Nosso rio, um caminho de vida e de ancestralidade, está sendo transformado em esgoto da mineração e mero corredor logístico para a exportação de grãos

Moradores de Santarém (PA) enfrentam poluição do ar por fumaça decorrente das queimadas – Manoel Cardoso/Folhapress – Manoel Cardoso/Folhapress

Maria Leusa Munduruku – Liderança indígena do Alto Tapajós, é fundadora da Associação de Mulheres Indígenas Munduruku (Wakomborum)

Alessandra Korap Munduruku – Liderança indígena do Médio Tapajós, é presidenta da Associação Indígena Pariri

Auricélia Arapiuns – Liderança indígena do Baixo Tapajós, é presidenta do Conselho Deliberativo da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab)

O céu de Santarém (PA) virou um manto cinzento nas últimas semanas. A fumaça das queimadas que cobre a região atingiu níveis alarmantes. Agora, a cidade conhecida como “a pérola do Tapajós” se tornou uma das mais poluídas do mundo. Nossos rios, que deveriam ser fonte de vida, viraram cemitério de toneladas de peixes. Infelizmente, esse retrato triste do colapso ambiental, acelerado pela expansão desenfreada do agronegócio, é apenas o prelúdio do que está por vir se nossas vozes não forem ouvidas.

Nós, mulheres indígenas de povos que habitam às margens do rio Tapajós, sentimos na pele os impactos desse modelo de desenvolvimento que impõe a destruição das águas e das florestas para o benefício de um punhado de empresas. Nosso rio, que sempre foi um caminho de vida e de ancestralidade, está sendo transformado em esgoto da mineração e mero corredor logístico para a exportação de grãos.

A pesca, nossa principal fonte de alimento, já não é a mesma: agrotóxicos e pó de soja contaminam o rio, grãos caem das balsas e portos, e está cada vez mais comum pescar peixes contaminados. Desde a construção do primeiro porto da Cargill em Santarém, há mais de 20 anos, a destruição só aumentou.

Hoje, mais de 27 portos estão em operação ao longo do Tapajós, a maioria deles sem a devida licença e processo de consulta. Cada novo porto amplia os danos aos nossos territórios e à nossa subsistência. Com a Ferrogrão e a duplicação da BR-163, os impactos da produção de soja e milho serão ainda maiores.

Querem rasgar a amazônia ao meio, do Mato Grosso ao Pará, para aumentar o lucro de poucos a custa do futuro de todos. Se construída, essa ferrovia levaria cargas de Sinop (MT) a Miritituba (PA) para exportá-las pelo nosso sofrido rio. Estudos apresentados pelo Ministério dos Transportes indicam que, com a Ferrogrão, o fluxo de cargas no Tapajós aumentaria em mais de seis vezes. No lugar de um rio vivo, querem uma hidrovia morta.

Com o agravamento da crise climática, uma ferrovia e a duplicação da BR-163 possuem potencial de impacto devastador na floresta, no clima e nas nossas vidas. Para piorar, fazem tudo isso sem nos consultar, violando nosso direito estipulado pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Ignoram nossos saberes e nos excluem das discussões e espaços de tomada de decisão.

Nós, mulheres indígenas, estamos na linha de frente da luta para proteger o rio Tapajós e a vida no planeta. São justamente nossos territórios os que mais contribuem para a possibilidade de o Brasil atingir as metas do Acordo de Paris e não passar vergonha na COP30. Se a Ferrogrão não for cancelada, a contradição será evidente: trilhos de destruição passando em pleno estado-sede da conferência climática.

Não podemos permitir que sigam queimando a amazônia e matem o Tapajós e, com o rio, as vidas e o futuro que ele alimenta. Ainda é possível interromper esse ciclo de degradação e envolver os povos indígenas e as comunidades tradicionais no planejamento da região. Urge demarcar nossos territórios e garantir a regularização fundiária, cancelar a Ferrogrão e impedir a expansão do lucro do agronegócio em detrimento do nosso futuro.

A amazônia e o rio Tapajós pedem socorro por todas e todos nós.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2024/12/o-tapajos-pede-socorro.shtml

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