Ibama, em Tabatinga, foi fechada. Não temos condições de reabri-la imediatamente. Mas está no nosso planejamento, assim que resolver o problema de efetivo.

O crime organizado ligado ao tráfico de drogas e aos crimes ambientais é o principal problema. Tem muito dinheiro de droga lavado com pesca ilegal na região. Muita coisa errada acontecendo.

Foi importante ir à região neste momento? A gente fez um gesto importante de reconhecer a necessidade da presença do Estado nessa porção mais ocidental do Brasil. Se não agir agora, daqui a pouco fica completamente impossível o Estado estar presente. O crime organizado vem tomando conta. A gente está com um problema, que nem imaginava, de pirataria.

Há previsão de atuação do Ibama na região? A ministra Marina Silva me pediu para organizar operações aqui. Não anunciamos o dia. Estamos planejando grandes operações na região.

Como o senhor avalia o avanço do desmatamento no sul do Amazonas, que envolve também Rondônia, e está associado à BR-319? Toda e qualquer estrada na Amazônia sempre serviu para uma nova fronteira de desmatamento. O grande problema relacionado à BR-319 e qualquer outra estrada é a governança para conciliar estrada e conservação ambiental. Estamos trabalhando para coibir a grilagem de terras.

Provocada pela BR-319? Não só da BR-319. É um conjunto de fatores. Óbvio que a BR-319 é um grande indutor. Não adianta anunciar que vai fazer uma estrada, se não tiver governança para coibir a criminalidade ambiental.

O Dnit não entregou ainda os estudos para que possa avançar o licenciamento da estrada. Eu não tenho condições de dizer se essas licenças serão emitidas ou não. Se essa estrada vai sair ou não. Vai depender muito da análise dos estudos que o Dnit apresentar.

Mas, independente disso, o estado do Amazonas é o que a floresta está mais preservada em toda a Amazônia e, de repente, passou a ser o terceiro com a maior taxa de desmatamento. O Amazonas que nunca figurou nessa lista. Para nós, nasceu um grande alerta e vamos trabalhar para coibir.

No caso específico do sul do Amazonas, o que temos de maneira muito clara, identificada: é um desmatamento especulativo para grilagem de terras, validação de grilagem. Estamos com nossa equipe de inteligência para encontrar toda a raiz desse problema.

Como atuam na região? A equipe não está defasada também? Temos meio Ibama trabalhando, mas o Ibama voltou a trabalhar na plenitude. Em algumas regiões, o desmatamento é para a agropecuária, em outras para atividades ilegais como extração de madeira, garimpo, mas no sul do Amazonas é, principalmente, validação de títulos de terras para grilagem.

A gente está com ação de inteligência com vários órgãos para identificar quem são esses grileiros, como está se dando o processo, como controlar a emissão irregular de títulos e como garantir a integridade do CAR (Cadastro Ambiental Rural).

Há previsão sobre quando o Ibama, na atual gestão, vai se posicionar sobre as licenças da BR-319 concedidas no governo Bolsonaro? Tem duas coisas. Uma é um estudo que estamos olhando, a licença já emitida, que é a licença prévia. A licença de viabilidade. O outro é a emissão de eventuais licenças que possam garantir a realização da obra.

Isso ainda depende de eventuais licenças ambientais, que o Dnit nem apresentou. Nenhuma licença para a BR-319 vai ser emitida rapidamente, até porque nem os estudos ainda foram apresentados. Foi emitida no ano passado, uma licença prévia que avaliou apenas a questão da viabilidade. Mesmo essa licença está sob análise.

O concurso para o Ibama está entre as ações dos cem dias? É um assunto prioritário porque a gente não vai conseguir enfrentar o desmatamento na velocidade que precisamos sem recompor o quadro. Trabalhamos com tecnologia, mas as áreas de desmatamento aumentaram, o número de municípios prioritários aumentou.


RAIO-X

Rodrigo Agostinho, 45

Atual presidente do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), foi deputado federal pelo PSB-SP de 2019 a 2022. Advogado de formação, já foi também vereador, secretário de Meio Ambiente e prefeito de Bauru (SP).

A jornalista viajou a convite do Governo do Amazonas.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2023/03/licenca-para-br-319-depende-de-estudos-diz-novo-presidente-do-ibama.shtml

Thank you for your upload